A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, janeiro 26, 2007


O melhor português de todos os tempos (2)

Salazar?

O melhor

Nunca prestei atenção ao concurso Grandes Portugueses, que a RTP está a promover, com o objectivo de eleger o «maior português de sempre». Ao contrário da RTP, tenho a convicção de que a história é muito mais do que uma sucessão de homens extraordinários e das suas façanhas, e a escolha do mais herói dos heróis nacionais é coisa que, para além de não achar possível de ser feita, também não me parece ter grande interesse…


Até que, há uma semana atrás, recebi um telefonema de uma amiga. Estava indignada com os resultados, revelados no dia anterior: Salazar encontrava-se entre os dez finalistas.


Mesmo partindo do princípio, por natural boa fé, de que a votação foi justa, não me surpreende a inclusão de Salazar neste grupo de notáveis lusitanos: anos e anos de branqueamento do fascismo, da sua natureza e dos seus crimes, bem como de recuperação da imagem dos seus dirigentes, deixam marcas profundas.


A biografia de Salazar que surge na secção do concurso na página da RTP na Internet dá, aliás, um grande contributo à absolvição do ditador. Apresentado como uma «figura controversa» que «marcou sem dúvida a história do País», Salazar terá criado, afirma a RTP, as «condições para o desenvolvimento económico de Portugal». Além do mais, continua a estação, «equilibrou as finanças públicas».


Mas é claro que nem tudo poderia ser assim tão bom numa figura tão «controversa». E os defeitos apontados ao candidato a «melhor português» são o facto de ter dirigido, «de forma ditatorial, os destinos do País durante quatro décadas». Tal tendência ditatorial fez, imagine-se!, com que afastasse «todos quantos tentaram destituí-lo do cargo». Outros pecados apontados a tão prestigiada figura são a instituição da censura e da polícia política e a criação de dois «movimentos paramilitares: a Legião e a Mocidade Portuguesas».


Simples e conciso. Há que ser objectivo e não condicionar a escolha. A instauração em Portugal de um Estado fascista em tudo semelhante ao da Itália de Mussolini; a criação de um brutal aparelho repressivo montado com o apoio de especialistas nazis; o Campo de Concentração do Tarrafal; os milhares de presos políticos, comunistas na sua maioria; as torturas; os assassinatos de resistentes antifascistas, são, aparentemente, pormenores sem importância para o potencial votante ser informado pela RTP…


É preferível insistir na tese do milagreiro das Finanças, que desenvolveu Portugal. Mas, claro, sem referir que da biografia da salazarenta figura (a real, não a apresentada pela RTP) constam a constituição de grandes monopólios industriais e financeiros que se apoderaram da riqueza nacional à custa da miséria de milhões; a negação de quaisquer direitos sindicais e laborais; a violenta repressão dos trabalhadores, o analfabetismo, a fome, a morte na guerra em África, o atraso económico e social…


Mas nada disso parece interessar quando se trata de eleger o «melhor português de sempre». Por trás da reescrita da história estão os realmente grandes portugueses, os que querem ver regressado esse desenvolvimento – do capitalismo monopolista, da ausência de direitos e liberdades, da exploração desenfreada, do aprofundamento das desigualdades. Mas, ao contrário do que sucede no concurso da RTP, na história real há outros portugueses – os pequenos – que trabalham, sofrem e lutam. E são esses que fazem avançar a história. E o desenvolvimento será outro!

Gustavo Carneiro

in AVANTE 2007.01.25

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