Monopolização e economias de escala
Um dos argumentos mais básicos e populares dos partidários do “capitalismo”
ou do “livre mercado” reside na tese de que um mercado livre irá sempre tender
para o equilíbrio e maximizar os benefícios quer de produtores, quer
consumidores. Um dos problemas com este conto de fadas é que nenhum mercado é
“livre” e que em lugar ou tempo algum se verifica a “competição/mercado
perfeito“.
Uma das condições necessárias para a existência de um mercado perfeito é a
inexistência de economias de escala,
o problema é que existem de facto economias de escala (ou de escopo, ou de rede) na produção da
maior parte dos bens e serviços. Mais, a partir do momento em que uma dada
empresa/capitalista adquire algum poder/capital disponível irá empregar esse
poder/capital para “deformar” o “mercado perfeito” a seu favor. Nem é preciso
ser um cromo em economia, basta pensar que o jogo icónico que celebra o
capitalismo se chama… Monopólio (que por acaso surgiu durante
a grande depressão dos anos 30 nos EUA). Esta tendência é portanto inerente
ao capitalismo. Mas não apenas ao capitalismo.
Para um sistema económico onde: se procure maximizar a produtividade (que não
é o mesmo que procurar a acumulação de capital em mãos privadas); onde exista um
mercado de dimensão suficiente e procura em larga escala para um dado
produto/serviço; onde exista acesso a recursos em quantidade suficiente; onde a
tecnologia e modelos organizativos permitam a produção em série/concentrada.
Então haverá tendência para se tirar partida de ganhos com economias de escala,
ou seja haverá tendência para o monopólio ou oligopólio. Com isto não estou a
dizer que o “monopólio” é sempre a mais eficiente forma de organizar a produção,
há que ter em conta todos os pressupostos que acima mencionei. Mais, mesmo
verificando-se todos esses pressupostos, o que existe é uma “tendência” para a
superioridade do “monopólio”, essa “tendência” só se materializa tendo em conta
as especificidades concretas do exemplo que se esteja a analisar. Ou seja, mesmo
se se verificarem todos os pressupostos, o “monopólio” poderá não ser o modo de
organizar a produção/distribuição mais produtivo. Há que ter em conta as
características particulares dos produtos, modelos organizativos, tecnologias e
contexto sócio-cultural-político em questão.
O “postulado” acima exposto não é a única força pela qual se formam e mantém
monopólios. Em muitos casos onde não são economicamente eficientes – pelos
mercados terem dimensão reduzida, não existirem recursos em quantidade
suficiente e/ou os custos de acesso/transporte serem elevados, tudo factores que
impossibilitam tirar partido das economias de escala – mesmo assim os monopólios
prevalecem. Isto porque adquirindo capital/poder suficiente num dado
local/mercado podem utilizá-lo para exterminar os adversários noutras paragens
(uma táctica muito utilizada é o “dumping“).
Ora com a queda dos custos de transportes no pós 2ª Guerra, com a queda
dramática dos custos das comunicações com a revolução digital a partir dos 80 (o
que facilita manter e coordenar de forma eficaz grandes organizações), a
tendência para a expansão dos monopólios tem se reforçado, e quanto mais um
monopólio adquire poder mais recursos tem para se expandir, reforçar e defender
a sua posição.
Ou seja nos últimos tempos, longe de uma utopia de livre concorrência e
reforço da competição, a tendência dominante do capitalismo tem sido para o
aumento dos monopólios e a concentração da vida económica num número de empresas
cada vez mais reduzido. O seguinte artigo apresenta um estudo detalhado sobre
isso:
Monopoly
and Competition in Twenty-First Century Capitalism, Foster, McChesney and R.
Jamil Jonna
O sector económico mais dinâmico da actualidade, a “Internet” e tudo o que a
ela está associado, é uma das áreas onde essa tendência mais se tem reforçado. A
imagem que ilustra este texto é retirada de um artigo
do economist onde se descreve a guerra entre os vários gigantes que no momento
dominam a “Internet”, sendo que cada um desses gigantes é um monopólio na
sua área específica. A google domina as pesquisas, a Amazon domina o comércio a
retalho e as entregas, a Apple (mais
valiosa empresa do mundo e da história, em valor das acções) domina na venda
de alguns conteúdos e aparelhos móveis, o facebook monopoliza as redes sociais.
Noutro
artigo da mesma revista esses mesmos monopólios privados são
defendidos contra tentativas de regulação… Regulação, que na melhor das
hipóteses é um mal menor, geralmente é mas é uma ganda palhaçada.
Por vezes o monopólio é mesmo a melhor forma de organizar a produção e
distribuição de produtos e serviços. Mais, importantes avanços técnicos (ou das
forças de produção) nas últimas décadas fazem com que o monopólio faça sentido
em cada vez mais sectores e locais. Devo acrescentar que localismos medievais
são coisa que não me atrai lá muito, para aqueles que não gostam de monopólios
ou controlo central por questão de “princípio” tenho pena de não ter uma máquina
do tempo, enviava essa gente para a Idade das
Trevas para verem o que é bom.
O problema central não é portanto a existência ou não do monopólio,
mas o seu controlo! E não é um regulador que vai controlar seja o que
for, não, quando falo de controlo refiro-me há propriedade e poder
executivo.
Aliás em Portugal há um caso tragicó-cómico que ilustra bem a realidade da
introdução de pseudo-competição e regulação num sector vital. Estou a falar da
energia eléctrica. A mandato da União Europeia, embalados pela possibilidade de
fazer uns bons negócios e encantados pelas fábulas neoliberais a EDP foi cindida
pelo governo português em meados dos anos 90 (por quem? por esse grande
estadista Cavaco Silva…), a produção de energia permaneceu na EDP e a
distribuição foi para a REN. A “estória da carochinha” é de que só assim seria
possível várias empresas entrarem no mercado de produção eléctrica, todas
recorrendo a uma empresa neutra de distribuição… Passados quase 20 anos a
realidade é qual? O monopólio quase total de produção de energia continua na EDP
e depois de privatizada a REN e a EDP ambas têm o mesmo accionista principal…
Ambas são propriedade da República Popular da China, uma “empresa privada”
conhecida por todos…. Se não fosse trágico seria uma grande comédia.
Esta política ditada pela UE de desmembramento de monopólios sob o controle
público é absolutamente criminosa e foi seguida noutros sectores como o do
transporte ferroviário. É engraçado que, por exemplo,
na Alemanha essas directivas, nomeadamente para o sector ferroviário, não foram
seguidas. Nem o desmembramento do monopólio nem a sua privatização… Quem
acha que o sector público é inexoravelmente laxista/incompetente é porque é
ignorante ou tem interesses ocultos na privatização de bens públicos. Aqui podem
encontrar um artigo (entre vários) que desfaz esse mito e propõe várias
alternativas à resolução de problemas de gestão em empresas públicas para lá da
privatização.
Em resumo: Existe uma forte tendência para a expansão dos monopólios, a
mitologia de uma economia de mercado aberta à concorrência não passa de isso
mesmo, de uma mitologia. Nas últimas décadas, em vários sectores, incluindo o
mais dinâmico da actualidade – a “Internet” - a tendência é para a redução da
competição e o aumento dos monopólios. A existência de monopólios não é um
problema em si mesmo, sendo até a melhor forma de organizar a produção e
distribuição de bens e serviços num crescente número de sectores e locais. O
problema está no controlo, propriedade e gestão desses monopólios. Uma das
principais batalhas dos próximos anos será sobre o controlo dos monopólios,
serão estes cada vez mais propriedade de certos sectores privados-oligárquicos
ou existirá hipótese de recuperá-los para a esfera pública? A regulação é uma
palhaçada, quanto muito um mal menor, geralmente serve apenas para mascarar
políticas criminosas de desmembramento de monopólios naturais sob o controle
público e para dar tachos a amigos.
Termino chamando a atenção para dois factores que podem afectar esta
narrativa. Primeiro um aumento significativo nos custos de transportes
(provocado por um aumento no custo de combustíveis) e segundo uma tendência para
organização de agentes em redes colaborativas (em que cada núcleo mantém um
importante grau de autonomia mantendo ao mesmo tempo uma colaboração/coordenação
com o todo) e não tanto em monopólios centralizados de forma hierárquica. Quanto
ao aumento de custos dos transportes parece-me que podendo ocorrer, estes não
serão da ordem necessária a afectar esta tendência, um aumento nos custos de
transportes afectará a logística e a repartição entre modos mais do que
inviabilizará a “marcha dos monopólios”. Sobre a organização em rede, é uma
utopia simpática (um bocado à imagem do movimento cooperativo do século XIX), a
dinâmica do capitalismo actual não aponta para aí, antes pelo contrário esse
tipo de organizações é (e será) combatido pelas actuais oligarquias. A mim,
parece-me que há espaço para esse tipo de organizações colaborativas “em rede”,
mas tenho dúvidas que alguma vez venham a ser determinantes… De qualquer das
formas, haverá sempre sectores estratégicos que necessitaram de um grau de
coordenação e controlo só possível numa organização centralizada.
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