Quebrar sem Partir
TERÇA-FEIRA, 16 DE JULHO DE 2013
Austeridade(s)
A propósito do ‘compromisso de salvação nacional’
Nos próximos dias, o País irá ser bombardeado, ainda mais do que já foi, com austeridade. Para já apenas através de declarações, debates e outras proclamações do género em torno do tema. Os resultados de tanta análise, reflexão e preocupação – palavra banalizada de tão repetida! – não se farão esperar, virão logo a seguir. Nada de bom, pois, se prepara para oferecer aos já muito sacrificados portugueses, objecto de todas as experiências académicas que iluminados teóricos e serventuários à medida, assim que tiveram oportunidade, procuraram zelosamente pôr em prática.
Tanta preocupação em torno de um tema que, não fora os nefastos efeitos sobre a vida das pessoas, pouco mais suscitaria que o enfado mediático de uma recorrente banalidade (ainda que ao jeito dasangrenta banalidade dos atentados no Iraque – todos os dias a ‘produzir’ dezenas de vítimas – ou da dramática banalidade da situação grega!), ocorre na sequência de um inesperado repto lançado pelo conjuntural inquilino de Belém. A hirta figura, confrontada com a crítica que o dava já em adiantado estado de letargo face à sua notória imobilidade, decidiu fazer prova de vida e, vai daí, num gesto que apanhou meio mundo desprevenido, ensaiou imprimir um novo impulso no desgastado e pantanoso rumo da política caseira. Chamou-lhe ‘compromisso de salvação nacional’ e, para a sua concretização, convidou os partidos que subscreveram o ‘memorando’, os dois da coligação mais o PS. Os restantes, para o Presidente de todos os portugueses, pouco ou nada contam, por se afirmarem defensores de uma política de recusa e oposta ao ‘compromisso do memorando’!
O teor das já iniciadas negociações que, segundo as intenções proclamadas, deverá conduzir ao solicitado ‘compromisso’, incidirá apenas sobre ‘esta austeridade’. Eventuais divergências entre a coligação no poder e o PS situar-se-ão sobretudo, previsivelmente, a nível do doseamento prescrito das medidas que a materializam. Seria, aliás, deveras surpreendente que outro entendimento surgisse entretanto, por parte do PS, de oposição ao sentido da actual política de austeridade. Na substância, os três estarão de acordo com a prioridade de se salvar o sistema financeiro e que, para tal, é necessário fazer cortes nos salários e pensões (directamente ou por via fiscal), comprimir os serviços sociais públicos (aumentando taxas, reduzindo benefícios), ‘reformar’ o Estado (o que significa sobretudo transferir serviços para os privados)... Discordarão, seguramente, no grau e ritmo adoptados, na extensão dos cortes havidos e na rapidez com que os mesmos foram tomados. E em medidas pontuais de suporte à Banca e aos banqueiros, por forma a atenuar escândalos como o que o Jornal ‘I’ de hoje titulava: ‘Banqueiros portugueses no top europeu dos mais bem pagos’. No final, porém, vingará a decisão que a táctica eleitoral ditar (governo técnico ‘à Monti’?).
De facto, não parece constar das preocupações deste PS (e, portanto, dos negociadores socialistas), pelo menos no conjunto dos quesitos, (1)questionar ‘esta política’ de austeridade por impor a pessoas que nada têm a ver com os desmandos financeiros na origem da crise o ‘compromisso’ do pagamento de uma factura de despesas que não contraíram (não obstante ‘culpas próprias’ por terem sabido aproveitar, por exemplo, a oportunidade dos juros baixos – agido racionalmente do ponto de vista económico, como gostam de verbalizar), (2) denunciar o ‘acordo’ que criminosamente o certifica e (3) propor uma ‘outra política’, apresentando essa factura aos responsáveis pelo regabofe das engenharias financeiras, a matriz do descalabro.
Temos assim que, das três ‘austeridades’ em confronto, uma parece liminarmente arredada da mesa das negociações, a única afinal capaz de, em termos da ética democrática e da razão económica, responder ao impasse criado pela proposta de ‘salvação nacional’ do PR. Mas comporta um risco que nenhum dos três negociadores, comprometidos com o poder (o designado ‘arco governativo’), na prática está disposto a correr (ou sequer de ser acusado): o de contribuir para precipitar a derrocada do sistema social instituído, caso ocorresse a falência do sistema financeiro. Porque a alternativa à austeridade imposta às pessoas (em qualquer das duas versões, a dura ou a suave) passa pela aplicação de medidas de regulação e disciplina de todo o sistema financeiro global, a começar pela imediata extinção dos off-shores. E isso, sabe-se, seria a ruína de muitas das principais instituições financeiras mundiais, que rapidamente arrastariam o conjunto do sistema para a falência.
Aquilo, pois, que se apresenta como eticamente irrepreensível e até economicamente racional (pelo menos do ponto de vista democrático da satisfação do interesse geral), depara com uma impossibilidade inultrapassável na sua execução imediata. Resta saber por quanto tempo mais a realidade permitirá actuar-se (ou será pactuar?) na base do argumento do realismo e pragmatismo para se evitar fazer aquilo que se impõe do ponto de vista ético, democrático e até económico.
Sem comentários:
Enviar um comentário