A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, novembro 16, 2012

José Pacheco Pereira - a lagartixa e o jaccaré




Recolha de informação para memória futura.

QUINTA-FEIRA, 15 DE NOVEMBRO DE 2012


Esquerda mole, esquerda dura e esquerda violenta



JOSÉ PACHECO PEREIRA Professor
Revista SÁBADO 15 NOVEMBRO 2012

Quem esteja atento à conflitualidade social e política, expressa publicamente através de manifestações, protestos e greves, percebe que ela está a chegar a um impasse claro na sua mobilização e nos seus efeitos
  
1-Escrevo a um dia da greve geral e depois das manifes­tações contra Merkel, mas penso que o dia da greve não alterará muito do que aqui fica registado. Quem esteja atento à conflitualidade social e po­lítica, expressa publicamente através de manifestações, protestos e greves, per­cebe que ela está a chegar a um impasse claro na sua mobilização e nos seus efei­tos. Cresceu, cresceu muito, mas parece ter atingido um limite difícil de ultrapas­sar. Apenas os movimentos de conteú­do mais corporativo, abrangendo secto­res profissionais, têm vindo a aumentar e a consolidar a sua reivindicação públi­ca, como é o caso dos polícias, dos esti­vadores e dos militares.

2-O Governo escusa de ficar contente com este facto, porque a imensa raiva que a sua política está a gerar, a profun­da desconfiança com governantes e po­líticos, o sentimento de incompetência, desprezo, insensibilidade e mesmo trai­ção estão a crescer exponencialmente. Quando, em Janeiro de 2013, tudo pio­rar ainda mais, e quando, em meados de 2013, novas medidas de austeridade mais gravosas tiverem de ser aplicadas face a mais um incumprimento dos nú­meros da troika, o Governo fará outra edição do "custe o que custar", e essa raiva será a pior das conselheiras. Mas isso é o quadro mais amplo, o fundo.

3-As manifestações como a de 15 de Setembro e a contra Sócrates no ano pas­sado são de natureza diferente. Elas mostram uma recusa generalizada da elite partidária do poder, mas em mui­tos aspectos não diferem da actual nar­rativa governamental sobre as causas da crise, em particular o "viver acima das nossas posses". É por isso que podem fa­cilmente ser "engolidas" pelo poder po­lítico, sem consequências. Nelas se en­contram as pessoas que protestam con­tra os cortes nas pensões, mas são contra as greves; as que acham um abuso os impostos, mas pensam que os trabalha­dores da função pública têm regalias a mais, e por aí adiante. Não são por isso de esquerda.

A MOLE
4-Comecemos pela esquerda mole, ou seja o PS. Sem o PS nada se faz, com o PS nada se faz, este é o dilema dos que querem pensar ou "trazer" o PS à es­querda, o que é a mesma coisa. O PS tornou-se, antes de tudo, como o PSD, uma partidocracia de governo, que não co­nhece outras regras que não seja man­ter lugares, carreiras, território e influên­cia partidária. Não há nem identidade política, nem ideológica, nem sequer a expressão de interesses sociais e isso verifica-se numa altura em que a crise atin­ge profundamente as bases sociais dos dois partidos e acaba por não ter expres­são no topo. A lógica do topo é apenas a da partidocracia e por isso misturam-se com o establishment que servem e ab­sorvem todo o pensamento balofo que para aí circula. A geração de Seguro e de Passos Coelho nos partidos transporta consigo uma enorme necessidade de respeitabilidade, eles sabem que os de cima, com quem lidam, não os respei­tam, e os de baixo os não consideram, e por isso são pouco mais do que intér­pretes do mainstream dos interesses já estabelecidos.

5-Por isso, o PS é a grande dificuldade de toda a esquerda, porque no fundo quem chega à sua direcção não é de es­querda, como quem chega à direcção do PSD não é social-democrata. Entalado entre o silêncio incomodado de Seguro sobre Sócrates, o PS é sempre presa fá­cil para a propaganda governamental e para a sua narrativa da crise. Por outro lado, se assumisse o socratismo, insti­tucionalizaria um keynesianismo cor­rupto, pragmático e oportunista, tão de-sertificador como a actual indecisão es­tratégica e fala-baratismo táctico. Vai ser difícil sair disto.

A MOLE-DURA
6-Classificar o Bloco de Esquerda não é difícil: é hoje um partido socialista ra­dical, próximo de partidos como era o PSU e o PSIUP no passado em França e Itália. No fundo, foi sempre este o pro­jecto de muitos trotskistas, e ele foi com­seguido. O problema do BE é que é pou­co para a crise que se vive, o que torna a sua posição demasiado indistinta. Re­duzido à sua dimensão parlamentar, tem vindo a perder a rua mais radical, deixando a mobilização preguiçosa, fá­cil e enganosa nas redes sociais sobre-por-se à organização pura e dura. Com isto, e aqui os comunistas têm razão, os governos podem bem. Está por isso inó­cuo e acaba por ficar dependente ape­nas da evolução do PS, que é um pouco esperar sentado por um milagre.

A DURA
7-A esquerda dura é o PCP e a CGTP e é composta por um contínuo social e político muito consistente e entreteci­do. Tem uma história, tradições, famí­lias e identidade. Tem uma base social com muito maior homogeneidade do que o PS e o BE e essa base social está em grande parte organizada no partido e nos sindicatos por mecanismos de en­quadramento e mobilização. Não há nada de semelhante em qualquer outro partido, e a comparação que fazia senti­do com o PSD do passado já não tem sentido no PSD do presente.

8-A direcção de Jerónimo de Sousa trouxe um ainda maior reforço de iden­tidade, levando o PCP pela primeira vez na sua história a fazer manifestações como partido e não disfarçado de CDU, ou de qualquer outro rótulo unitário. Jerónimo não suscita o respeito reve­renciai de Cunhal, mas também não re­produz o seu afastamento aristocrático, não desejado mas real. Jerónimo é um deles, próximo e igual, que transporta consigo o mundo da base comunista como ninguém o fez nunca na história do PCP, a que acrescenta a força e a em­patia gerada por ser o único líder polí­tico que no parlamento fica genuina­mente indignado com a sorte dos seus e dos portugueses. É por isso que ele pode sair à rua e ser recebido com esti­ma por muitos que não são comunistas mas que reconhecem a sua genuinida­de. E também por isso travou a crise do PCP, embora não a tenha resolvido. Mas é um facto que o PCP sobreviveu me­lhor à crise do que muitos outros parti­dos europeus, e é impossível falar da es­querda activa e que existe sem falar do PCP. Em França, o PCF, por exemplo, é muito irrelevante.

9-Mas o PCP, ao reforçar a identidade, está a acentuar o seu acantonamento, as suas fronteiras e os seus limites. Usa e abusa da linguagem de pau, como é o caso da designação canónica do acordo com a troika de "pacto de agressão", e tendo a parte de leão na resistência or­ganizada ao Governo, das vaias às gre­ves, parece ter atingido uma barreira de crescimento que a prazo se revelará como impotência.

10-A CGTP tem resistido à crise melhor do que a UGT, perdida nas suas contra­dições. Mas a CGTP com a sua nova li­derança - que é um erro considerar in­capaz - tem tido, também como reflexo do PCP, um processo de auto-afirmação sectária, que lhe pode dar capacidade de organização, mas que dificulta a mobi­lização. Não se compreende do ponto de vista da eficácia, por exemplo, da greve geral, que a CGTP não apareça genuina­mente interessada em obter a adesão dos sindicatos da UGT. Pode-se dizer que muitos vão aderir, mas o impacto de uma greve conjunta das duas centrais seria maior. No actual contexto de contínuas humilhações à UGT, seria difícil, face a um esforço de entendimento e consulta efectivo, a sua direcção recusar uma gre­ve em que os interesses de alguns dos seus principais sectores sindicais (função pública, banca, seguros) são dos mais afectados pelas medidas do Governo.

E A VIOLENTA

11-Existe hoje uma esquerda violen­ta e essa esquerda está a recrutar nos fi­lhos da classe média radicalizada. Seria de estranhar que assim não fosse. As di­visões no BE, com a criação do Movi­mento Alternativa Socialista, mais ra­dicalizado, e alguns movimentos de aliança entre franjas do BE, jovens comunistas-leninistas, trotskistas desirmanados, no Movimento Sem Empre­go, jornais e revistas como Rubra, vá­rias páginas do Facebook, alguns neo-anarquistas, estão a dar origem aos gru­pos que ficam no fim das manifestações diante dos polícias a ver se há pancada.

12-Os comunistas desconfiam deles, que acham demasiado folclóricos para seu gosto, e compreendem o efeito per­verso da simulação simbólica da vio­lência para as câmaras verem, sem con­sequências. Com máscaras de Guy Fawkes, lenços palestinianos a cobrir a cara, parcas a esconder a cabeça e mui­tos arremedos diante dos polícias, der­rubando as barreiras, o que, já se per­cebeu pelo comportamento da polícia, não é considerado motivo para carga, e ficando ali a provocar com petardos e garrafas de cerveja, diante dos robocops, acabam por prestar um péssimo servi­ço à violência revolucionária que pre­tendem encenar. Um bom português, amigo dos forcados amadores, dirá "se eles vão lá para a porrada, porque é que não andam à porrada?" Parecem aque­les que dizem "segurem-me senão vou-me a eles", e não vão.

13-O que se passa no conjunto de to­das as esquerdas, moles, duras e violen­tas é a sua enorme divisão não só estra­tégica como táctica. As suas ideias são diferentes, as suas práticas são diferen­tes, os seus motivos são diferentes. Enormes diferenças geracionais, de es­tilo, cultura política e, acima de tudo, de condição social pesam sobre esta desunião de forma até agora decisiva. Não podem mobilizar a gigantesca for­ça latente que a crise gerou - a recusa populista dos partidos e a raiva contra os políticos - e por isso acantonam-se nos seus territórios entre a nostalgia e a encenação. Vão acabar por votar Se­guro contra Passos Coelho e é difícil encontrar destino mais irónico para a esquerda portuguesa.

Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré provérbio popular



ABRUPTO

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