A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quarta-feira, janeiro 31, 2007

As valiosas contas da África


O cauri e outras conchas coloridas circularam como moeda na África durante muitos séculos.


A. Félix Iroko

Valvas dorsais e ventrais de duas variedades de cauris. No alto, o Cypraea argus; abaixo, o Cyprae onyx.

Desde tempos remotos até a0 século XX, inúmeros objetos foram utilizados como moeda na África subsaariana: varetas ou pulseiras de metal, alguns tecidos, sal, pérolas, botões de camisa e conchas. Estas últimas, muito difundidas, foram os meios de troca que circularam em áreas de maior extensão.

Moluscos de origem marinha, as conchas de cauris, marginelas e olivas foram as que se destinaram com maior freqüência a esse uso. Os cauris (Cypraea annulus ou Cypraea moneta) são conchas brancas ou amarelo-claras, do tamanho de uma amêndoa. A valva dorsal é convexa, enquanto a ventral apresenta uma fenda. São encontradas apenas em mares quentes, principalmente no Pacífico Sul e no oceano Índico. A maioria dos cauris que circularam na África durante mais de mil anos procedia dos arquipélagos das Maldivas e das Laquedivas, no sudoeste da Índia, e das ilhas Zanzibar e Pemba, ao largo da costa oriental da África.

Despachados como mercadoria em seu local de pesca ou de coleta, os cauris freqüentemente serviam de lastro para os navios árabes, judeus ou europeus que os transportavam até os portos do continente africano, nos quais eram novamente vendidos como mercadorias.

As marginelas (Marginella ou Marginellidae) são moluscos marinhos de concha pequena e colorida, principalmente as procedentes das costas ocidentais da África. Também são encontradas nas regiões marinhas intertropicais da América, particularmente do Brasil.

Brilhantes como ágatas e mais compridas que os cauris, as olivas compreendem mais de 300 espécies. A mais utilizada como moeda na África subsaariana era a Olivancillaria nana. Recolhida nos arredores de Luanda, ela constituía a "reserva monetária" exclusiva dos reis do Congo até a chegada dos portugueses à região,no final do século XV.

A ÁREA DE CIRCULAÇÃO DAS MOEDAS-CONCHA


Até o século XVI, o nzimbu, nome congolês da Olivancillaria nana, circulava no reino do Congo, enquanto a marginela se limitava à bacia do Níger e o cauri difundia-se na região que constituiria posteriormente a África Ocidental e, em certa medida, na África Central.
Entre o século XVI e o final do século XIX, do Senegal a Uganda, do Sahel à Costa dos Escravos (Golfo da Guiné), o cauri foi mais difundido que qualquer outra moeda-concha. Mas foi pouquíssimo utilizado no Saara e jamais chegou a se implantar na África do Norte ou na África Austral.

Esse período marca também o apogeu da circulação das marginelas nas Áfricas Ocidental e Central, onde eram utilizadas pelas etnias da bacia do Congo em suas transações comerciais.

Já as olivas, sempre utilizadas exclusivamente pelos bantus, parecem jamais ter circulado fora das fronteiras congolesas. Para arruinar os reis do Congo, os portugueses trouxeram das costas brasileiras outras espécies de olivas, além de cauris do oceano Índico. Dessa forma, paulatinamente o nzimbu foi retirado da circulação monetária.

Os portugueses exportaram ainda olivas de Luanda e introduziram-nas como moeda fracionária, juntamente com os cauris, no tráfico de escravos negros do Brasil colonial.

As conchas não eram simples objetos de troca, pois possuíam todos os atributos das verdadeiras moedas. Como padrão e reserva de valor, constituíam à sua maneira instrumentos de câmbio e eram um símbolo de riqueza.

Argola de cobre para o tornozelo, utilizada como moeda no Congo.

MOEDAS VERDADEIRAS, MOEDAS FICTÍCIAS


Enquanto moeda verdadeira, as conchas permitiam adquirir inhame, facas, bois ou escravos e remuneravam qualquer tipo de serviço. Enquanto moeda fictícia, serviam igualmente como medida de valor para fixar o preço de algumas mercadorias, sem forçosamente intervir em seu pagamento. No século XIX, o explorador francês Luís Gustave Binger transcreveu a conclusão de um acordo entre dois comerciantes do norte de Gana: "A cabaça de sal vale 2.000 cauris; o cento de kolas, 1.000 cauris. Ofereço-te então 200 kolas por uma cabaça de sal."

Portanto, as conchas favoreciam as transações e constituíam excelentes indicadores da variação no tempo e no espaço do valor das mercadorias. Para maior comodidade, eram agrupadas para formar múltiplos: depois de perfuradas, eram atadas em conjuntos de 12, 20, 40 ou 100 unidades, segundo o sistema de numeração utilizado no espaço comercial em que circulavam.

Assim como os cauris, os musangas, discos de concha de caracol que circulavam em algumas regiões da África, eram atados através de um orifício central para formarem colares. Dez colares, medidos da extremidade do dedo maior do pé ao calcanhar, no início do século XX, valiam um doti ou 3,60m de tecido azul; dez colares medidos do dedo menor ao calcanhar valiam um doti de qualquer pano de outra cor.

Essas moedas-concha da África subsaariana deram origem, em algumas regiões, a verdadeiras políticas monetárias. As autoridades tradicionais ou políticas - onde existia um poder centralizado - asseguravam sua circulação e regulamentavam sua importação. Ao tomarem medidas para evitar a superabundância de conchas, geradora de inflação, ou sua escassez, que dificultaria as transações comerciais, os soberanos exerciam um verdadeiro poder econômico. De Abomé à Costa dos Escravos, assim como no Congo, eles praticavam uma política monetária rigorosa, de reconhecida eficiência.

Desde o início da era colonial as conchas começaram a perder paulatinamente seu valor monetário e deixaram de intermediar as transações comerciais. Atualmente, apenas os cauris continuam a circular, ainda que muito timidamente, entre os povos do sudoeste de Burkina Faso e do norte de Gana. É a única região do mundo onde conseguiram conservar em parte sua função de moeda. Só não se sabe até quando.

(Traduzido por Clóvis Alberto Mendes de Moraes)

FONTE:
http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/moeda/moeda_04.htm

terça-feira, janeiro 30, 2007

S. Paulo de Luanda no século XIX

Two Trips to Gorilla Land and the Cataracts of the Congo

por Richard F. Burton


Chapter II.

To São Paulo De Loanda.

At Loango, by invitation of Commander Hoskins, R.N., I transferred myself on board H.M. Steamship “Zebra,” one of the nymphs of the British navy, and began the 240 miles southwards. There was no wind except a slant at sunset, and the current often carried us as far backwards as the sails drove us onwards. The philosophic landlubber often wonders at the eternal restlessness of his naval brother-man, who ever sighs for a strong wind to make the port, and who in port is ever anxious to get out of it. I amused myself in the intervals of study with watching the huge gulls, which are skinned and found good food at Fernando Po, and in collecting the paper-nautilus. The Ocythoë Cranchii was often found inside the shell, and the sea was streaked as with cotton-flecks by lines of eggs several inches long, a mass of mucus with fine membraneous structure adhering to the rocks, and coagulating in spirits or salt water. The drum-fish was not heard except when we were at anchor; its sound somewhat suggests a distant frog-concert, and I soon learned to enjoy what M. Dufosse has learnedly named “ichthyopsophosis,” the song of the fish. Passing Cabinda, 57 miles from Loanda, but barely in sight, we fell in with H.M. Steamship “Espoir,” Commander Douglas, who had just made his second capture of a slave-schooner carrying some 500 head of Congos. In these advanced days, the representative man walks up to you as you come on board; touches his cap or his wool, and expresses his best thanks in West Coast English; when you offer him a dram he compares it with the trade article which “only ‘ting, he no burn.” The characteristic sights are the captured Moleques or negrokins, who, habited in sacks to the knees, choose an M.C. to beat time, whilst they sing in chorus, extending the right arm, and foully abusing their late masters, who skulk about the forecastle.

Ten days sped by before we sighted the beginning of the end, Cape Spilemberta and Dande Point, two bluffs in distinct serrations; the aspect of the land was pleasant, a vista of tall cliffs, white or red, rising wall-like from a purple sea, jagged with sharp, black reef and “diabolito,” and bearing on the summit a plateau well grown with grass and tree. We then opened a deep bight, which has the honour of being entitled the longest indentation from Cape Lopez to Great Fish Bay, some 17° or a thousand miles of coast. A gap in the cliff line and darker vegetation showed the Zenza River, generally called Bengo from the district (Icolo e Bengo) which it traverses. Here was once a busy settlement much frequented by shipping, which thus escaped harbour dues. The mosquito-haunted stream, clear in the dries, and, as usual, muddy during the rains, supports wild duck, and, carried some ten miles in “dongos” or flat-bottomed boats, supplies the capital of Angola with drinking water and dysentery.

As we glide towards the anchorage two features attract my attention: the Morro or hill-ridge on the mainland, and the narrow strip which forms the harbour. The escarpment, sweeping from a meridian to a parallel, juts westward in the bluff Cape Lagostas (Lobsters), a many-coloured face, in places not unlike the white cliffs of Dover; it then trends from north-east to south-west, bending at last in a picturesque bow, with a shallow sag. The material is the tauá or blood-red marl of the Brazil, banded with white and brown, green, chocolate, and yellow; huge heaps of “rotten earth,” washed down by the rains, cumber the base of the ruined sea-wall north of the town; in front is a pellucid sea with the usual trimmings, while behind roll the upland stubbles of autumn, here mottled black with fire, there scattered with the wild ficus and the cashew, a traveller from the opposite hemisphere.

The Ilha de Loanda, which gave its name to the city, according to Mr. W. Winwood Reade (“Savage Africa,” chapter xxv.), is “derived from a native word meaning bald:” I believe it to be the Angolan Luánda, or tribute. Forming the best harbour of the South African coast, it is made by the missionaries of the seventeenth century to extend some ten leagues long. James Barbot’s plan (A.D. 1700) shows seven leagues by one in breadth, disposed from north-east to south-west, and, in the latter direction, fitting into the “Mar Aparcelado” or shoaly sea, a curious hook-shaped bight with a southern entrance, the “Barra de Curinba” (Corimba). But the influences which formed the island, or rather islands (for there are two) have increased the growth, reducing the harbour to three and a half miles by two in breadth, and they are still contracting it; even in the early nineteenth century large ships floated off the custom house, and it is dry land where boats once rode. Dr. Livingstone (“First Expedition,” chapter xx.) believes the causa causans to be the sand swept over the southern part of the island: Douville more justly concludes that it is the gift of the Cuanza River, whose mud and ooze, silt and débris are swept north by the great Atlantic current. Others suppose that it results from the meeting of the Cuanza and the Bengo streams; but the latter outfall would be carried up coast. The people add the washings of the Morro, and the sand and dust of the sea-shore south of the city.

This excellent natural breakwater perfectly shelters the shipping from the “calemas,” or perilous breakers on the seaward side, and the surface is dotted with huts and groves, gardens and palm orchards. At the Ponta do Norte once stood a fort appropriately called Na. Sa. Flór de Rosa; it has wholly disappeared, but lately, when digging near the sea, heaps of building stone were found. Barbot here shows a “toll-house to collect the customs,” and at the southern extremity a star-shaped “Fort Fernand.”

This island was the earliest of Portuguese conquests on this part of the coast. The Conquistador Paulo Dias de Novaes, a grandson of Bartholomeo Dias, was sent a second time, in A.D. 1575, to treat with the king of “Dongo,” who caused trouble to trade. Accompanied by 700 Portuguese, he reached the Cuanza River, coasted north, and entered by the Barra de Corimba, then accessible to caravels. He landed without opposition amongst a population already Christianized, and, after occupying for a few months the island, which then belonged to Congo, he founded, during the next year, the Villa de São Paulo de Loanda on the mainland.

The importance of the island arose from its being the great money bank of the natives, who here collected the zimbo, buzio, cowrie, or cypræa moneta. Ample details concerning this industry are given by the old writers. The shell was considered superior to the “impure or Braziles,” brought from the opposite Bahia (de Todos os Santos), though much coarser than the small Indian, and not better than the large blue Zanzibar. M. Du Chaillu (“Second Expedition,” chap, iv.) owns to having been puzzled whence to derive the four sacred cowries: “They are unknown on the Fernand Vaz, and I believe them to have come across the continent from eastern Africa.” There are, indeed, few things which have travelled so far and have lasted so long as cowries—they have been found even amongst “Anglo–Saxon” remains.

The modern Muxi–Loandas hold aloof from the shore-folk, who return the compliment in kind. They dress comparatively well, and they spend considerable sums in their half-heathen lembamentos (marriages) and mutambé (funerals).

As might be expected, after three centuries of occupation, the Portuguese, both in East and West Africa, have naturalized a multitude of native words, supplying them with a Lusitanian termination. The practice is very useful to the traveller, and the despair of the lexicographer. During the matumbé the relations “wake” the toasted, swaddled, and aromatized corpse with a singular vigour of drink and general debauchery.

I arrived with curiosity at the capital of Angola, the first Portuguese colony visited by me in West Africa. The site is pleasing and picturesque, contrasting favourably with all our English settlements and with the French Gaboon; for the first time after leaving Teneriffe, I saw something like a city. The escarpment and the sea-bordering shelf, allowing a double town like Athenæ or Thebæ, a Cidade Alta and a Cidade Baixa, are favourites with the Lusitanians from Lisbon to the China seas, and African São Paulo is reflected in the Brazilian Bahia. So Greece affected the Acropolis, and Rome everywhere sought to build a Capitol. The two lines follow the shore from north-east to south-west, and they form a graceful amphitheatre by bending westward at the jutting headland, Morro de São Miguel, of old de São Paulo. Three hundred years of possession have built forts and batteries, churches and chapels, public buildings and large private houses,white or yellow, withample green verandahs—each an ugly cube, but massing well together. The general decline of trade since 1825, and especially the loss of the lucrative slave export, leave many large tenements unfinished or uninhabited, while the aspect is as if a bombardment had lately taken place. Africa shows herself in heaps of filthy hovels, wattle and daub and dingy thatch; in “umbrella-trees” (ficus), acacias and calabashes, palms and cotton-trees, all wilted, stunted, and dusty as at Cairo. We are in the latitude of East African Kilwa and of Brazilian Pernambuco; but this is a lee-land, and the suffering is from drought. Yet, curious to say, the flora, as will appear, is here richer than in the well-watered eastern regions.

Steaming onwards, at one mile off shore, we turned from south-east to south-west, and presently rounded the north-east point of Loanda Island, where a moored boat and a lantern showed the way. We passed the first fort, São Pedro do Morro (da Cassandama), which reminded me of the Aguada at the mouth of Goa Harbour. The two bastions and their batteries date from A.D. 1700, and have been useful in administering a strongish hint—in A.D. 1826 they fired into Captain Owen. The next work is the little four-gun work, Na. Sa. da Conceição. We anchored in five fathoms about 1,200 yards off shore, in company with some fifteen craft, large and small, including a neat despatch cruizer, built after the “Nimrod” model. Fort São Francisco, called “do Penedo,” because founded upon and let into a rock, with the double-tiered batteries à la Vauban, carefully whitewashed and subtended by any amount of dead ground, commands the anchorage and the northern road, where strings of carregadores, like driver-ants, fetch and carry provisions to town. A narrow causeway connects with the gate, where blacks on guard lounge in fantastic uniform, and below the works are the coal-sheds. Here the first turf was lately turned by an English commodore—this tramway was intended to connect with the water edge, and eventually to reach the Cuanza at Calumbo. So Portugal began the rail system in West Africa.

The city was preparing for her ecclesiastical festival, and I went ashore at once to see her at her best. The landing-place is poor and mean, and the dusty and sandy walk is garnished with a single row of that funereal shrub, the milky euphorbia. The first sensation came from the pillars of an unfinished house—

“Care colonne, che fate quà?
—Non sappiamo in verità!”

The Ponta de Isabel showed the passeio, or promenade, with two brick ruins: its “five hundred fruit-trees of various descriptions” have gone the way of the camphor, the tea-shrub, and the incense-tree, said to have been introduced by the Jesuits. “The five pleasant walks, of which the central one has nine terraces, with a pyramid at each extremity, and leads to the Casa de Recreio, or pleasure-house of the governor-general, erected in 1817 by Governor Vice–Admiral Luiz da Motta Feio,” have insensibly faded away; the land is a waste, poor grazing ground for cattle landed from the south coast, whilst negrokins scream and splash in the adjoining sea.

Beyond the Government gardens appears the old Ermida (chapel), Na Sa. da Nazareth, which English writers have dubbed, after Madeiran fashion, the Convent. The frontage is mean as that of colonial ecclesiastical buildings in general, and even the epauletted façades of old São Paulo do not deserve a description. Here, according to local tradition, was buried the head of the “intrepid and arrogant king of Congo,” Dom Antonio, whose 100,000 warriors were defeated at Ambuilla (Jan. ist, 1666) by Captain Luiz Lopes de Sequeira, the good soldier who lost his life, by a Portuguese hand, at the battle of Matamba (Sept. 4th, 1681). A picture in Dutch tiles (azulejos) was placed on the right side of the altar to commemorate the feat.

After the Ermida are more ruined houses and ragged plantations upon the narrow shelf between the sea-cliff and the sea: they lead to the hot and unhealthy low town skirting the harbour, a single street with small offsets. A sandy strip spotted with cocoa-nuts, represents the Praia do Bungo (Bungo Beach), perhaps corrupted from Bunghi, a praça, or square; it debouches upon the Quitanda Pequena, a succursale market-place, where, on working-days, cloth and beads, dried peppers, and watered rum are sold. Then come a single large building containing the Trem, or arsenal, the cavalry barracks, the “central post-office,” and the alfandega, or custom-house, which has a poor platform, but no pier. The stables lodge some half-a-dozen horses used by mounted orderlies—they thrive, and, to judge from their high spirits, the climate suits them. In Captain Owen’s time (A.D. 1826) there was “a respectable corps of cavalry.”

Passing the acting cathedral for the See of Angola and Congo, which deserves no notice, you reach the Quitanda Grande, where business is brisker. There is a sufficiency of beef and mutton, the latter being thin-tailed, and not “five-quartered.” Fish is wisely preferred to meat by the white man, “affirming that it is much easier digested;” and a kind of herring, and the sparus known upon the Brazilian coast as the “tainha,” the West African “vela,” and the French “mulet,” at times superabound. All the tropical fruits flourish, especially the orange; the exotic vegetables are large and sightly, but tasteless and insipid, especially peas and radishes: the indigenous, as tomatoes, are excellent, but the list is small. Gardens are rare where the soil is so thin, and the indispensable irrigation costs money. The people still “choke for want of water,” which must be bought: there is only one good well sunk in the upper town, about 1840, when the Conde de Bomfim was Minister of Marine and the Colonies,—it is a preserve for government officials. Living in the native style is cheap; but cooks are hardly procurable, and a decent table is more expensive than in an English country town. A single store (M. Schutz) supplies “Europe” articles, of course at fancy prices, and here a travelling outfit may be bought. It has been remarked that Loanda has no shop that sells “food for the mind;” this is applicable, not only to all East and West Africa, but to places far more progressive. A kind of cafe-billard supplies a lounge and tepid beer. The attendants in Portuguese houses are slaves; the few English prefer Cabindas, a rude form of the rude Kru-boy, and the lowest pay of the lowest labourer is 5d. per diem.

The “Calçada Nova,” a fine old paved “ramp”—to speak Gibraltar–English—connects Basse Ville and Hauteville. The latter was once a scatter of huge if not magnificent buildings, now in ruins; we shall pass through it en route to Calumbo. Here are the remains of the three chief convents, the Jesuit, the Carmelite, and the Third Order of St. Francis. The citadel de São Miguel, lately blown up, has been restored; the extensive works of dressed freestone, carefully whitewashed, stand out conspicuously from the dark bush dotting the escarpment top. Here also is the Alto das Cruzes, the great cemetery, and the view from the sheer and far-jutting headland is admirable. A stroll over this cool and comparatively healthy escarpment ended by leaving a card at the Paço do Governo.

Lopes de Lima (vol. iii. part ii.) gives São Paulo in 1846 a total of 5,065 whites, mulattoes, and blacks, distributed into 1,176 hearths; the census of 1850–51 raised the number to 12,000, including 7,000 negroes, of whom 5,000 were serviles; in 1863 the figure was understood to have diminished rather than to have increased. Old authors divided the population into five orders. The first was of ecclesiastics, the second contained those who were settled for command or trade, and the third were convicts, especially new Christians of Jewish blood, who were prevented from attending the sacred functions for a scandalous reason. Then ranked the Pomberos, or Pombeiros, mostly mulattoes, free men, and buyers of slaves; their morals seem to have been abominable. Last and least were the natives, that is, the “chattels.” Amongst the latter the men changed wives for a time, “alleging, in case of reproof, that they are not able to eat always of the same dish;” and the women were rarely allowed by their mistresses to marry—with the usual results. The missionaries are very severe upon the higher ranks of colonists. Father Carli (A.D. 1666) found the whites the most deceitful and the wickedest of men,—an effect caused by the penal settlement. Father Merolla (A.D. 1682) declares that “the women, being bred among blacks, suffer themselves to be much perverted—they scarcely retain anything white about them except their skins.” J. C. Fêo Cardoso (Memoir published in Paris in 1825) attributes the decadence of Angola and Benguela to three reasons; rare marriages amongst the higher orders; poverty amongst the lower; and the immorality and incontinence of both. Lopes de Lima (p. 149 loc. cit.) traces the decline and fall of Christianity in the eighteenth century to the want of priests, to the corruption of the regular clergy (Carmelites and Franciscans), for whom West Africa, like Syria and Palestine, was made a kind of convict station, and to the inhuman slave-export, as opposed to domestic slavery. All has now changed for the better; society in Angola is not a whit inferior to that of any English colony in West Africa, and, as a convict establishment, Loanda is a great success.

The theoretical garrison is one regiment of the line, a squadron of cavalry, and two companies of artillery with three-pounders; the real force is of some 800 men, mostly convicts. No difference is made between white and black, nor is the corps force, which was once very cruelly used, severely treated as the Légion Etrangère of Algeria. Most of the men have been found guilty of capital crimes, yet they are allowed to carry arms, and they are intrusted with charge of the forts. Violence is almost unheard of amongst them: if an English sailor be stabbed, it is generally by the free mulattoes and blacks, who hate the uniform for destroying their pet trade of man-selling. It is true that these convicts have hopes of pardon, but I prefer to attribute their remarkable gentleness and good behaviour to the effects of the first fever, which, to quote from the Latin grammar,

“Emollit mores nec sinit esse feros.”

The negroes of Loanda struck me as unusually ill-favoured; short, “stumpy,” and very dark, or tinged with unclean yellow. Lepers and hideous cripples thrust their sores and stumps in the face of charity. There was no local colouring compared with the carregadores, or coolies, from the northeast, whose thrum-mop heads and single monkey skins for fig-leaves, spoke of the wold and the wild. The body-dress of both sexes is the tángá, pagne, or waist-cloth, unless the men can afford trousers and ragged shirts, and the women a “veo preto,” or dingy black sheet, ungracefully worn, like the graceful sárí of Hindostan, over the bright foulard which confines the wool. “It is mighty ridiculous to observe,” says the old missionary, “that the women, contrary to the custom of all other nations, buy and sell, and do all things which the men ought to do, whilst their husbands stay at home and spin or weave cotton, or busy themselves in such other effeminate actions.” This is not wholly true in ‘63. The “munengana,“or machila-man, is active in offering his light cane palanquin, and he chaffs the “mean white” who is compelled to walk, bitterly as did the sedan-chairmen of Bath before the days of Beau Nash. Of course the Quitandeira, or market-woman, holds her own. The rest of the street population seems to consist of negro “infantry” and black Portuguese pigs, gaunt and long-legged. The favourite passe-temps is to lie prone in sun or shade, chattering and smoking the cachimbo, a heavy clay pipe, with peculiar stem—“to sleep supine,” say the Arabs, “is the position of saints; on the dexter side, of kings; on the sinister, of learned men; and on the belly, of devils.”


segunda-feira, janeiro 29, 2007

Dona Ana Joaquina


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS(7)
Dona Ana Joaquina


O Palácio de Dona Ana Joaquina era um edifício típico dos séculos XVII e XVIII. A casa burguesa desta época é constituída por dois pisos principais: tradicionalmente o 1º andar servia de habitação e o térreo era destinado a armazém. Por cima destes dois pisos encontra-se geralmente um «sobradinho», um pavilhão ao centro da fachada. Este modelo de construção predominava em Luanda e a sua principal característica era a perfeita simetria das formas. Durante muitos anos no Palácio D. Ana Joaquina funcionou um colégio particular e após a Independência tornou-se refúgio dos sem-abrigo, até ser demolido.Reconstruído com materiais modernos, nele funciona actualmente o Tribunal Provincial D. Ana Joaquina.
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D. Ana Joaquina dos Santos e Silva foi uma comerciante capitalista de Luanda Senhora que se tornou uma figura emblemática da sociedade crioula luandense do século XIX: mestiça rica, educada, conviva de governadores, em cujo palacete reunia a fina flor da burguesia, num tempo ainda em que os negros e os mestiços ricos e educados de Luanda conviviam descomplexadamente com os seus "iguais" brancos, como eles comerciantes, funcionários públicos, proprietários, mercadores de escravos e armadores de navios negreiros, com bens e interesses repartidos por Angola e Brasil. «O palacete de Dona Ana Joaquina dos Santos Silva, a "rica-dona de Luanda" - como lhe chamou o historiador Júlio de Castro Lopo - valia como um símbolo desse tempo em que a escravatura ainda era defendida por alguns notáveis, porque - no dizer do historiador brasileiro Pedro Calmon - "a moral do comércio era diferente do conceito filosófico do século XIX: louvava-se no costume e na tradição", embora na segunda metade deste século, a que pertencia Dona Ana Joaquina, o tráfico, a que ela se dedicava clandestinamente, como outros comerciantes, já estivesse abolido desde a legislação de 1836 do marquês de Sá da Bandeira.
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D. Ana Joaquina mantinha linhas marítimas para Montevideu, Lisboa e as principais cidades costeiras brasileiras.
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texto retirado daqui
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domingo, janeiro 28, 2007

Elizabete Jambeca

MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (6)
Elizabete Jambeca
O Cuanhama, como o geral dos territórios para além do Cunene, era absolutamente desconhecido dos europeus antes da segunda metade do século XIX ou, pelo menos, não se conhecem registos dessas paragens austrais, anteriores aquela época. Quando Lopes de Lima publica a sua “Monografia de Angola”, em 1844, os conhecimentos sobre as terras do Sul não passavam além do Humbe.
Só em 1850, os funantes Bernardino J. Brochado e A. F. Nogueira, [Vendedores ambulantes que transportavam a mais variada mercadoria em carros de bois e, por conta própria ou como comissionistas, percorriam os sertões de povoação em povoação, fazendo o seu negócio.] fazem as primeiras visitas documentadas de europeus ao Cuanhama, no tempo do soba Nahmadi, e dão as primeiras notícias sobre os povos Ambós, guerreiros de alguma crueldade – Cuamatos, Evales, Dombondolas, Cafimas e os mais numerosos e temidos a que chamavam Cuanhamas. Segundo o Padre Keiling, em “Quarenta Anos de África”, toda a Ovambolândia fazia parte de um grande lago, do qual nos restou apenas o temporário Etosha, na Namíbia. Depois de seco este grande lago, ficou em seu lugar uma vasta e ligeira depressão de terras salgadas, alagadiças na época das chuvas, para onde convergiram em grande profusão muitas espécies herbívoras, atrás das quais vieram os caçadores que exclamavam: tuende ko nhama – “vamos à carne”, donde, o nome Cuanhama.
A bibliografia internacional costuma atribuir estes primeiros relatos sobre o território e as gentes do sudoeste de Angola a L. Magyar, oficial da marinha austro-húngara, que em finais da década de oitenta passou pela região em viagem de exploração, mas o facto é que o austríaco foi hospede dos dois negociantes portugueses que entretanto, um e outro, tinham fixado residência no Humbe em localizações distintas.
Mas esta apetência pelos largos espaços bordejados de espinheiras e ponteados de acácias e mutiatis, só veio mesmo a colocar-se quanto já decorriam tímidas tentativas de instalação de uma feitoria na Huíla e aportavam a Moçâmedes os primeiros luso-brasileiros vindos da cidade do Recife, Pernambuco. Foi por essa época que, como coisa tenebrosa, surgiu o nome do Cuanhama, o nome de um povo que conseguia colocar mais de vinte mil homens em armas, um exército com quadros e guerreiros altamente treinados e hierarquizados, com que os europeus teriam que se haver se quisessem penetrar aqueles sertões. Povo combativo, com hegemonia sobre os seus vizinhos, exibiam a organização militar mais perfeita de todas as muitas etnias de Angola.
A unidade táctica dos Cuanhamas era a etanga, que agrupava cem homens. Seis etangas juntas constituíam uma guerra , comandada por um lenga, chefe militar e conselheiro do soberano em tempo de paz. Um conjunto de guerras formava uma ohita, que funcionava como que um corpo de exército, viajando sob a protecção do ondiai, homem de virtudes e de magias poderosas. Os seus chefes militares combatiam a cavalo, comandando incursões por todo o Cunene, numa zona tão vasta que abrangia o Humbe, os Gambos, Jau, Chela, Mulongo e Capelongo, chegando mesmo em 1899, durante o reinado de Weyulu, a estender as suas razias até Quipungo e Caconda. Estas hostes regressam aos eumbos, quase sempre, em marchas triunfais e carregando fartos espólios de escravos, gado e mulheres.
(...) A Nahmadi sucedeu Weyulu ya Hedimbi e foi durante o reinado deste grande chefe que nasce, num eumbo perto de Naulila e de uma das famílias da nobreza tradicional, Elizabete Jambeca.
A Weyulu sucedeu Nande, e a este sucedeu Mandune Ndemufayo , senhor dos Cuanhamas, soba dos sobas, hamba de N'Giva, cruel e inteligente, guerreiro bárbaro e corajoso, chefe supremo da Nação Ovambo.
(...) Entretanto, em função das deliberações emanadas da Conferência de Berlim e da indefinição da fronteira Sul que divide Angola do Sudoeste Africano, a Namíbia dos actuais mapas, os Alemães exerciam forte pressão sobre o território dos Ambós, que começavam a fartar-se de serem tratados como intrusos na terra dos seus ancestrais. As posições radicalizaram-se quando os germânicos decidiram instalar as suas hortas em Okahandja, a sudoeste de Omaruru, exactamente onde repousavam, à sombra de frondosas árvores sagradas, os restos mortais dos antigos chefes. Foi então decidida a luta e um ataque cirúrgico aos Alemães, com instruções precisas para que fossem feitas baixas entre os homens, deixando de fora da peleja as mulheres e as crianças, tendo sido colhidos por esta explosão de ódio, cento e vinte e três alemães.
(...) A retaliação não se fez esperar e os germânicos, comandados pelo general Lothar von Trotha, apresentaram-se em força no território, apetrechados de modernas espingardas, metralhadoras e dos terríveis e inovadores canhões Krupp de tiro rápido. Apostados em eliminar qualquer hipótese de futura rebelião, promoveram a razia dos eumbos [povoações de uma família e aparentados], perseguiram fugitivos, mataram e incendiaram tudo à sua passagem e, no fim do pesadelo, von Trotha vangloriava-se de que haviam abatido sessenta e cinco mil “ gentios ”.
Estes incidentes causaram ódios duradouros e indiscriminados contra os invasores europeus, tidos no seu conjunto como uma só etnia antagónica, independentemente de serem eles Portugueses, Alemães, Ingleses ou Bóeres, e foi nesta onda de ânimos incendiados que dois funantes foram assassinados, causando grande consternação e muitos protestos entre a comunidade portuguesa. Logo se levantaram exaltados clamores de vingança contra os Cuanhamas e os seus malditos hábitos de rapina, numa precipitada análise e absoluta falta de conhecimento concreto dos factos ocorridos, pois a responsabilidade daquelas mortes era dos Cuamato.
Contra a corrente de indignação geral dos seus compatriotas, é ainda Gomes da Costa, ainda chefe do conselho do Humbe, que apresenta uma versão muito despachada e pitoresca dos acontecimentos, bem na linha do seu temperamento e capacidade de análise das ocorrências. No que respeita a um dos casos, relata para ao governador de Moçâmedes o seguinte: “ É facto que houve há tempos o assassínio dum branco, mas nem foi no Cuanhama, nem para o roubar; este negociante, não se reputando satisfeito com o gado que os pretos lhe deram em troca das fazendas vendidas, foi-se ao curral do chefe da povoação e tentou tirar de lá o gado que lhe pareceu; os pretos, irritados, saltaram-lhe em cima e mataram-no (...). O que os pretos neste caso fizeram ao branco faria qualquer saloio dos arredores de Lisboa em idênticas circunstâncias, e ainda ninguém por isso se lembrou de declarar guerra ao soba da Porcalhota ou ao lenga de Loures.
Por altura destes acontecimentos, e totalmente alheia a estas indacas [questões, conflitos, “ makas ”]papas de farinha de milho, massango ou massambala (noutras regiões denominada pirão ou, se de farinha de mandioca, pirão)], a vida de Elizabete Jambeca corria simples e plena de felicidade. Cumprindo as obrigações inerentes a uma criança no início da adolescência, depois de comido o matete [matinal, deixava a embala na companhia da sua mãe e tias a caminho do arimo familiar [lavra ou horta de milho, massango ( Pennisetum spicatum ) e/ou massambala ( Andropogos sorghum ), feijão frade ( Vigna unguiculata ), batata doce também conhecida por cará ( Ipomea batatas ), mandioca ( Monihot utilissima ), abóboras, amendoim ( Arachis hypogea ) e outras culturas de auto-subsistência alimentar] Falava o seu dialecto e inglês.
Elizabete Jambeca continuou a viver na sua embala, no Cuanhama. Quando os seus dias chegaram ao fim, os seus parentes cuanhamas pretenderam realizar o seu funeral seguindo os ritos do seu povo.
O ritual funerário dos Cuanhamas tem o envolvimento de seitas secretas na sua gestão: tudo é realizado num secretismo absoluto e participam somente homens: quimbandas (m.q. médicos), feiticeiros e mágicos e ainda elementos da própria corte do defunto. É sacrificado um boi soba, de cor branca, considerado sagrado. Duas crianças eram enterradas vivas, uma de cada lado do soberano. No caso de Elizabete Jambeca, soberana. (Posteriormente, adoptou-se o costume de, em vez das crianças, se sacrificarem dois escravos, elementos de outra tribo, capturados em combate, e escolhidos para esse efeito.)

O soberano é envolto na pele do boi, ainda ensanguentada, na posição sentado, virado para Nascente, como se se mantivesse no seu trono, perpetuando a reinação! (Esta palavra tem duas vertentes: a política e a circense. Dentro dos contornos da própria negritude, tocam-se e completam-se.) As duas crianças ou os dois escravos iluminam o caminho... a promessa de renascer todos os dias!
A sua filha, porém, não concordou que se sacrificassem as crianças e contactou as autoridades portuguesas. Consequentemente, o seu funeral realizou-se segundo os costumes portugueses e teve honras militares. Elizabete Jambeca foi sepultada com a espada e Grande Cruz de Guerra que lhe tinha sido concedida pelo governo português, pelos serviços prestados na campanha do Sul de Angola.
No dia seguinte, porém, as duas crianças apareceram afogadas, num pequeno charco de água... Dizia-se que, afinal, elas não poderiam ter sobrevivido porque o seu destino já tinha sido traçado...
Uma bela história, dirão uns... estranha, pelos seus ritos, dirão outros... não tão estranha se nos recordarmos de costumes idênticos de outros povos, os do Egipto, por exemplo...
Num ponto, todavia, todos concordaremos: Elizabete Jambeca é indubitavelmente uma figura de Angola. Ela lutou e contribuiu para que as fronteiras do seu país se mantivessem intactas.
FONTE:
http://www.carlosduarte.ecn.br/mulheresdeangola.htm

sábado, janeiro 27, 2007

Muam Poenha



MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (5)



Tocador de kissandge - desenho de Neves e Sousa



Muam Poenha

De fronteiras e origens imprecisas o N'Goio foi um reino que, entre os finais do século XV e o princípio do século XVI, se localizava sensivelmente na região Kapinda ou Kabinda, que constitui hoje o território de Cabinda. A sua história é difícil de reconstituir, porque dela não sobrou mais do que interpretações de alguns registos e restos esfumados da tradição oral, dos quais saiu este delicioso conto:
O antigo reino do Kongo era tão grande que ninguém conhecia os seus limites, mas sabia-se que era todo revestido por grandes florestas, que tinha um rio grande como o mar e, que apesar do seu povo ser muito numeroso, havia sítios onde nunca ninguém tinha ido. O poderoso Muenekongo ou Manikongo (rei, senhor do Kongo) vivia com a corte na capital, São Salvador do Kongo, M'Banji-a-Ekongo ou Mbanza Kongo, como há muitos, muitos anos se chamou. Este manikongo tinha uma irmã a quem muito amava, de nome Muam Poenha. A princesa era de uma beleza fora do comum numa terra de mulheres belas. De formas esculturais e olhos doces, tinha dentes muito brancos e húmidos como as conchas do rio e uma farta cabeleira com penteados trabalhados e enfeites raros.
Certo dia passou pela cidade um caçador, exímio tocador de Kisandje ¹, que arrancava ao instrumento melodias tão extraordinárias que toda a gente pasmava de admiração ao ouvi-las. Além de ser o mais era alto, forte e esbelto dos moços, tinha olhos doces como os da princesa.
Muam Poenha deixou-se enfeitiçar e perdeu-se de amores pelo caçador. Não obstante a sua alta linhagem, perdeu o sentido das conveniências e, pela calada da noite, corria para as discretas sombras dos muxitos ² para se entregar aos seus amores proibidos.
Deste amor nasceram três gémeos – duas mocinhas, Lilô e Silô, e um rapaz de nome Tumba - o que provocou um indiscritível escândalo na corte que, como era inevitável, conduziu à prisão e imediata execução do caçador/músico.
Quanto à princesa, embora o rei por muito lhe querer, estivesse inclinado ao perdão, não pode deixar de ouvir os seus conselheiros que, irredutíveis e persuasivos, lhe lembraram a vingança dos deuses, com secas e calamidades, acabando o pesaroso rei por poupar a vida à irmã, sim, mas a troco da expulsão ad iternum dos seus domínios. Muam Poenha juntou os filhos, alguns familiares e as suas bicuatas ³ e pôs-se a caminho do mar distante, que ela nunca tinha visto. Andou... andou, triste e amargurada com saudades do seu amante, com saudades da terra que deixara, em constante temor pelos bichos ferozes que vinham do mato e fustigada pelos gentes por quem passava, que a apedrejavam e lhe recusavam abrigo.
Nuns caminhos se perdeu, noutros caiu. Adoeceu, curou-se, e com tanto penar foi avançando. Andou... andou, mas tão lentamente que só ao fim de quinze anos chegou perto de um rio, já perto do mar, a um lugar que diziam chamar-se Baía do Sonho (Soyo), nas terras do rei do Sonho, parente e vassalo do rei do Kongo. Alguém da comitiva lhe contou que o rio sempre se chamara N'zari, mas tinham vindo uns brancos em grandes barcos, que lhe chamaram rio do Padrão.
Lilô, Silô e Tumba, sobreviveram à longa caminhada e estavam já crescidos. Muam Poenha era ainda uma mulher linda que não se deixara vencer pelas fadigas e privações da jornada mas, com temor do repudio dos povos que não deixavam de os flagelar, decidiu atravessar o rio, porque embora as terras do outro lado também fossem do rei do Kongo, o rio era tão largo e as correntes tão fortes que lhe parecia não ser o mesmo o mundo para lá daquela margem que se via ao longe.
Este outro mundo era o N'Goio, uma espécie de condado dependente mas afastado do reino do Kongo. Tão diferente era que Muam foi recebida pela população com calorosas manifestações de afecto e carinho, e tal foi o acolhimento que o chefe maior – Mirimbi Pucuta – a quis tomar como esposa, acabando com as desditas da princesa.
Deste casamento nasceram mais dois filhos, Moe Panzo e Moe Pucuta. Tendo chegado notícias destes acontecidos ao rei do Kongo que, apesar dos pesares, não eliminara a sua irmã dos pensamentos. Com as novidades confirmadas, apressou-se a mandar emissários credenciados a Muam, oferecendo-lhe, por desanexação do seu vasto reino, o N'Goio a Lilô, o reino de Cacongo a Silô e a Tumba presenteava-o com o reino de Loango, que começava onde é hoje uma terra chamada Ponta Negra e ia para além de Tchibanga e Mossaka.
Lilô e Tumba tomaram conta dos seus domínios, mas como no dia marcado para a coroação Silô estivesse doente, e as regras “dos mais velhos” não permitissem que fosse investida neste estado físico, a coroa foi parar ao primogénito de Muam Poenha e Mirimbi Putuca – Moe Panzo.
E foi assim que se formou o reino de N'Goio, de que Moe Panzo, filho de Muam Poenha, foi o primeiro Mongoio (rei), ao qual se seguiram outros dez mongoios que, com mais ou menos sorte, mais ou menos desventuras, foram governando um país belo e de abundâncias.
Aqui acaba a história que eu sei, de Muam Poenha , princesa bonita de amores arrebatados.

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(1) – também designado, entre os Kiocos por tchissanje, é um instrumento musical de que existem vários modelos de afinação grave e aguda, providos ou não de caixas de ressonância, quer no próprio instrumento, quer por aplicação de uma cabaça aberta no topo. Os sons são tirados pelo dedilhar de tiras de metal ou de bordão.
(2) – aglomerado de árvores nas margens dos rios ou dos ribeiros.
(3) – haveres, tralha diversa de que os viajantes, normalmente, se fazem acompanhar.

FONTE
http://www.carlosduarte.ecn.br/mulheresdeangola.htm

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Luzia Inglês Van-Dúnem (Inga)


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (4)
Uma guerrilheira chamada Inga
por: Raimundo Salvador


O centro de comunicações do comandante em chefe das Forças Armadas Angolanas foi chefiado, de 1976 a 1991, por uma senhora: Luzia Inglês Van-Dúnem, actual secretária-geral da Organização da Mulher Angolana (OMA), uma antiga combatente da luta de libertação nacional.

Natural de Luanda, Luzia Inglês, 56 anos, é filha de Guilherme Inglês, reverendo da Igreja Metodista de Angola. Começou a tomar consciência dos movimentos nacionalistas ainda muito jovem, ouvindo as conversas do pai com Nobre Dias, Noé Saúde, Gaspar Martins, Pedro Benje e Belarmino Van-Dúnem, nacionalistas com quem mantinha contactos regulares.

Inga, como passou a ser conhecida a revolucionária, traça, aqui, em perfil, a sua trajectória, recordando, com alguma amargura, os piores momentos por que passou, com mortes de pessoas que lhe eram muito queridas à mistura, até chegar onde se encontra hoje.

O assassinato do pai, depois de preso, em 1961, nos Dembos, pelas forças coloniais em reacção a famosa Revolta de 15 de Março, é relembrada com tristeza. “Mataram-no de forma atroz. Inicialmente, cortaram-lhe um braço e outras partes do corpo. Depois, deram-lhe um tiro de misericórdia”, conta a filha, que na altura vivia nos Dembos.

Na tarde do dia 23 de Março de 1961, Luzia Inglês conta que saiu de casa para apreciar uma frota de aviões que sobrevoava a zona em que vivia. Pouco depois, chamas flamejantes consumiam casas e corpos de crianças, adultos e velhos. Era o início dos bombardeamentos à sanzala do Piri, Dembos, e de Nambuangongo pela força área portuguesa.

Fuga às matas
A morte de uma colega, à mesa, com um irmão às costas, marcou, profundamente, Luzia Inglês, que contava, na altura, 13 anos. Um sentimento de revolta tomou conta de si, enquanto procurava refúgio nas matas, começando, deste modo, a sua actividade no movimento de guerrilha contra o colonialismo português.


Com isso, recebe os primeiros treinos militares e participa em actividades de formação política. Três anos e meio depois de ter entrado nas matas, parte para Leopoldeville, actual Kinshasa, aproveitando a oportunidade para terminar os estudos primários, numa escola de refugiados angolanos, controlada por antigos professores sobreviventes de escolas da Igreja Metodista de Angola.

Na actual República do Congo Democrático, Luzia Inglês participa de acções clandestinas de recolha de informações, já que os militantes do MPLA eram perseguidos pela UPA e pelas autoridades locais.
Aos 19 anos, em 1967, parte para a República do Congo Brazaville, país amigo do MPLA, e é matriculada no Liceu 4 de Fevereiro, primeira instituição de ensino que o MPLA abriu no estrangeiro.
Inga, que frequentou o primeiro treino militar com armas em Brazaville, vai para a Frente Leste em 1968 e, no ano seguinte, é seleccionada para frequentar um curso militar de rádio e telecomunicações, na União Soviética, com duração de um ano.

Recorda o período em que trabalhou na Frente Leste, na área de comunicações, e cita nomes de companheiros de armas, hoje oficiais generais, como Bento Ribeiro, Sacha, Ba-gorro, Joaquim Rangel, Florinda Pedro (Dinda), Joana André (Bichinha), brigadeira da Marinha de Guerra, e Catarina Baião (Bela), esposa do general Kito, embaixador na Namíbia.

Trabalhou, igualmente, como operadora, logística e financeira da Estação Principal de Comunicações da Frente Leste, comandada por Monimambo, um histórico da luta de libertação.

Em 1973 assume a chefia da Estação de Comunicações da Cassamba, ainda na Frente Leste, e, mais tarde, torna-se responsável da estação de comunicações do MPLA, em Dar Es Salam, capital da República da Tanzânia.

Casada com Afonso Van-Dúnem M’binda e mãe de quatro filhos, Inga regressa a Luanda em Fevereiro de 1974, no avião que trouxe o Presidente Neto ao país. Trabalha, assim, no grupo que estava a tomar o controle das unidades militares de telecomunicações em Luanda e do Palácio.

Após a conquista da independência, é nomeada, em Janeiro de 1976, chefe da Secção de Telefax da Presidência da República, que evoluiu para Centro de Comunicações do Comandante em Chefe das Forças Armadas. Permanece no cargo até 1991, ano em que o marido, Afonso Van-Dúnem M’binda, é nomeado embaixador de Angola junto das Nações Unidas.

Em 1999, 38 anos depois de ter aderido à luta armada de libertação, é eleita secretária geral da OMA, organização feminina do MPLA.


"Repressão da GNR sobre as populações"





Os «safanões» da PIDE


O melhor português de todos os tempos (3)
Salazar = Cunhal?



Uma infame simetria

* Correia da Fonseca

O apuramento por via plebiscitária/televisiva de quais terão sido os dez maiores portugueses de sempre não trouxe surpresas. Lá estão dois reis de acção decisiva, um deles porque o seu desejo de poder feudal autónomo acabou por grangear-lhe a qualificação de «Fundador da Nacionalidade» (embora, já se vê, ele nem tivesse a mais pequena ideia do que seria isso da nacionalidade), o outro porque mandou que se abrissem portas que haveriam de resultar na expansão portuguesa no mundo. Vasco da Gama, que também por lá aparece, é de algum modo uma figura apendicular da vontade de João II, o que não lhe retira os méritos pessoais mas explica o seu relevo histórico. Lá estão também os dois poetas de que a generalidade dos portugueses actuais mais têm ouvido falar, e de quem até são citados alguns versos, quase sempre os mesmos, acrescendo que Camões é o único de entre todos que tem direito a feriado nacional. Está o Infante, cujo nome está na raiz da iniciativa histórica que deu ao nome de Portugal um prestígio mundial que nenhum outro pequeno povo conseguiu, e está o Marquês, cuja acção reformadora tentou, como mais ninguém o fizera e nunca mais ninguém tentou fazer, acertar o tempo português com o tempo de uma Europa que a várias vertentes se civilizava. Anote-se que a presença de Pombal é a única que pode suscitar alguma estranheza, não decerto porque lhe faltem méritos bastantes mas porque ainda são audíveis os ecos de uma antiga, verdadeiramente secular, campanha de hostilidade e detracção desencadeada não tanto em razão dos duríssimos e cruéis métodos que usou (e que eram, de resto, os que usavam no seu tempo) mas sim por ter ousado combater a influência e o poder de uma espécie de vaca sagrada que até então se passeava e pastava pelo País a seu bel-prazer. Entre os «dez mais» está também o nome de Aristides Sousa Mendes, provavelmente em resultado do voto dos que quiseram votar na coragem perante a ditadura fascista e na solidariedade com os oprimidos e perseguidos mas não puderam, não souberam ou não quiseram, levar essa opção a outra consequência que implicaria uma colaboração política. E estão, como se sabe, os nomes de Salazar e de Álvaro Cunhal.

O criminoso e o resistente

A presença do nome de Álvaro Cunhal não é preciso explicá-la a ninguém de boa-fé e espírito limpo de preconceitos e venenos. A do nome de Salazar também não: mete-se pelos olhos dentro, mesmo pelos olhos de quem os quer manter fechados, que está em curso uma intensa ofensiva que visa branquear o nome e acção do sujeito, o que será o mesmo que branquear o fascismo português, porventura a pretexto de que ele tinha menos fardas e outros adereços vistosos que o nazismo hitleriano e o fascismo de Mussolini. Convém dizer, de resto, que algumas das grandes linhas da propaganda do fascismo salazarista andam por aí à solta há muito tempo: a efectiva militância anticomunista de alguns media, a detracção e hostilização de «os partidos», outras mais. Porém, a inserção do nome de Salazar entre os «dez maiores portugueses de sempre», obtida graças ao voto de alguns saudosos que não sabem muito bem o que significa ser saudoso de uma ditadura criminosa e de outros que sabem lindamente o que fazem, permite agora um outro passo: o de, a pretexto de uma invocada recusa de «ditadores», ser reeditada ao abrigo desta escolha uma suposta simetria, totalmente infame, entre Salazar e Álvaro Cunhal. Não é uma infâmia inteiramente nova: há muito que na comunicação social é referida, implícita ou mesmo explicitamente, uma alegada simetria entre o fascismo e o comunismo, impostura insustentável à luz da mais elementar honestidade intelectual mas contudo prosseguida porque abre caminho a diversas formas de repressão anticomunista, isto é, de facto à recuperação de um dos grandes objectivos do nazifascismo. Porém, no caso da colocação em paridade de Salazar e Álvaro Cunhal a infâmia é particularmente chocante e repugnante. Porque situa em insuportável simetria um homem que mandou torturar, matar, fundar os campos de concentração do Tarrafal e de S. Nicolau, com um homem que foi torturado, camarada de muitos dos assassinados, solidário com todos os que o ditador mandava perseguir, explorar, escravizar. Salazar foi, factualmente, o homem-de-mão dos poderosos, dos exploradores, quando Cunhal era o combatente em favor dos explorados e símbolo de uma esperança colectiva que passava pela desaparição daquele poder opressor e de todas as formas, mesmo as mais dissimuladas, de cumplicidade com ele. Não direi, entenda-se, que «Grandes Portugueses», programa da RTP, foi lançado para servir o lançamento mediático e portanto de reforçado impacto, da indignante simetria que aliás já não era inédita. Mas direi, isso sim, que esse ameaça ser o mais importante efeito da iniciativa sobre a chamada opinião pública. E que, por isso, deve ser intensamente denunciada e combatida.

Correia da Fonseca

in AVANTE 2007.01.25


O melhor português de todos os tempos (2)

Salazar?

O melhor

Nunca prestei atenção ao concurso Grandes Portugueses, que a RTP está a promover, com o objectivo de eleger o «maior português de sempre». Ao contrário da RTP, tenho a convicção de que a história é muito mais do que uma sucessão de homens extraordinários e das suas façanhas, e a escolha do mais herói dos heróis nacionais é coisa que, para além de não achar possível de ser feita, também não me parece ter grande interesse…


Até que, há uma semana atrás, recebi um telefonema de uma amiga. Estava indignada com os resultados, revelados no dia anterior: Salazar encontrava-se entre os dez finalistas.


Mesmo partindo do princípio, por natural boa fé, de que a votação foi justa, não me surpreende a inclusão de Salazar neste grupo de notáveis lusitanos: anos e anos de branqueamento do fascismo, da sua natureza e dos seus crimes, bem como de recuperação da imagem dos seus dirigentes, deixam marcas profundas.


A biografia de Salazar que surge na secção do concurso na página da RTP na Internet dá, aliás, um grande contributo à absolvição do ditador. Apresentado como uma «figura controversa» que «marcou sem dúvida a história do País», Salazar terá criado, afirma a RTP, as «condições para o desenvolvimento económico de Portugal». Além do mais, continua a estação, «equilibrou as finanças públicas».


Mas é claro que nem tudo poderia ser assim tão bom numa figura tão «controversa». E os defeitos apontados ao candidato a «melhor português» são o facto de ter dirigido, «de forma ditatorial, os destinos do País durante quatro décadas». Tal tendência ditatorial fez, imagine-se!, com que afastasse «todos quantos tentaram destituí-lo do cargo». Outros pecados apontados a tão prestigiada figura são a instituição da censura e da polícia política e a criação de dois «movimentos paramilitares: a Legião e a Mocidade Portuguesas».


Simples e conciso. Há que ser objectivo e não condicionar a escolha. A instauração em Portugal de um Estado fascista em tudo semelhante ao da Itália de Mussolini; a criação de um brutal aparelho repressivo montado com o apoio de especialistas nazis; o Campo de Concentração do Tarrafal; os milhares de presos políticos, comunistas na sua maioria; as torturas; os assassinatos de resistentes antifascistas, são, aparentemente, pormenores sem importância para o potencial votante ser informado pela RTP…


É preferível insistir na tese do milagreiro das Finanças, que desenvolveu Portugal. Mas, claro, sem referir que da biografia da salazarenta figura (a real, não a apresentada pela RTP) constam a constituição de grandes monopólios industriais e financeiros que se apoderaram da riqueza nacional à custa da miséria de milhões; a negação de quaisquer direitos sindicais e laborais; a violenta repressão dos trabalhadores, o analfabetismo, a fome, a morte na guerra em África, o atraso económico e social…


Mas nada disso parece interessar quando se trata de eleger o «melhor português de sempre». Por trás da reescrita da história estão os realmente grandes portugueses, os que querem ver regressado esse desenvolvimento – do capitalismo monopolista, da ausência de direitos e liberdades, da exploração desenfreada, do aprofundamento das desigualdades. Mas, ao contrário do que sucede no concurso da RTP, na história real há outros portugueses – os pequenos – que trabalham, sofrem e lutam. E são esses que fazem avançar a história. E o desenvolvimento será outro!

Gustavo Carneiro

in AVANTE 2007.01.25

Rita T omás


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (3)

Literatura/Angola: Rita Tomás lança livro de memórias da Luta de libertação

Rita Tomás lança livro de memórias da Luta de libertação

Yara Simão


Com objectivo de testemunhar os acontecimentos da guerra de libertação nacional, Rita Tomás, antiga combatente lançou sexta-feira última no Museu de História Natural o livro intitulado "Memórias da Luta de Libertação".

A sala do Museu de Histórias Naturais, não foi suficiente para albergar o número de convidados da camarada Rita que é considerada pelos seus contemporâneos como uma mulher guerrilheira.
"Memórias da Luta de Libertação", segundo a autora é um relato de quem participou activamente no processo de libertação de Angola, do jugo colonial português e não só, é um testemunho para a juventude e as gerações vindouras.

"Estas minhas memórias são apenas uma parte, onde exprimo como participei na luta directa de libertação nacional, como vivi no MPLA então movimento, a coragem e a calma dos nossos líderes e chefes como o doutor Agostinho Neto, Lúcio Barreto Lara, Aníbal de Melo e Eurico Teles Carreira(Iko Carreira), bem como alguns comandantes que dirigiram a guerra e outros militantes honestos" realçou Rita Tomás.

No livro a autora destaca ainda o papel de muitos médicos angolanos a destacar Américo Boavida, Edmundo Rocha, Rui de Carvalho, Pestana, Manuel Boal, João Vieira Lopes e Manuel Videira, pessoas com quem conviveu durante o curso de enfermagem que frequentou como assistente.

Mário Pinto de Andrade, analista político e professor universitário, ao apresentar o livro disse que a autora descreve a obra com um testemunho vindo da alma, destacando o papel das mulheres que lado a lado com os homens guerrilheiros tiveram acções de bravura mesmo atravessando perigos como foi o caso da travessia de vários rios.
"A autora, narra no livro os acontecimentos que provocou a primeira grande divisão no seio de MPLA, na base de uma estratégia de Agostinho Neto, que não agradou alguns dirigentes do MPLA e se aliaram com alguns partidos e grupos sindicais. Na altura, muito antes do reconhecimento do GRAE, alguns dirigentes já estavam divididos, porque em maio de 1963, com a realização da primeira conferência do MPLA, Agostinho Neto chama atenção para que as pessoas não estivessem divididas e não aceitassem as calunias, mas infelizmente o movimento veio a ter esta sua primeira crise" sublinhou o Mário Pinto de Andrade.

O analista político e também professor, aproveitou a ocasião para apelar ao estudantes do curso de história, sociologia e antropologia da faculdade de Letras e Ciências Sociais, do mestrado em histórias de África e história de Angola no Isced a se interessarem por esta temática dedicando-se a investigação para as teses de mestrado e licenciatura, que seria um bom contributo não só para a autora mas para aqueles que participaram nesta epopeia e que merecem o respeito de todos.

Rita Tomás apresenta-nos ainda o trabalho realizado por seu pai, na construção da escolas, o seu engajamento na igreja Evangélica, a ligação que teve com alguns conterrâneos que fizeram parte da década dos 50, a destacar Sebastião Gaspar Martins, velho 60 e Pascoal Veríssimo da Costa
Rita André Tomás nasceu ao 17 julho de 1943, em Luanda. Ingressou no MPLA, então movimento, em Agosto de 1962 em Lepoldville (República do então Congo Belga". Fez o primeiro treino militar em Lepoldville, juntamente com a camarada Luísa Júnior Vastok, tiveram como instrutores Arlindo de Freitas e José Ferreira, do ex. EPLA. Na Tanzânia, fez também treinos militares, juntamente com combatentes da Frelimo de Moçambique e tinham como lema "todos ao interior" palavra de ordem do saudoso Presidente António Agostinho Neto.

No CVAAR, (Corpo Voluntário de Assistência aos Refugiados de Angola), funcionou como chefe do sector junto da Emigração Congolesa para tratar de assuntos dos refugiados angolanos, sob a orientação de Luís Azevedo Júnior das relações exteriores do MPLA

Em Novembro de 1963 a 1968, frequentou o curso Médio de Saúde na ex- URSS, tendo-se matriculado na faculdade de medicina em Luov. Como a coluna Bomboko, estava a entrar para a III Região Política militar na frente leste e atingir a IV região , isto é, Malanje e as Lundas, Rita Tomás regressou a Angola a fim de prestar a sua ajuda aos militares guerrilheiros.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Kimpa Vita


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (2)


No final dos seiscentos, o Congo possuía três reis, sendo D. Pedro IV o mais poderoso deles, aparentemente, e talvez o único capaz de levar adiante um projecto de reunificação congolês.

Kimpa Vita e a ressurreição imaginária

Foi neste contexto de crise e fragmentação que irrompeu o antonianismo, movimento que, seja em termos religiosos ou políticos, fornece-nos importantes pistas para compreender as complexas relações entre catolicismo e monarquia na África banto.

A fundadora da "seita" foi a jovem aristocrata Kimpa Vita, nascida de família nobre congolesa na década de 1680, baptizada Dona Beatriz, mulher que fora sacerdotisa do culto de Marinda (nganga marinda), embora educada no catolicismo.

Kimpa Vita contava entre 18 e 20 anos quando, cerca de 1702-1703, acometida de forte doença, disse ter falecido e depois ressuscitado como Santo António. E seria como Santo António que Kimpa Vita pregaria às multidões do reino - daí o movimento ter ficado conhecido como antonianismo -, seguindo o rastro de outras várias profetisas que lhe precederam na mesma tarefa, como a Matuta, em meio à crise que assolava o reino.

A pregação de Kimpa Vita possuía forte conotação política. Preconizava o retorno da capital a São Salvador e a reunificação do reino, chegando mesmo a envolver-se nas lutas facciosas da época. Melhor exemplo disso ocorreu quando de sua chegada a São Salvador, onde encontrou Pedro Constantino da Silva, nobre militar enviado por D. Pedro IV, a quem proclamou "Rei do Congo" em troca de sua adesão ao antonianismo.

Assegurou-se ainda, por meio de vários acordos, da aliança de famílias nobres adversárias de D. Pedro, a exemplo dos grupos de Kimpanzu, especialmente da família Nóbrega, enraizada no sul da província de Nsoyo.

As alianças estabelecidas por Kimpa Vita, metamorfoseada em Santo António, não eram porém resultado de mero cálculo político. Ancoravam-se numa cosmologia complexa e peculiar que, se formos resumir em poucas palavras, vale seguir o que disse Ch. Boxer sobre o movimento: "uma modalidade remodelada e completamente africanizada do cristianismo"

"Com efeito, o movimento antoniano confirma, antes de tudo, o êxito do processo de canonização do Congo inaugurado no século XV e cristalizado sob o reinado de Afonso I na primeira metade do século XVI. O Deus dos antonianos era, sem dúvida, o Deus cristão, o Deus dos missionários, com o qual Kimpa Vita dizia jantar todas as sextas-feiras, após "morrer", para "ressuscitar" no dia seguinte. Santo António, por outro lado, santo mui valorizado na missionação realizada no Congo, era a persona assumida pela profetisa, por ela chamado de "segundo Deus".Africanizando o catolicismo, "a Santo António congolesa" dizia que Cristo nascera em São Salvador, a verdadeira Belém, e recebera o baptismo em Nsundi, a verdadeira Nazareth. "(Charles Boxer. A Igreja e a expansão ibérica. Lisboa, Edições 70, 1981, p.132.)

Afirmava ainda que a Virgem Santíssima era negra, filha de uma escrava ou criada do Marquês de Nzimba Npanghi e que São Francisco pertencia ao clã do Marquês de Vunda.

O catolicismo do movimento antoniano era, portanto, muitíssimo original, implicando uma leitura banto ou bakongo da mensagem cristã. Modelava-se, em vários aspectos, na acção pedagógica dos missionários, mas condenava o clero oficial, sobretudo os missionários estrangeiros, aos quais acusava de "haverem monopolizado a revelação e o segredo das riquezas para exclusiva vantagem dos brancos" em prejuízo dos "santos negros".

Rejeitou, igualmente, boa parte dos sacramentos católicos: o baptismo, a confissão, o matrimónio, ao menos no tocante à liturgia e aos significados oficiais, abrindo caminho, no caso do matrimónio, para a restauração legitimada da poligamia.

Adaptou, ainda, certas orações católicas, a exemplo da Ave -Maria e sobretudo do Salve Rainha. Proibiu, ainda, a veneração da cruz, esse grande nkisi católico-bakongo, em razão de ter ela sido o instrumento da morte de Cristo.

Kimpa Vita prometia a todos os que aderissem à sua pregação uma próxima "idade de ouro", e não apenas no sentido figurado, pois dizia que as raízes das árvores derrubadas converter-se-iam em ouro e prata e que das ruínas das cidades surgiriam minas de pedras preciosas.

Prometia, ainda, tornar fecundas as mulheres estéreis e outras mil bem-aventuranças, granjeando imenso apoio popular. Não se escusava, porém, de ameaçar os reticentes com as piores penas, incluindo a de transformá-los em animais.

Organizou para tanto uma verdadeira igreja antoniana, um clero, onde pontificavam outros santos, como São João, e uma plêiade de sacerdotes denominada de "os antoninhos" que saíam a pregar a excelência da nova igreja e o poder taumatúrgico e apostólico "da Santo António" que a chefiava.

Kimpa Vita despertou obviamente a ira dos missionários capuchinhos e das facções nobres adversárias do antonianismo e postulantes do poder real.

O próprio D.Pedro IV, de início cauteloso e hesitante em reprimir o movimento, terminou por ceder às pressões dos capuchinhos italianos, ordenando a prisão da profetisa e de São João, "o anjo da guarda" da profetisa que os frades diziam ser seu amante.

O estopim ou pretexto que levou à prisão de Kimpa Vita teria sido a acusação de que tinha um filho recém-nascido, cujo choro teria sido ouvido enquanto ela o amamentava em segredo, do que resultara o seu desmascaramento como "falso Santo António".

Kimpa Vita foi presa, arguida pelo capuchinho Bernardo Gallo e condenada a morrer na fogueira como herege do catolicismo. A sentença foi executada em 1708 e na fogueira arderam Kimpa Vita e seu "anjo da guarda" – o Santo António e o São João do catolicismo congolês.

NOTA - Esta igreja messiânica persiste ainda hoje em Angola



http://www.dightonrock.com/Diago%20cao-4.htm

ver também

http://www.carlosduarte.ecn.br/mulheresdeangola.htm

Características messiânicas numa igreja negra baseada em alguns aspectos do catolicismo encontram-se também na Igreja Kimbaguista (Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Terra), fundada no antigo Congo Belga em 1921 por Simon Kimbangu (que morreu na prisão e foi considerado um mártir) que ocupa um lugar relevante na Angola de hoje.

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terça-feira, janeiro 23, 2007

Ana Nzinga Mbandi NGOLA

MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (1)





Ana Nzinga Mbandi NGOLA
(1582 – dezembro 1663)

“Entre os negros com quem tive ocasião de conversar, não encontrei nenhum que superasse esta rainha pela generosidade de alma ou sabedoria de governação... ela revelava grande destreza nos assuntos políticos, perspicácia e prudência nos assuntos de família”, escrevia Cavazzi, missionário capucho que, durante algum tempo, foi confessor desta mulher extraordinária.

Ela nasceu em 1582, na família do mani do Ndongo, reino localizado no território da actual Angola. O nome do título do rei, Ngola, deu origem à denominação deste país. O pai da menina, Ngola Kiluangi, mantinha relações de paz armada com os portugueses de Luanda (onde se encontrava a sede do governador). A situação veio a deteriorar-se após a sua morte, ocorrida por volta de 1617, quando o seu filho e sucessor, Ngola Mbandi, assumiu o poder no Ndongo. Naquela altura, os portugueses ampliaram consideravelmente o tráfico de escravos e empreenderam uma série de incursões para o interior do continente, na esperança de, além de captura de escravos, apoderar-se das imensas reservas de prata que, segundo se dizia, existiriam nas áreas do interior. Ngola Mbandi lançou uma campanha militar contra os portugueses, tendo antes suprimido a resistência e a rivalidade dentro da família, assassinado o seu sobrinho, filho da sua irmã, Nzinga, e deportado ela própria. Do seu ponto de vista, foi uma prudência necessária, já que segundo os princípios do direito materno que vigoravam naquelas terras, era precisamente o sobrinho, filho da irmã, quem era o primeiro sucessor e, por consequência, o adversário mais perigoso.

Porém, a campanha militar falhou. A sua tropa pouco disciplinada, de tipo miliciano (e não existia outro tipo de tropa nos estados africanos pré-coloniais), não conseguiu resistir à pressão do exército profissional do Governador de Angola. A capital, Mbanza Cabana, caiu nas mãos dos portugueses, a família foi aprisionada, o próprio Ngola Mbandi refugiou-se nas ilhas Kwanza, de difícil acesso. Os autores contemporâneos escreviam que embora “os portugueses tivessem ganho a guerra, não conseguiram ocupar o território”.

O novo governador procurava entendimento com o governante do Ndongo, uma vez que todas as rotas de comércio estavam bloqueadas, com a própria cidade de Luanda cortada dos mercados de víveres. Por isso, a amizade com os aristocratas locais era uma condição indispensável para garantir o tráfico regular de escravos que eram cada vez mais procurados para o trabalho escravo nas plantações e nas minas do Brasil. Os antepassados de actuais brasileiros de pele escura são oriundos precisamente de Angola, mantendo, até aos nossos dias, as suas crenças, folclore, e alguns costumes de africanos.

Em 1621, Nzinga foi enviada para negociar com os portugueses, já que o irmão, seu rival, viu-se obrigado a reconhecer as suas invulgares virtudes. Foi o seu primeiro aparecimento na cena histórica. A delegação do soberano local foi recebida com grande aparato, inclusive salvas de canhões. Os portugueses ficaram muito impressionados com o sentido de auto-respeito e astúcia dela. Descreve assim Cavazzi este encontro – “Quando o vice-rei lhe concedeu audiência, ela, ao entrar na sala, notou que lá estava no lugar mais nobre apenas uma poltrona de veludo, ornada de ouro que se destinava ao vice-rei, havendo do lado oposto um riquíssimo tapete e umas almofadas de veludo... destinados a soberanos etíopes (era assim que, à semelhança da Bíblia, se chamava a todos os africanos – E.L.). Sem se atrapalhar e sem dizer uma única palavra, ela fez sinal a uma das suas damas para que se ajoelhasse e se fizesse de cadeira, sentou-se em cima das costas dela e permaneceu sentada até ao fim da audiência”. Deste modo Nzinga mostrou que se considerava uma participante de pleno direito das negociações, e não um vassalo submisso de Portugal.

Segundo testemunhas, “ela exigia paz com dignidade, propondo estabelecer uma união duradoura e sólida e mostrou que havia razões fortes e evidentes que faziam com que a paz fosse indispensável tanto para os portugueses como para o rei que a enviara. Deixou admirado, pasmado e convencido todo o Conselho”, e, “convencidos e vencidos pelas razões que avançara, os titulares superiores e os membros do Conselho nada puderam opor às propostas dela”. O acordo foi celebrado. Calculando que uma mulher tão inteligente, decidida, orgulhosa podia vir a ser uma aliada vantajosa e segura, os portugueses convenceram-na a baptizar-se, tomando o nome de Ana (em honra da esposa do governador português que também participou na cerimónia).

Em 1624, Ngola Mbandi morreu, em circunstâncias pouco claras. Nzinga, ao tornar-se a única governante, renunciou ao cristianismo e rompeu a união com os portugueses. Iniciou a luta contra eles, “dirigindo-se a deuses falsos e cumprindo a vontade deles”, como escreviam os cronistas. Na verdade, ela estava a cumprir a vontade de seus súbditos, descontentes com o tráfico de escravos praticado pelos europeus.

Porém, o primeiro passo que deu não foram operações militares, mas, sim, o envio de uma mensagem para o novo governador de Angola, Fernando de Sousa, exigindo que os portugueses evacuassem as fortalezas localizadas no interior (Mbaka, etc.). O momento para tal foi escolhido muito oportunamente, já que naquela altura emergiu na arena do comércio mundial a Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1621. No Verão de 1624, os seus navios haviam queimado seis navios portugueses no porto de Luanda e ameaçavam o domínio de Portugal naquela parte do globo.

Paralelamente, ela começou a preparar o seu exército que ia crescendo depressa à custa dos escravos fugitivos a quem prometia a liberdade. Alguns portugueses queixavam-se de terem perdido de 100 a 150 escravos cada um. Ana Nzinga soube também atrair para o seu lado as tribos vizinhas, geralmente hostis umas às outras. Foi então quando, em 1625, depois que mais uma ronda de negociações acabou num impasse e a guerra era iminente, estando as tropas de Nzinga preparadas, que, servindo de pretexto imediato para o início das hostilidades a proclamação de um aliado dos portugueses, Ari Ngongo, como soberano do Ndongo, Nzinga enviou as suas tropas e em resposta a isso, Luanda declarou-lhe guerra, formalmente, para proteger o súbdito português. De tempos em tempos os portugueses, dada a ameaça proveniente por parte da Holanda, empreendiam tentativas de concluir um acordo com ela, porém, com a condição indispensável de que ela reconhecesse a sua dependência da coroa portuguesa e pagasse anualmente um tributo. Ela ficou indignada com essa condição, declarando que era uma soberana independente e que “poderiam propor-lhe tal apenas se tivesse sido vencida pela força das armas, coisa que está muito longe de se concretizar, já que ela não só tem boas tropas como também audácia mais que suficiente para fazer arrepender os seus inimigos”. Nos inícios de 1626, os portugueses prepararam uma expedição militar bem apetrechada que expulsou Nzinga das ilhas do rio Kwanza, porém, sem a ter conseguido derrotar. Ao recuar para o interior do país, ela montou posições no nordeste.

Consolidadas as suas posições no litoral, os portugueses alargaram ainda mais o tráfico de escravos; os destacamentos de “pombeiros” arruinavam os povoados locais. Além disso, o facto de “Dom Felipe”, um fantoche baptizado que não pertencia à dinastia tradicional e, consequentemente, não possuía a graça de “santo rei-sacerdote” capaz de provocar a chuva e garantir o bem estar do povo, ter sido nomeado soberano do Ndongo, provocou descontentamento tanto dos aristocratas como da gente simples. Resultou disso uma fuga generalizada para o lado de Nzinga.

Progredindo em direcção a nordeste do Kwanza, conquistando as tribos locais e atraindo para o seu lado os jagas, um povo guerreiro de combatentes audazes e hábeis, ela instalou-se, em 1630-1635, nas montanhas de Matamba, tendo criado uma unidade política forte e estável. Segundo alguns investigadores, tratava-se de uma espécie de estado semi-feudal hierárquico. A própria Nzinga tinha o direito de decidir sobre a vida ou morte dos seus súbditos, era considerada proprietária de todos os bens que estes possuíam, sendo obrigados a cultivar as terras três vezes por semana para produzir produtos alimentícios para a corte. As testemunhas afirmavam que a sua corte era tão numerosa como as cortes reais europeias, incluindo pessoas “cujas qualidades e obrigações lhes davam o direito de se considerarem nobres”.

Nestas regiões mantinha-se o direito materno (em alguns locais mantém-se até hoje), baseado na consideração da linha matrilinear e, por consequência, uma posição relativamente livre da mulher na família e na sociedade. No Reino da Matamba, a mulher não só estava à frente do país como ainda para cada cargo eram designados “co-governantes” – um homem e uma mulher. A instituição de “co-governantes” se mantinha até aos finais do século passado, a norte, nas etnias lunda, luba e kuba – bacia do rio Congo, e em Buganda (território do actual Uganda), ainda até aos meados deste século. As mulheres também tomavam parte nas guerras; no tempo de paz as senhoras faziam competições em força, habilidade e audácia, para as quais saíam vestidas e armadas como amazonas. Elas montavam uma batalha em que a rainha, embora já com o fardo de mais de sessenta anos, revelava a mesma coragem, força, habilidade e agilidade que tivera aos 25 anos”.

Tendo consolidado o seu estado, Nzinga encabeçou a união de Matamba com o seu vizinho a Norte, o Congo, Cassange (situado no centro da Angola actual) e com as tribos do Leste formando assim uma coligação anti-portuguesa. A primeira ofensiva não foi bem sucedida devido às contradições no seio dos aliados: o soberano de Cassange, aproveitando a ausência de Nzinga, devastou as terras de Matamba e mais tarde recebeu calorosamente os mensageiros do novo governador. As tentativas desta missão especial enviada com o fim de obrigar Nzinga a aceitar a paz falharam (embora durassem vários meses). Uma testemunha escreveu que “Nzinga que era cheia de inteligência e dominava perfeitamente a arte de ironia, respondeu que conhecia muito bem a força e a audácia dos seus inimigos e desejaria ter a honra de ser aliada da coroa portuguesa... mas, considerava justo ver satisfeitas, através do tribunal ou com as armas nas mãos, as suas pretensões sobre as províncias que os seus antepassados possuíram em paz”. Ela estava decidida a continuar a luta.

Em Maio de 1641, os holandeses voltaram a aparecer ao largo de Luanda, tendo capturado uma caravana de vinte navios, além “da grande e linda cidade com 5000 casas de pedra, grandes e lindas... com cinco castelos e sete baterias com cerca de 130 canhões e 60 fuzis”. Logo em seguida, eles apoderaram-se também da fortaleza de São Felipe de Benguela. Nzinga soube aproveitar habilmente esta situação, tendo proposto aos holandeses unir os esforços para criar uma união dirigida contra os portugueses, à qual o soberano do Congo em breve aderiu. Os holandeses mandaram um destacamento de 300 soldados que ficou sob o comando dela. Ela conseguiu estabelecer o controlo político sobre a maior parte do litoral e do interior do país e, facto de maior importância, sobre as principais rotas de comércio. Ela concentrou nas suas mãos todo o comércio (incluindo o mais lucrativo, o comércio de escravos, já que ela era pessoa da sua época). Os lucros que ela obteve permitiram-lhe consolidar ainda mais o seu estado e sobretudo o seu exército. A fortaleza de Massangano era a única coisa que continuava na posse dos portugueses.

Os portugueses viram-se obrigados a pedir o envio de reforços do Brasil. Mas nem sequer este auxílio ou recrutamento do soberano de Cassange ajudou. Em 1647-48, os exércitos locais obtiveram várias vitórias importantes. Para que a vitória fosse total, era necessário conquistar a fortaleza de Massangano. A tentativa de organizar uma intentona dentro da fortaleza empreendida pela irmã de Nzinga, Fungi, que durante muitos anos estava aprisionada, foi descoberta, sendo Fungi executada. Além disso, em Agosto de 1648, chegou do Brasil Salvador Correia de Sá, designado novo governador, à frente de uma forte esquadra e um numeroso destacamento. Os portugueses apoderaram-se de Luanda, uma vez que a guarnição holandesa foi enfraquecida com o envio de uma parte das suas tropas para as portas de Massangano. Ao terem tido notícia da queda de Luanda, “eles... abandonaram os negros que decidiram não aceitar a capitulação”. Logo a seguir, um outro aliado de Nzinga, o soberano do Congo, foi obrigado a assinar um acordo humilhante com Salvador Correia de Sá.

Nzinga regressou à Matamba, tendo-se recusado a reconhecer tal acordo, exceptuando algumas cedências: em particular, foram adoptadas as leis que proibiam os cultos tradicionais. Em 1656, o Conselho do Governador, em Luanda, voltou a exigir que Nzinga assinasse um acordo nos termos do qual ela estaria obrigada a relançar a comercialização de escravos para os portugueses, pagar anualmente um tributo e jurar ser “amigo dos amigos e inimigo dos inimigos” dos portugueses. Nzinga recusou-se categoricamente a reconhecer-se vassalo dos portugueses. O acordo, que acabou por ser assinado em Abril de 1657, era “digno”: ela estava livre de pagar o tributo, Matamba continuava independente. A última batalha, bem sucedida, da rainha, já idosa, teve lugar no mesmo ano, contra os chefes dos jaga que sempre falhavam ao seu compromisso de não devastar Matamba.

Ela respondeu ao padre Antoine Gaete, missionário católico que elogiou a sua coragem: “Agora estou velha, padre, e mereço indulgência. Quando eu era jovem, nunca ficava atrás de qualquer jaga na rapidez de andar e na habilidade da mão. Havia tempos em que não hesitava em fazer frente a 25 soldados brancos armados. É verdade, não sabia manejar fuzil, mas, para desfechar golpes de espada também são necessárias a coragem, audácia e razoabilidade”.

Passou os últimos anos da sua vida em paz, tendo estabelecido relações comerciais com os portugueses e autorizado a cristianização do país. Ana Nzinga Mbandi Ngola faleceu a 17 de Dezembro de 1663. Tinha por volta de 81 anos de idade; durante quarenta destes longos anos foi soberana absoluta do país, tendo levado durante trinta e um anos uma luta desigual mas heróica contra os colonizadores portugueses e seus aliados.

A nova ofensiva dos portugueses no interior do país, da actual Angola, deparou-se com a resistência da população de Matamba, que estava encabeçada pelos sucessores de Nzinga, sua irmã Cambo (baptizada com o nome de Bárbara) e seu filho Ngola Canini (baptizado com o nome de Francisco Guterres). Este chegou a proibir a entrada dos portugueses nas suas terras, ordenou atacar as caravanas de escravos e pô-los em liberdade. Os portugueses, que tinham enviado um forte destacamento contra ele, foram derrotados nas imediações de Cotolo, em 1681. Porém, o próprio Francisco acabaria por morrer naquela batalha.

Sucedeu-lhe sua irmã, Verónica Guterres. Receando a feroz vingança, ela enviou, em 1683, uma missão para Luanda propondo estabelecer paz eterna. O acordo proposto pelo governador incluía a exigência de vassalagem, além da livre passagem das caravanas comerciais por terras de Matamba. O acordo não chegou a ser assinado.

No entanto, ainda durante um longo período de tempo deflagravam, de vez em quando, rebeliões contra os portugueses. Os rebeldes atacavam os traficantes de escravos e os missionários (que muitas vezes eram as mesmas pessoas), destruíam as igrejas, proibiam que os estrangeiros aparecessem nos seus territórios. Em resposta, os portugueses lançavam operações punitivas cruéis: segundo testemunhas, durante uma destas operações mais de 150 aldeias foram queimadas e alguns milhares de pessoas foram feitas escravos. Foi só nos fins do século XVII que Matamba e as regiões vizinhas ficaram sob o controlo total de Luanda.

Tradução do artigo de Eleonora Lvova, publicado na brochura do Instituto dos Países de Ásia e África, da Universidade Estatal de Moscovo (MGU), intitulada “A Arte Militar na Cultura dos Povos da África Sub-Sahariana” Páginas 29 a 35.

Sobre a influência de Ana Nzinga Mbandi NGOLA no Brasil ver