A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quarta-feira, junho 22, 2011

«Advertência» ao livro Política e Economia Nacional de Oliveira Martins


Caricatura de Bordalo Pinheiro




Trindade Política1





Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro publicada no
O Antonio Maria, 13 de Setembro de 1883
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«Metto a Trindade n'um canto

Pintando co'as minhas tintas
Esta Trindade frecheira ...
Padre filho, Espírito Santo
Três pessoas não 'distintas'
E nenhuma verdadeira ...»



«Advertência» ao livro Política e Economia Nacional
de Oliveira Martins


«CHEGÁMOS AO MOMENTO EM QUE A ÁGUA SUJA E VISCOSA DÁ PELA BARBA, HÁ AÍ ALGUÉM QUE NOS ACUDA E NOS TIRE DO ATOLEIRO IMUNDO?»

Este texto de Oliveira Martins de introdução à compilação de vários artigos publicados na imprensa portuguesa, foi de facto a apresentação do programa político, que ficou conhecido pelo nome de  «Vida Nova».  Nome apresentado por António Cândido no seu célebre discurso de 17 de Fevereiro de 1880, na Câmara dos Deputados das Cortes.
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A participação activa de Oliveira Martins na política portuguesa começou em 1876, quando  tentou apresentar-se às eleições nas listas do Partido Regenerador, do que foi impedido por vontade de Fontes Pereira de Melo. Por esse motivo, apresentou-se à votação pelo Partido Socialista, tanto em 1878 como em 1879, não conseguindo, como era natural, ser eleito deputado. Aproximou-se do Partido Progressista em 1884, pela mão de Emídio Navarro e seus amigos quando começou a escrever para o «Novidades», órgão do grupo. Foi nas listas progressistas que foi eleito deputado em várias legislaturas, tendo sido ministro da Fazenda no governo de Dias Ferreira em 1892, mas durante um muito curto período de quatro meses. 

Conselhos e instâncias de várias pessoas em quem alguns destes ensaios2 fizeram uma impressão porventura mais profunda do que eles comportam, me levaram a apresentá-los de novo ao público reunidos em volume.
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Pareceu-me também que o momento não deixava de ser oportuno, agora que no espírito de toda a gente se radicou a ideia da aproximação duma crise, profundíssima na opinião de todos, porventura mortal na opinião de muitos, ou pelo menos de alguns; agora que o optimismo banal dominante nos últimos anos parece ter perdido definitivamente um terreno que por honra do patriotismo e da inteligência portuguesa nunca devera ter ganho.
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Coordenando estes escritos avulsos procurei dar-lhes quanto possível uma unidade e um nexo, de modo que, sem os alterar quanto à forma em que primeiro viram a luz, pudessem deixar no espírito do leitor uma impressão mais ou menos definida do vício das doutrinas em que se agita a política portuguesa - se e que ainda a movem doutrinas de qualquer ordem, e não apenas interesses e urgências das mais variadas naturezas.
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Serviram-me sobretudo para tema das minhas considerações várias obras e documentos oficiais publicados durante o período em que militei na imprensa, desligado de qualquer partido, despido de qualquer pensamento que não fosse o de dizer sincera e francamente ao meu país uns punhados de verdades. Felizmente esses temas abrangem um largo círculo de questões e bastam, parece-me, para que o leitor possa abraçar o conjunto sistemático do meu pensamento.
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A principiar pelas questões propriamente políticas, o leitor verá que no momento actual se me afigura indispensável libertar o parlamento das duas influências nefastas que, segundo o consenso unânime, reduziram o nosso regime constitucional a um grau de abatimento lastimoso. Perverteu-se a natureza peculiar das instituições; tornaram-se de facto as câmaras (isto é, os deputados e pares tomados individualmente) o verdadeiro executivo, e tornaram-se os ministros o poder legislativo, pois que o menor cuidado dos legisladores é discutir as leis, e o máximo impor aos ministros as suas exigências, os seusempenhos, em benefício do círculo, do influente, do eleitor, do compadre.
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Essas duas influências nefastas sabem-no todos, são a burocracia e o que se chama campanário. Os legisladores são na. sua grandíssima maioria empregados públicos: como deixará de ser a câmara uma sucursal das secretarias? Como deixarão de ser, os votos parlamentares uma sanção apenas, e as discussões positivas paródias? Admite alguém sequer a hipótese de uma divergência de opinião entre um ministério e a sua maioria? Viu-se já, uma só vez faltar a algum gabinete o apoio dos deputados por ele eleitos?
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Mas esses mesmos legisladores, empregados públicos, e mais. ainda os raros que o não são, vergam sob o peso de influências locais que os escravizam; e no pacto mais ou menos tácito celebrado com o governo recebem dele tudo o que reclamam, em troca do apoio incondicional dado a toda e qualquer lei mais ou menos impensada, mais ou menos estudada que sai – quando sai – do ventre das secretarias.
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Dir-se-ia que deste modo realizamos um sistema de ditadura crónica e de governo pessoal exercido dentro dos moldes parlamentares. Não é porém assim, pois o. legislador que votou de olhos fechados muitas vezes por nem sequer ter inteligência ou carácter bastante para os abrir abre-os logo que a lei sua filha vai feria Fulano ou Sicrano, trunfos do seu círculo, e corre ao ministro para que torça, para que suspenda, para que remedeie o mal que fez.
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E o ministro obedece. E de facto os governos do país são governados por dois centos de legisladores, os quais por seu turno se deixam governar pelos influentes, que por sua vez dependem dos galopins locais. Há por aí taberneiro que num momento dado pode mais do que um ministro da coroa.
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É indispensável pôr ponto neste desarranjo da máquina constitucional. Como? 0 remédio é óbvio. Anulando uma pela outra as duas influencias nefastas e dando independência a ambos os poderes, legislativo e executivo. 0 meio de o conseguir estaria, quanto a nós, na generalização do sistema da lista múltipla para a composição da câmara dos deputados: deste modo os eleitos do povo deixariam de ser criações do Sr. visconde Disto ou do Sr. marquês Daquilo, pessoas omnipotentes nas várias regiões do país.
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Por outro lado, o carácter mais pronunciadamente oficial ou. burocrático de uma tal câmara (se acaso é possível ir além do estado actual) corrigir-se-ia compondo o senado ou câmara de pares de modo que nele tivessem assento os representantes das forças vivas e das instituições nacionais; compondo-o, não por eleição imediata, directa ou indirecta, mas por delegações das juntas dos distritos, dos tribunais superiores, das associações comerciais, etc.3
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Perante um parlamento assim constituído o executivo seria forçosamente obrigado a ter pensamento e autoridade própria e a exercê-la, pois que não encontraria unidos numa mesma dependência as duas câmaras que hoje governa e pelas quais é governado. Nisto se cifra a meu ver a necessidade fundamental da reforma da constituição portuguesa, actualmente. Tudo o mais, ou é acessório, ou, é quimérico. Confundir o governo com a filosofia, e imaginar adequada uma reforma por isso que ela é abstractamente excelente, concebe-se que seja o ideal mais ou menos ardente da juventude indiscreta, mas não quadra ao pensamento amadurecido.
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Construir porém a máquina constitucional é apenas um primeiro passo. Engana-se, supondo-se estadista, aquele que imaginar ter feito tudo desde que fez a constituição. A constituição é como a casa: quer-se que seja ampla, ventilada, luminosa e bem disposta; mas é a casa apenas, não são ainda os habitantes. O palácio da constituição de um povo tem de ser ocupado por uma espécie particular de moradores – as ideias que se traduzem em leis.
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Já lá vai o tempo, felizmente, em que cada grupo gizava o seu projecto e em que todos supunham depender o bem-estar e a riqueza de um povo da adopção exclusiva de um certo sistema de fórmulas constitucionais. A cauda e a resto de um tal estado de espírito vemo-los no nosso radicalismo actual que, sem ideias definidas capazes de se traduzirem em leis, sem noções próprias acerca do regime das forças e elementos sociais, parece esperar tudo de uma solução teatral - do facto simples, e sob este ponto de vista relativamente indiferente, do poder moderador ser - exercido por um rei ou por um presidente electivo.
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Herculano dizia importar-se pouco que outrem se sentasse num trono, numa poltrona, ou numa tripeça.
O grave, o sério, o importante, é que ao governo de um país presida, não direi a inteligência nem -a moralidade porque isso é óbvio, mas sim uma compreensão lúcida e progressiva da. autoridade e da missão do Estado.
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Essa missão não consiste, não pode consistir unicamente em manter a ordem; e embora numerosos publicistas afirmem o contrário, os factos, com a sua eloquência brutal, desmentem-nos categoricamente.
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Essa missão vai mais longe: abrange em si a iniciação e, a protecção por via das quais as classes miseráveis têm de subir gradualmente à dignidade de cidadãos conscientes; abrange em si o fomento da riqueza e o regime da sua justa equiponderação; inclui a instrução e todas as várias espécies de subsídios com que o Estado arranca dos negros fundos de miséria as populações deserdadas, e das entranhas do solo e do mar as riquezas aproveitáveis; abraça no seu todo o sistema dos instrumentos de uma sociedade, o imposto e a circulação, as alfândegas e a viação, a divida, a administração, etc., fazendo-os servir ao mesmo tempo de propulsores do bem estar, em vez de os considerar apenas como máquinas de opressão e aspiração extenuante.
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Na segunda parte, e também na terceira desta colecção de Ensaios, estudei várias faces da questão sob este ponto de vista: cumpre ao leitor dizer se concorda comigo em que no nosso Portugal de hoje os vícios constitucionais não são maiores do que os vícios orgânico-económicos.
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Afigura-se-me que, entre as medidas mais urgentemente reclamadas. pela economia do Estado e da Nação, se acham., em primeiro lugar as que dizem respeito ao equilíbrio orçamentário, ao regime do imposto e à organização da circulação. É absolutamente indispensável que o Tesouro não só disponha dos recursos necessários, como deixe de concorrer com os particulares, provocando uma elevação anormal da taxa do juro e condenando assim à morte muitos ramos de trabalho e muitas fontes de riqueza pública.
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Neste sentido eu entendo que, sem revolução nem crise, a deplorável situação actual melhoraria muito desde que as circunstâncias permitissem a alguém realizar um sistema de medidas cujos pontos fundamentais me parece serem os seguintes:
  • converter a actual contribuição de renda de casas e sumptuária, com a industrial na parte que incide sobre rendimentos pessoais, num imposto. de renda progressivo, que abrangesse na sua incidência. todos as proventos do trabalho e da riqueza móvel superiores v.g. a 200$000 reis;
  • introduzir o princípio da progressão, embora em grau mais moderado, no sistema das contribuições prediais, revendo e reformando as matrizes e melhorando a distribuição;
  • reformar as bases em que hoje assenta o imposto industrial (excluindo desta espécie os proventos pessoais), fazendo-o render o que não rende e tornando-o equitativo;
  • destinar da parte disponível do excesso de produto dos impostos directos uma verba para a abolição gradual sucessiva de muitos impostos indirectos, ou de consumo, que são empobrecedores por agravarem o preço das subsistências das classes pobres, ou são, por outro lado, absurdos por escassez do que produzem líquido;
  • coarctar. as faculdades excessivas das instituições locais, juntas de paróquia, câmaras e juntas gerais, para o lançamento de tributos e emissão de empréstimos, limitando as percentagens dos primeiros e fixando para os segundos uma relação inexcedíveis entre a soma dos encargos das dívidas e a dos orçamentos de receita;
  • formar o cadastro dos bens nacionais na posse mediata ou imediata da Fazenda (e dos que tenham de ser reivindicados por ela) e realizar com todos uma operação de crédito destinada ao fundo de amortização da divida;
  • decretar o princípio da nacionalização dos caminhos-de-ferro e o processo dos resgates sucessivos conforme as forças do Tesouro e as condições dos contractos, convertendo desde já num fundo especial amortizável com hipoteca sobre as linhas aquela parte de dívida fundada que foi aplicada aos subsídios ou às construções das mesmas linhas;
  • organizar a circulação fiduciária conforme os tipos mais adequados ao regime actualmente vigente em Portugal, de modo que a emissão de notas atinja o grau de que é susceptível, que exerça uma influência sobre a economia do desconto e produza uma receita para o Tesouro;
  • introduzir no regime em geral do funcionalismo activo e inactivo as medidas necessárias de economia, reformando parcialmente os diferentes serviços, e coibindo o sistema das acumulações que hoje se aproxima dos benefícios dos velhos tempos.
Medite cada qual no rumo que temos seguido há trinta anos; veja despreocupadamente a situação que se apresenta; repare nos resultados da combinação de um positivo desvairamento no recurso ao crédito, que é o processo ordinário da gente perdida, com a profunda desordem lavrando em todos os serviços e em todos os espíritos; medite e diga se porventura, a menos de uma reforma radical dos hábitos de governo, é possível evitar, não só a crise do Tesouro, como a crise universal das instituições locais que à imitação dele vão lançando adicionais e endividando-se até aos olhos.
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Não bastaria porém introduzir a ordem nas finanças: era necessário mais, era mister avivar as forças produtoras do país que, dia a dia, à excepção única da agricultura, essa mesma açoitada hoje nas suas duas principais fontes de rendimento, o pão e o vinho, que dia a dia, dizemos, ou se extinguiram como a marinha mercante, ou definham como todas as pequenas indústrias, ou vivem uma existência atribulada e precária, debatendo-se cruelmente no exíguo âmbito do mercado nacional sem terem para si, ao menos, os consumidores das colónias portuguesas.
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E todavia metade da área do reino está inculta, e uma emigração descomunal vai buscar fora trabalho que os estadistas não sabem como proporcionar-lhe dentro dos limites das fronteiras.
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Afigura-se-me também que o exemplo das nações mais adiantadas e as indicações da ciência estão dizendo que ordem de instituições seria necessário criar para abrir uma era de fomento económico, prevenindo ao mesmo tempo as questões chamadas sociais que agitam a Europa inteira e que só nos não afligem ainda a nós porque o grau de cultura das nossas plebes e rurais e fabris é excessivamente baixo. Mas há de subir.
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Nos meus estudos e cogitações adquiri a convicção de que as medidas mais urgentemente reclamadas pela economia social portuguesa se podem resumir ao seguinte:
  • aumentar a área cultivada do reino, irrigando e arborizando especialmente a sua metade austral; criando centros ou colónias de lavoura com a gente que os Açores, a Madeira e o Minho exportam, e instituindo para isso formas adequadas de propriedade e protecção;
  • reformar as pautas aduaneiras conciliando quanto possível as exigências excepcionais e excessivas do tesouro público com as exigências permanentes da defesa do trabalho nacional; inaugurando o principio da escala móvel dos direitos protectores fazendo desaparecer as contradições monstruosas que viciam o sistema pautal e encaminhando-o num sentido de simplificação das nomenclaturas e de redução do número de matérias taxadas;
  • promulgar um código do trabalho fabril, regulando as condições e o tempo do exercício diário, estabelecendo prescrições com relação ao trabalho nas mulheres e crianças, organizando o aprendizado, criando instituições preventivas das consequências dos acidentes e da inabilitação pela velhice;
  • desenvolver, generalizar e unificar a instrução profissional;
  • federar as instituições de socorros mútuos existentes, impondo-lhes um. regulamento comum e fazendo servir os seus fundos para as operações de empréstimos sobre pequenos penhores; cooperativas de consumo, de crédito, de seguros, etc.;
  • reformar o código comercial incluindo nele com referência às sociedades anónimas disposições novas, que definam claramente a sua natureza e os fins para que podem ser constituídas; garantindo os direitos e a propriedade dos accionistas e credores; estabelecendo um processo seguro para as falências, estatuindo a capacidade necessária para exercer o comércio, tornando bem claras as relações entre a legislação comercial e a civil, etc.
  • fomentar as pescarias e as indústrias de preparação do peixe, transformando de acordo com as ideias do tempo a organização arcaica das armações e companhas de pesca;
  • restaurar a marinha mercante e a construção naval, empregando para isso os meios e processos adoptados hoje por grande parte das, nações civilizadas;
  • e finalmente fixar um sistema de exploração das colónias, aplicando a cada qual o regime adequado, e descentralizando a sua administração, nacionalizando quanto possível o seu comércio; aplicando todos os recursos disponíveis e todo os meios indicados para tornar a província de Angola uma fazenda rendosa, como outrora foi o Brasil; e generalizando aos estabelecimentos de além do Cabo da Boa Esperança o princípio do self-supporting e o regime de tratados internacionais.
Eis aí os traços gerais de um esboço de programa que, a meu ver, acompanhado por uma organização prática e sensata do ensino - especialmente do secundário que é o mais importante numa democracia, e também o que chegou entre nós ao estado mais deplorável - poderia, parece-me, insuflar no corpo caquéctico da sociedade portuguesa um alento de vida e prepará-la para novas campanhas dando-lhe consciência de si própria e sentimento da sua força.
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Para o conseguir, porém, é mister passar uma esponja sobre a história actual e recente, fazer um grande acto de contrição, apagar até a própria lembrança desta orgia regeneradora em que nos vemos ir a pique desoladamente impotentes, esperando tudo dos meios ilícitos, alcançando tudo do compadrio, tornando Portugal inteiro com os seus quatro milhões de habitantes um grande viveiro de afilhados que rumorejam pedindo favores em torno do homem que se arvorou em compadre universal destes reinos.
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Esta perversão íntima de todas as coisas, este género singular de governo que escapou à classificação de Aristóteles, é a causa mortis da nossa sociedade. Ilusão cruel que põe os nacionais de um país na situação dos povos que exploram gentes estranhas?
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Porque os explorados afinal somos nós mesmos. Nós próprios, ou nossos filhos por nós, pagaremos dia mais, dia menos, as consequências do erro fatal de nos pendurarmos às abas do raglan de alamares do homem que fez da abjecção o princípio fundamental do governo, e para quem Portugal se resume nos dois ou três centos de mendigos influentes que zumbem e intrigam em volta dele.
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Ele rege o país como coisa sua. e rege-o mal e desastradamente; e nós que abdicámos os nossos direitos e a nossa dignidade até nas suas mãos; nós que somos afinal os donos da propriedade enfiteutizada ao bando regenerador, havemos de gemer no dia em que a ironia amarga nos chicotear o lombo com os açoutes das desgraças que preparámos por nossas mãos impotentes, e que ele amontoou com as suas, erguido o indicador para o ar num gesto petulantemente soberano.
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Para os homens emprega-se um sistema único: a veniaga. «Que quer ele?» Para as instituições usa-se de um único sistema: sofismá-las. Um padre-mestre do partido, tendo pedido auxílio a um homem sério e ilustre para a candidatura a deputado de um idiota, e objectando-se-lhe que ao menos escolhessem gente capaz, respondeu: «Idiotas é que nós os queremos: se o não fossem, davam-nos com uma tábua bem sabe onde.» As anedotas autênticas pintam ao vivo as situações.
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A tal ponto de perfeição chegou o sistema com trinta anos de existência, depois que Rodrigo da Fonseca proferiu o célebre axioma: «Deputados e casas compram-se feitos.» Os herdeiros da sua doutrina mostraram-se, como se vê, dignos da lição do Mestre.
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Que importa que ao regime da corrupção omnímoda e universal os regeneradores cozessem o plano dos melhoramentos materiais? A construção de estradas e caminhos de ferro, empresa sem dúvida útil e que seria infalivelmente levada a cabo quer houvesse regeneradores, quer não, foi porém nas mãos deles uminstrumentum regni com o qual puderam alargar a área da corrupção politica, com o qual iludiram a gente de boa-fé, arrastando as finanças à sombra dos melhoramentos para a situação obscura em que se acham ao cabo de trinta anos de fomento incomparável - segundo dizem! - forçadas a ir recorrer a um imposto obsoleto, ominoso, como é o do sal.
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É que a imoralidade andou sempre de braço dado com a mesquinhez de inteligência proverbial dos corifeus que viam numa pirâmide simbólica «acima do cavalo da diligência o tramway, acima deste a locomotiva, e acima de tudo o progresso!»
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É que a compreensão íntima das funções económicas do Estado se resumia para tais homens nos progressos da viação! A sua fúria pelos caminhos de ferro foi até ao ponto de, não lhes bastando já Portugal, ir dotar com eles a Espanha. Somente nunca a Regeneração bateu uma vez única na testa perguntando se não conviria olhar mais um pouco para a produção e menos um tanto para a circulação da riqueza.
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É que ela, proponente e defensora do sistema das dívidas consolidadas, fez da viação um credo, pôs-se de joelhos diante dos carros e vagões e acreditou. piamente que bastava abrir caminhos para inventar produtos.
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E todavia se não fossem as leis da abolição dos vínculos e da desamortização, a abolição do privilégio da barra do Douro e a do Contrato do Tabaco; se não fosse esse conjunto de medidas económicas que remataram a obra restauradora de Mousinho da Silveira - e que os regeneradores não fizeram - ainda os caminhos de ferro seriam uma ruína para os capitais particulares como o foram para o Tesouro.
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Apesar disso, porém, não há dúvida que os melhoramentos materiais cooperaram no sentido do aumento da riqueza pública, mas de tal modo foram feitos e a tais desvarios serviram de pretexto que levaram a nação ao estado em que se vê. Endividaram a mais não poder ser o Tesouro, dificultando hoje os meios para o fomento da produção propriamente dita; e o homem que via dependente a salvação da pátria do facto dos portugueses serem obrigados por lei a viajar três meses 4, pôde contemplar-se vaidoso e inchado como um personagem a valer, fazendo acreditar a muita gente mais ou menos directamente paga que ele, o das mãos rotas, era verdadeiramente um estadista.
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Tanto se desceu que se chegou ao ponto de se proclamar génio a faculdade de sofismar todas as leis, de comprar ou enganar todos os homens - e para coisa nenhuma! para na véspera da abertura das câmaras se encarregar à pressa, de corrida, a Este ou Àquele, um projecto de imposto do sal ou da aguardente. E esta corrupção no vazio passa - ou passou por muito tempo -como a suma sabedoria! Guizot corrompia, é verdade; mas o francês tinha um fim tão claro e sistemático, como entre nós o teve o Sr. marquês de Tomar que o escolheu para modelo.
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Agora porém corrompe-se apenas para conservar imóvel e inalterável um estado de coisas que não pode levar senão ao destino certo daquele que escorregou num pego e pela calada de uma noite sombria vai gradualmente afundando-se num poço de lodo fofo, até que se some.
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Chegámos ao momento em que a água suja e viscosa dá pela barba, há aí alguém que nos acuda e nos tire do atoleiro imundo?
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Tal deveria ser a missão nobilíssima do partido cujas tradições são a honra intemerata e a dignidade altiva; do partido que contou entre os seus Passos Manuel o grande democrata, e Sá da Bandeira a quem Herculano chamou o Bayard português; do partido querido de D. Pedro V, esse rei malogrado e superior à sua sorte.
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Mas era mister que o antigo partido patuleia se inspirasse numa política nova e que, abandonando a preocupação exclusiva de juristas mais ou menos radicais, hoje que as questões de direito público por toda a parte se subalternizam às de economia social, mostrasse, perante a restauração da autoridade e da riqueza nacional e perante a protecção a dar aos deserdados da fortuna, o mesmo espírito democrático de que em outros tempos deu provas quando se tratava de dotar o povo com garantias e direitos políticos.
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Esta é a única maneira actual ou moderna de se ser patuleia. Fora dela as mais nobres aspirações não passam de arcaísmos, nem chegam a entrar no terreno das realidades. Fora dela, diante de inimigos destituídos de entusiasmo e também de escrúpulos, a sorte inevitável do partido é ser permanentemente codilhado; é ver a cada passo os rivais tomarem-lhe a dianteira confiscando em proveito seu as iniciativas alheias; é perderem afinal o carácter próprio ficando na condição de monumentos venerandos de um passado extinto, porque não souberam medir o passo pelo caminhar do tempo e vieram a achar-se sós em campo desamparados da pequena, burguesia e da plebe que noutras idades constituíam a sua força.
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E essas classes, sem partido em que se arrolem, começam por descrer de uns e de outros : dos regeneradores porque sempre os desprezaram e dos progressistas porque afinal os não vêem fazer mais do que os contrários; começam por descrer, e gradualmente vão amontoando os elementos de uma crise constitucional talvez funesta, perigosa decerto.
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Todavia a tradição do antigo partido progressista podia salvá-lo ainda, salvando-nos talvez a todos nós neste momento de instabilidade gravíssima. A opinião inteira do país, se até certo ponto lhe tem negado capacidade governativa jamais lhe recusou o nobre título de honrado. E este crédito é a melhor âncora quando a mudança indispensável das coisas reclama antes de tudo a substituição da veniaga pela moralidade no governo da nação.
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As experiências mais recentes (1868) mostram porém que a moralidade por si só é insuficiente para reger um povo profundamente contaminado pelo vírus regenerador. E mister que à honradez os governantes juntem a, habilidade e a inteligência, a noção clara do fim e a compreensão lúcida dos meios pelos quais é possível levar a cabo a empresa da transformação da sociedade portuguesa.
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Inspire-se pois o partido progressista das ideias que, não eu, mas o país inteiro lhe impõe, expressas nos vagos desejos de uma vida nova, e não poderá deixar de encontrar apoio no povo que tão depressa visse realmente nisso um interesse e um incentivo acudiria logo a alistar-se outra vez em volta dos chefes neo-patuleias. Creia que o mal dos partidos constitucionais é não terem raízes profundas na gleba popular, e serem apenas estados-maiores sem soldados. A Regeneração compõe-se, dos conselheiros das secretarias aliados a umas dúzias de conselheiros ricaços: é este o futuro que sorri aos progressistas? Pois é sem dúvida o que os espera pelo caminho em que têm ido.
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Lembre-se o rei do que lucrou seu avô em se bandear com um partido; lembre-se do que lucrou sua mãe em se identificar com a causa cabralista; medite em que não há hoje, nem uma guerra, nem a ilusão de uma doutrina, para desculpar tais desvairamentos; reconheça que os seus escrúpulos e os seus receios - fala pela minha voz, como noutras eras, o sentimento profundo mas não hostil da arraia miúda - põem em risco a magistratura que exerce.
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Lembremo-nos finalmente todos nós, povo, de que no ponto a que as coisas chegaram não há remédio possível fora de uma vida nova, em que, pondo de parte interesses e rivalidades pessoais e partidárias, esquecendo as questiúnculas mesquinhas dos conventículos políticos, nos disponhamos sinceramente a meter mãos à obra reformadora da nossa sociedade; a dissipar por uma vez a ilusão cruel de que explorando por todos os modos o Estado nos não exploramos a nós mesmos; e a varrer para bem longe de nós todos aqueles que fazem ou fizerem dessa ilusão o alicerce do seu poder funesto.
Janeiro de 1885.



Notas:
1. No lado esquerdo, o «Pai» é o rei D. Luís, no centro, o «Filho» é D. Carlos e, à direita, o «Espírito Santo» é Fontes Pereira de Melo. A adorar a criança está a vaca Progressista, um burro e dois reis Magos, um dos quais é Mariano de Carvalho.
2. Publicados na sua máxima parte durante a campanha que no ano de 1882 empenhei no Jornal do Comércio de Lisboa. (nota do autor)
3. Eis aqui um exemplo de constituição da câmara dos pares:













4. Discursos do Sr. Fontes em 18 de Janeiro e 2 de Abril de 1856. (nota do autor)
Modificado em 19 de Julho de 2003.
Fonte:
Oliveira Martins, Política e Economia Nacional, Porto, Magalhães & Moniz Editores, 1885.
A ler:
    Francisco Assis Oliveira Martins, O Socialismo na Monarquia. Oliveira Martins e a Vida Nova, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1944;
    Francisco de Assis Oliveira Martins, «Eça de Queiroz, Oliveira Martins e a Vida Nova», in Eça de Queirós – No Centenário do seu Nascimento, Lisboa, Secretariado Nacional da Informação, 1950;
    A. Álvaro Dória, «No Centenário da Vida Nova», Boletim de Trabalhos Históricos, volume (1985-1986).
  •  
Outros documentos políticos  A lista completa ordenada cronologicamente.

1. Delegados das juntas gerais dos distritos 28
2. Presidentes das câmaras municipais de Lisboa e Porto 2
3. Id. das associações comerciais das mesmas cidades 2
4. Delegações do generalato, do episcopado, da magistratura superior 36
5. Delegares dos conselhos das escolas superiores 12
6. Eleição em lista única, em todo o reino 10
7. Nomeação livre do executivo 30
120
(nota do autor)

A ver também:
  • Oliveira Martins
    Entrada no «Portugal - Dicionário Histórico».
  • O Fontismo
    Cronologia da história de Portugal de 1878 a 1889.

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