MEMÓRIAS - De Lisboa ao Porto, no antigamente
Victor Nogueira
Falando como o senhor de La Palisse diremos que de Lisboa ao Porto podemos ir utilizando variadíssimos meios de transporte: barco, avião, comboio, automóvel... Ou, o que será uma grande estafa, pode ir-se caminhado pelo seu próprio pé, se escravos não houver para transportarem a liteira. E a verdade é que há quem o faça, em magotes mais ou menos alegres ou macerados, peregrinos a caminho de Fátima, pela berma da estrada, alguns de mochila às costas e bordão na mão, confluindo para um 13 de Maio a 13 de Outubro, datas das aparições da Senhora que tomou o nome da terra, embora tenha aparecido na Cova de Santa Iria.
A viagem de comboio é descrita mais adiante. De automóvel, leva umas horas, sem necessidade de fazer testamento prévio, como no tempo do meu avô Luís, que me dizia que a viagem duraria... cinco dias (e cinco noites). Indo de automóvel, houve tempo que se poderia ir alongadamente pela costa, ou combinadamente, ao longo do Tejo para norte, depois pelo interior, inflectindo quase lá em cima para o litoral até ao Porto.
Era o tempo da Estrada Nacional nº 1, quando a autoestrada ia apenas até Vila Franca de Xira para quem rumasse ao Norte, ou até aos Carvalhos, para quem do Norte quisesse vir por aí abaixo. Pela costa ou pelo interior, ambos os caminhos rumavam a Coimbra, a meio caminho com alguma boa vontade. A viagem era uma festa, uma canseira ou uma sensaboria. Dependia do clima ou do tempo disponível. Passava‑se pelo interior das povoações, parava-se para meter gasolina, para comer ou devido aos engarrafamentos provocados pela estreiteza das vias, pelas carroças puxadas por animais ou devido a qualquer acidente rodoviário. Se tempo houvesse era mais demorada a paragem nas povoações ou pelo caminho para admirar a paisagem ou para pequenos desvios.
A chegada a Santa Apolónia era precedida pela lezíria, por vezes inundada, pelo rio Tejo aqui ou ali entrevisto, até começar a paisagem industrializada e desgraciosa desde Vila Franca de Xira, e zona oriental de Lisboa, com o seu emaranhado de linhas férreas. Em Vila Franca de Xira a ponte deixou de ter portagem para quem a atravessasse, mas nem os ventos do 25 de Abril lhe mudaram o nome como à de Lisboa. Esta deixou de ser de Salazar, mas aquela continuou a ser do Marechal Carmona!
Mas a caminho do Norte, Alenquer era uma visão agradável, as casas pela encosta acima como se fora uma cascata, à noite iluminada e, no Natal, com gigantesco presépio cheio de luz. Depois acabava a planície e lá se andava às curvas e contracurvas ou no sobe e desce das serras de Montejunto e de Candeeiros. Passava-se por Rio Maior, mais tarde conhecida como a capital da contra-revolução, com a célebre moca para espancar os comunistas e as placas de sinalização pichadas com «Aqui começa Portugal», isto é, acrescento, para quem fosse para Norte, porque para quem demandasse o Sul ali... acabaria Portugal e começariam a moirama e os infiéis. Mas rumando a Norte, a curiosidade era desperta pela Venda das Raparigas, pouco antes de Alcobaça ou da Batalha, pontos de breve paragem e visita se tempo ou inclinação para isso houvesse.
Mas a paciência perdia‑se de vez em Leiria, sempre uma estafa para atravessar, o trânsito condicionado pela estreiteza da ponte sobre o rio Lis quando não agravada por ser hora de ponta. Um breve relance ao castelo com a sua varanda de arcos ogivais, lá em cima, e ala que se vai fazendo tarde. Ao lado da estrada o castelo de Pombal chamava a nossa atenção, altaneiro no cume do monte, mas Conimbriga merecia mais um desvio e uma paragem para admirar as ruínas da velha cidade romana mais as muralhas que ainda existiam e o jardim dos repuxos. Após Condeixa, finalmente Coimbra, reconhecível ao longe pela Torre da Universidade, lá no cimo, no local onde noutras terras está o castelo. Na Mealhada havia sempre muitos camiões e automóveis parados, para que os seus ocupantes comessem e bebessem nos restaurantes à beira da estrada, que não se pode impunemente andar com a garganta seca ou a barriga a dar horas.
Falando como o senhor de La Palisse diremos que de Lisboa ao Porto podemos ir utilizando variadíssimos meios de transporte: barco, avião, comboio, automóvel... Ou, o que será uma grande estafa, pode ir-se caminhado pelo seu próprio pé, se escravos não houver para transportarem a liteira. E a verdade é que há quem o faça, em magotes mais ou menos alegres ou macerados, peregrinos a caminho de Fátima, pela berma da estrada, alguns de mochila às costas e bordão na mão, confluindo para um 13 de Maio a 13 de Outubro, datas das aparições da Senhora que tomou o nome da terra, embora tenha aparecido na Cova de Santa Iria.
A viagem de comboio é descrita mais adiante. De automóvel, leva umas horas, sem necessidade de fazer testamento prévio, como no tempo do meu avô Luís, que me dizia que a viagem duraria... cinco dias (e cinco noites). Indo de automóvel, houve tempo que se poderia ir alongadamente pela costa, ou combinadamente, ao longo do Tejo para norte, depois pelo interior, inflectindo quase lá em cima para o litoral até ao Porto.
Era o tempo da Estrada Nacional nº 1, quando a autoestrada ia apenas até Vila Franca de Xira para quem rumasse ao Norte, ou até aos Carvalhos, para quem do Norte quisesse vir por aí abaixo. Pela costa ou pelo interior, ambos os caminhos rumavam a Coimbra, a meio caminho com alguma boa vontade. A viagem era uma festa, uma canseira ou uma sensaboria. Dependia do clima ou do tempo disponível. Passava‑se pelo interior das povoações, parava-se para meter gasolina, para comer ou devido aos engarrafamentos provocados pela estreiteza das vias, pelas carroças puxadas por animais ou devido a qualquer acidente rodoviário. Se tempo houvesse era mais demorada a paragem nas povoações ou pelo caminho para admirar a paisagem ou para pequenos desvios.
A chegada a Santa Apolónia era precedida pela lezíria, por vezes inundada, pelo rio Tejo aqui ou ali entrevisto, até começar a paisagem industrializada e desgraciosa desde Vila Franca de Xira, e zona oriental de Lisboa, com o seu emaranhado de linhas férreas. Em Vila Franca de Xira a ponte deixou de ter portagem para quem a atravessasse, mas nem os ventos do 25 de Abril lhe mudaram o nome como à de Lisboa. Esta deixou de ser de Salazar, mas aquela continuou a ser do Marechal Carmona!
Mas a caminho do Norte, Alenquer era uma visão agradável, as casas pela encosta acima como se fora uma cascata, à noite iluminada e, no Natal, com gigantesco presépio cheio de luz. Depois acabava a planície e lá se andava às curvas e contracurvas ou no sobe e desce das serras de Montejunto e de Candeeiros. Passava-se por Rio Maior, mais tarde conhecida como a capital da contra-revolução, com a célebre moca para espancar os comunistas e as placas de sinalização pichadas com «Aqui começa Portugal», isto é, acrescento, para quem fosse para Norte, porque para quem demandasse o Sul ali... acabaria Portugal e começariam a moirama e os infiéis. Mas rumando a Norte, a curiosidade era desperta pela Venda das Raparigas, pouco antes de Alcobaça ou da Batalha, pontos de breve paragem e visita se tempo ou inclinação para isso houvesse.
Mas a paciência perdia‑se de vez em Leiria, sempre uma estafa para atravessar, o trânsito condicionado pela estreiteza da ponte sobre o rio Lis quando não agravada por ser hora de ponta. Um breve relance ao castelo com a sua varanda de arcos ogivais, lá em cima, e ala que se vai fazendo tarde. Ao lado da estrada o castelo de Pombal chamava a nossa atenção, altaneiro no cume do monte, mas Conimbriga merecia mais um desvio e uma paragem para admirar as ruínas da velha cidade romana mais as muralhas que ainda existiam e o jardim dos repuxos. Após Condeixa, finalmente Coimbra, reconhecível ao longe pela Torre da Universidade, lá no cimo, no local onde noutras terras está o castelo. Na Mealhada havia sempre muitos camiões e automóveis parados, para que os seus ocupantes comessem e bebessem nos restaurantes à beira da estrada, que não se pode impunemente andar com a garganta seca ou a barriga a dar horas.
Seguiam‑se Malaposta (do tempo das diligências), Águeda, Albergaria‑a‑Velha, Oliveira de Azeméis, S. João da Madeira (que alívio, estamos quase a chegar!), Picôto e - finalmente - a então mini auto-estrada, cinco km dos Carvalhos à capital do Norte, onde se entrava atravessando a elegante ponte da Arrábida sob o rio Douro, sempre cheio de água mas sem ser o mar espelhado do enorme estuário do rio Tejo, com a ponte metálica de D. Luís para montante, que desde o século XIX une Gaia ao Porto.
Hoje a viagem faz‑se por auto‑estrada e o que se ganhou em comodidade e rapidez nem sempre compensa a monotonia e o passar ao largo destas povoações, afastadas porque para elas aceder é necessário procurar um acesso e por vezes andar muitos km pela estrada velha, para norte ou para sul. (Victor Nogueira - Memórias de Viagem, 1997.11.16)
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