A maior burla de sempre em Portugal
Parece anedota, mas é autêntico: dia 11 de abril do ano corrente, um homem
armado assaltou a dependência do Banco Português de Negócios, ou
simplesmente BPN, na Portela de Sintra, arredores de Lisboa e levou 22 mil euros.
Trata-se de um assalto histórico: foi a primeira vez que o BPN foi assaltado por
alguém que não fazia parte da administração do banco.
O BPN tem feito correr rios de tinta e ainda mais rios de dinheiro dos
contribuintes.
Foi a maior burla de sempre em Portugal, qualquer coisa como
9.710.539.940,09 euros.
Com esses nove biliões e setecentos e dez milhões de euros, li algures,
podiam-se comprar 48 aviões Airbus A380 (o maior avião comercial do mundo), 16
plantéis de futebol iguais ao do Real Madrid, construir 7 TGV de Lisboa a
Gaia, 5 pontes sobre o Tejo ou distribuir 971 euros por cada um dos 10 milhões
de portugueses residentes no território nacional (os 5 milhões que vivem no
estrangeiro não seriam contemplados).
João Marcelino, diretor do Diário de Notícias, de Lisboa, considera que “é
o maior escândalo financeiro da história de Portugal. Nunca antes houve um
roubo desta dimensão, “tapado” por uma nacionalização que já custou 2.400
milhões de euros delapidados algures entre gestores de fortunas privadas em
Gibraltar, empresas do Brasil, offshores de Porto Rico, um oportuno banco de
Cabo Verde e a voracidade de uma parte da classe política portuguesa que se
aproveitou desta vergonha criada por figuras importantes daquilo que foi o
cavaquismo na sua fase executiva”.
O diretor do DN conclui afirmando que este escândalo “é o exemplo máximo da
promiscuidade dos decisores políticos e económicos portugueses nos últimos
20 anos e o emblema maior deste terceiro auxílio financeiro internacional em
35 anos de democracia. Justifica plenamente a pergunta que muitos
portugueses fazem: se isto é assim à vista de todos, o que não irá por aí?”
O BPN foi criado em 1993 com a fusão das sociedades financeiras Soserfin e
Norcrédito e era pertença da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), que
compreendia um universo de empresas transparentes e respeitando todos os requisitos
legais, e mais de 90 nebulosas sociedades offshores sediadas em distantes
paraísos fiscais como o BPN Cayman, que possibilitava fuga aos impostos e
negociatas.
O BPN tornou-se conhecido como banco do PSD, proporcionando tachos para
ex-ministros e secretários de Estado sociais democratas. O homem forte do banco
era José de Oliveira e Costa, que Cavaco Silva foi buscar em 1985 ao Banco
de Portugal para ser secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e assumiu a
presidência do BPN em 1998, depois de uma passagem pelo Banco Europeu de
Investimentos e pelo Finibanco.
O braço direito de Oliveira e Costa era Manuel Dias Loureiro, ministro dos
Assuntos Parlamentares e Administração Interna nos dois últimos governos de
Cavaco Silva e que deve ser mesmo bom (até para fazer falcatruas é preciso
talento), entrou na politica em 1992 com quarenta contos e agora tem mais de
400 milhões de euros.
Vêm depois os nomes de Daniel Sanches, outro ex-ministro da Administração
Interna (no tempo de Santana Lopes) e que foi para o BPN pela mão de Dias
Loureiro; de Rui Machete, presidente do Congresso do PSD e dos ex-ministros
Amílcar Theias e Arlindo Carvalho.
Apesar desta constelação de bem pagos gestores, o BPN faliu. Em 2008,
quando as coisas já cheiravam a esturro, Oliveira e Costa deixou a presidência
alegando motivos de saúde, foi substituido por Miguel Cadilhe, ministro das
Finanças do XI Governo de Cavaco Silva e que denunciou os crimes financeiros
cometidos pelas gestões anteriores.
O resto da história é mais ou menos conhecido e terminou com o colapso do
BPN, sua posterior nacionalização e descoberta de um prejuízo de 1,8 mil
milhões de euros, que os contribuintes tiveram que suportar.
Que aconteceu ao dinheiro do BPN? Foi aplicado em bons e em maus negócios,
multiplicou-se em muitas operações “suspeitas” que geraram lucros e que
Oliveira e Costa dividiu generosamente pelos seus homens de confiança em
prémios, ordenados, comissões e empréstimos bancários.
Ainda não se sabe o que levou o governo PS de José Sócrates a salvar um
banco que era uma coutada do rival PSD. Não seria o primeiro nem o último banco
a falir, mas Sócrates decidiu intervir e o BPN passou a fazer parte da
Caixa Geral de Depósitos, um banco estatal liderado por Faria de Oliveira, outro
ex-ministro de Cavaco e membro da comissão de honra da sua recandidatura
presidencial, lado a lado com Norberto Rosa, ex-secretário de estado de Cavaco
e também hoje na CGD.
Outro social-democrata com ligações ao banco é Duarte Lima, ex-líder
parlamentar do PSD, que está a ser investigado pela polícia brasileira pelo
assassinato de Rosalina Ribeiro, companheira e herdeira do milionário Tomé Feteira
e que, em 2001, comprou a EMKA, uma das offshores do banco por três milhões
de euros, tornando-se também acionista do BPN.
Em 31 de julho, o ministério das Finanças anunciou a venda do BPN, por 40
milhões de euros, ao BIC, banco angolano de Isabel dos Santos, filha do
presidente José Eduardo dos Santos e de Américo Amorim, que tinha sido o primeiro
grande acionista do BPN.
O BIC é dirigido por Mira Amaral, que foi ministro nos três governos
liderados por Cavaco Silva e é o mais famoso pensionista de Portugal devido à
reforma de 18.156 euros por mês que recebe desde 2004, aos 56 anos, apenas por
18 meses como administrador da CGD.
O Estado português queria inicialmente 180 milhões de euros pelo BPN, mas o
BIC acaba por pagar 40 milhões (menos que a cláusula de rescisão de
qualquer craque da bola) e os contribuintes portugueses vão meter ainda mais 550
milhões de euros no banco, além dos 2,4 mil milhões que já lá foram
enterrados. O governo suportará também os encargos dos despedimentos de mais de
metade dos atuais 1.580 trabalhadores (20 milhões de euros).
As relações de Cavaco com antigos dirigentes do BPN foram muito criticadas
pelos seus oponentes durante a campanha das eleições presidenciais de
janeiro último. Cavaco Silva defendeu-se dizendo que apenas tinha sido
primeiro-ministro de um governo de que faziam parte alguns dos trafulhas. Mas os
responsáveis pela maior fraude de sempre em Portugal não foram apenas
colaboradores políticos do presidente, tiveram também negócios com ele.
Cavaco também beneficiou da especulativa e usurária burla que levou o BPN à
falência. Em 2001, ele e a filha compraram (a um euro por ação, preço feito
por Oliveira e Costa) 255.018 ações da SLN, o grupo detentor do BPN e, em
2003, venderam as ações com um lucro de 140%, mais de 350 mil euros.
Por outro lado, Cavaco Silva possui uma casa de férias na Aldeia da Coelha,
Albufeira, onde é vizinho de Oliveira e Costa e alguns dos administradores
que afundaram o BPN. O valor patrimonial da vivenda é de apenas 199. 469,69
euros e resultou de uma permuta efetuada em 1999 com uma empresa de
construção civil de Fernando Fantasia, acionista do BPN e também seu vizinho no
aldeamento.
Para alguns portugueses são muitas coincidências e alguns mais divertidos
consideram que Oliveira e Costa deve ser mesmo bom economista: num ano fez as
ações de Cavaco e da filha quase triplicarem de valor e, como tal, poderá
ser o ministro das Finanças certo para salvar Portugal na atual crise
económica. Quem sabe, talvez Oliveira e Costa ainda venha a ser condecorado em vez
de ir parar à prisão.
O julgamento do caso BPN já começou, mas os jornais nem sequer têm falado
nisso. Há 15 arguidos, acusados dos crimes de burla qualificada, falsificação
de documentos e fraude fiscal, mas nem sequer se sentam no banco dos réus.
Os acusados pediram dispensa de estarem presentes em tribunal e o Ministério
Público deferiu os pedidos. Se tivessem roubado 900 euros, o mais certo era
estarem atrás das grades, deram descaminho a nove biliões e é um problema
político.
Nos EUA, Bernard Madoff, autor de uma fraude de 65 biliões de dólares, já
está a cumprir 150 anos de prisão, mas os 15 responsáveis pela falência do
BPN estão a ser julgados por juizes amigos, vão apanhar talvez pena suspensa e
ficam com o produto do roubo, já que puseram todos os bens em nome dos
filhos e netos ou pertencentes a empresas sediadas em paraísos fiscais.
Oliveira e Costa colocou as suas propriedades e contas bancárias em nome da
mulher, de quem se divorciou entretanto após 42 anos de casamento. Se
estivessemos nos EUA, provavelmente a senhora teria de devolver o dinheiro que o
marido ganhou em operações ilegais, mas no Portugal dos brandos costumes
talvez não aconteça.
Dias Loureiro também não tem bens em seu nome. Tem uma fortuna de 400
milhões de euros e o valor máximo das suas contas bancárias são apenas cinco mil
euros.
Não há dúvida que os protagonistas da fraude do BPN tinham-na fisgada,
preveniram eventuais consequências e seguiram a regra de Brecht: “Melhor do que
roubar um banco é fundar um”.
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