A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, dezembro 31, 2012

Agostinho Lopes - Reflexões à volta da crise e da troika


Nº 315 - Nov/Dez 2011 • Economia

(Para uma história da absolvição da política de direita e do silenciamento do PCP)

Reflexões à volta da crise e da troika

A gravidade da situação económica e social decorrente da fase actual da crise sistémica do capitalismo, obriga a classe dominante (a burguesia) a um extraordinário esforço de manipulação e diversão ideológica. Uma numerosa coorte de jornalistas, comentadores, articulistas, especialistas «sociais» – economistas, sociólogos, politólogos e filósofos… – é mobilizada e faz horas extraordinárias para explicar, justificar, esconder, as causas e os responsáveis pelo desastre.

A chegada da troika e um pacto de agressão
A chegada da troika e a imposição de um pacto de agressão, pela brutalidade das suas medidas, pela irracionalidade económica das suas soluções, pela regressão social que representam, causando revolta, indignação, perplexidade, obrigam escribas e comentadores de serviço a refinarem a campanha de manipulação e diversão.

Duas «ondas» mediáticas, não separáveis, cresceram nos principais órgãos da comunicação social e no discurso político, sobretudo no realizado por «não políticos».
Uma, bem presente a partir da decisão do governo PS/Sócrates de solicitar a intervenção da troika, que atravessou a campanha eleitoral até ao dia das eleições (5 de Junho).

Englobava um conjunto de explicações simplistas, justificações tautológicas, generalizações abusivas e sofismas evidentes sobre a necessidade da intervenção externa, via troika (FMI/BCE/CE).

Integram-na a conhecida tese «todos somos responsáveis pela situação a que o país chegou», em várias versões. Uma tentativa pura e simples, em período eleitoral, de ocultar as políticas e os responsáveis políticos (partidos e forças sociais) que governaram e conduziram a governação ao longo dos últimos 35 anos. Outra versão, foi a apelativa frase de que «vivemos acima das nossas possibilidades». Isto é, a extraordinária ideia de que «vivemos todos», os ricos e os pobres, a oligarquia financeira e os trabalhadores e pensionistas de baixas reformas. Os que enriqueceram e os que, ao longo dos últimos anos, empobreceram e se endividaram! Os grupos monopolistas, que concentraram e centralizaram capital, e as pequenas empresas – o grosso do tecido económico nacional – que faliram e sobreviveram por recurso ao crédito. O Estado que investiu e fez despesa nas funções sociais e o Estado que transferiu rendas e dinheiros públicos para a especulação financeira e os grupos económicos.

Apareceu, também, a versão da «inoportunidade de esclarecer as origens e causas da crise», em nome de que era então altura de lhe dar resposta, como se fosse possível acertar com o remédio sem conhecer a doença. Era sem dúvida nenhuma eleitoralmente muito importante para o PS, PSD e CDS/PP… ocultarem as causas da crise!

Uma quarta versão, a «exigência do consenso universal», que suportada pela gravidade da situação – era como se o país estivesse perante uma catástrofe natural – exigiria que todos estivessem de acordo para assumir como boa e única e inevitável a solução do «Memorando de Entendimento» da troika (quer na sua primeira formulação PEC IV, chumbada na Assembleia da República, quer na fórmula agravada, imposta pelo FMI/CE/BCE).

Um governo para executar o programa da troika
A segunda «onda» surge no período pós-eleições, bem articulada com a concretização do programa da troika, pelo novo Governo PSD/CDS-PP. Mas agora, mais do que explicar a crise, há que «ajudar» a suportar a violência da «medicina». Um objectivo central: permitir/facilitar a aceitação, produzir a resignação dos trabalhadores, do povo português duramente atingidos nos seus direitos e condições de vida, confrontando-os com a pretensa «inevitabilidade» das medidas, explorando o atordoamento decorrente da brutalidade, dimensão e intensidade da agressão e regressão, que muitos e muitos nunca julgaram ser possível no Portugal de Abril!

A crise como catástrofe natural
Uma primeira grande operação é a «naturalização» das causas da crise, neutralizando ideológica e politicamente as suas origens (o capitalismo, a integração capitalista europeia, as políticas de direita de sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP). Se os problemas decorrem de causas «naturais», do «natural» funcionamento da economia, se tudo acontece como num desastre da natureza, um tsunami ou terramoto, que se há-de fazer?, o que tem de ser, tem que ser e tem muita força, resignemo-nos… Se todos estávamos a gastar demais, a solução é cortar e gastar menos, cada um de nós, e o que o Estado gasta connosco, em saúde, em educação, em pensões e subsídios! Naturalmente, que ocultando a violenta e brutal desigualdade e discriminação com que essas medidas atingem as diversas classes e camadas sociais… este «raciocínio» suporta igualmente a «inevitabilidade» das medidas da troika e do Governo, as medidas boas são únicas, e são as que o Governo propõe e aprova! Mesmo quando o próprio Governo manda efectuar estudos que põem em causa a bondade de alguma medida, como sucede com a redução da TSU!

As idiosincrasias do povo português
Uma outra tese, bem disseminada, que vem de longe, mas que ganhou um fôlego surpreendente, é a que radica a situação e os problemas do país, e as muitas crises que o atravessam (económica, social, da justiça, …), na(s) idiossincrasia(s) do povo português.
Genéticos ou adquiridos por educação (ou ausência dela), estes «defeitos» dos portugueses, bem soprados por sociais-democratas, conservadores e outros reaccionários do Norte e Centro da Europa, com os da Alemanha à cabeça – (a notação PIGS é um exemplo!) –, justificam o que de outra forma ficava a cargo da integração capitalista europeia e em particular do Euro. Assim, se (re)descobriu que somos indolentes, preguiçosos, indisciplinados, gastadores (mais do que as suas posses!) e atreitos à corrupção. Pau neles…

Logo há que agir: facilitar e embaratecer o despedimento (sob pressão, o trabalhador deve ter a obsessão da produtividade da empresa!), reduzir e dificultar o acesso ao subsídio de desemprego (só assim os trabalhadores procurarão novo emprego, senão, a maioria está de costas ao alto em casa, a viver do subsídio!); aumentar as taxas moderadoras, para travar este vício atávico e sado-masoquista dos portugueses para frequentar serviços de urgência, centros de saúde, hospitais e fazerem análises clínicas! Etc., etc…Como é fácil ver, o nosso problema, individualizado no cidadão ou colectivo, «natural de certas classes», tem origem comportamental, pelo que uma legislação repressiva, que favoreça a disciplina, a retirada de «benesses e privilégios» do Estado social, uma «boa polícia» e a autoridade «paternal» do patronato (com a faca e o queijo na mão), resolverão quase tudo!

O Estado «gordo»
Outra tese, repetida até à saciedade, é a «diabolização do Estado e do funcionalismo público, da Despesa Pública». Fundada nos princípios e práticas do neoliberalismo, alimentada pelas políticas comunitárias, persegue-se uma reconfiguração do Estado, que elimine as funções e atribuições que, no quadro da criação da URSS e da comunidade socialista, as lutas dos trabalhadores e dos povos no século XX conquistaram nos Estados capitalistas desenvolvidos. Conquistas que em Portugal têm a idade da Revolução de Abril.´

A crise capitalista em curso surge como uma oportunidade de ouro para a liquidação do dito Estado social, as «gorduras» na linguagem de marchantes políticos do PSD/CDS-PP. Cortes na saúde, na educação, nos apoios sociais. É ainda a persecução do dito Estado «regulador», afastado, pelas privatizações e liberalizações da produção de bens e serviços essenciais – energia, água, serviço postal, comunicações e transportes – inteiramente submetido ao império do capital financeiro e grupos económicos monopolistas. É a tese primeira (e aparentemente única) do actual Ministro da Economia, para quem a causa única da situação do país é o «Estado desproporcionado», o «Estado omnipresente e despesista», o Estado «imune à austeridade»! Não explicou o Prof. Álvaro SP como calculou a «obesidade» do Estado. Mas olhando para o Peso da Despesa Pública Total no PIB não se percebe como o Estado português é «gordo», comparando os seus 49,8% em 2009, com a Áustria – 52,9%; Finlândia – 56,0%; Irlanda – 48,20%; Bélgica – 54,0%; Dinamarca – 58,3%; Holanda – 51,4%; Suécia – 54,9%; Grécia – 52,7%; França – 56,2%; Itália – 51,9% e Reino Unido – 51,6%, ou com uma média da União Europeia e da Zona Euro, 50,8%!

O regime de Abril, «obstáculo» à felicidade do povo português
Outra tese/operação que há muito se desenvolve, umas vezes em surdina, rastejante, outras vezes em estilo catedrático e solene, outras no correio do leitor, é a responsabilização do regime político e democrático de Abril e a sua configuração jurídico-política, a Constituição da República, pelos problemas que o país enfrenta. Seguramente a mais perigosa, tem na «crise» uma oportunidade para tentar uma machada mortal na Revolução de Abril! O que está em marcha, por via legislativa ordinária, e sem, para já, revisão formal da Constituição.

Pronunciamentos a esmo, uns bem antigos, outros agora «criados» à arreata da troika, centram-se, no que poderemos chamar «os elementos formais» (apesar da sua substancial e material importância) do regime democrático. Os elementos que regulam o «fazer política» e o acesso ao poder político. Concentram-se os «críticos» no regime eleitoral (número de deputados, círculos eleitorais, composição do executivos autárquicos, etc.), no sistema judicial (independência dos tribunais e do ministério público, etc.), e agora, numa dita «reorganização administrativa» (que se traduz, por razões de pretensa despesa pública, numa agregação de freguesias e municípios, e redução do número de eleitos, com justificação meramente técnico-estatística).

Aproveitando-se dos comportamentos políticos dos partidos (e respectivos eleitos) que têm sido governo (PS, PSD e CDS) e da propagandeada necessidade do corte de «gorduras» do Estado, suportados por uma argumentação fraudulenta e extrapolações inaceitáveis, julgam que o momento é propício aos seus objectivos.

Vale a pena referir cinco comportamentos, que transformados em «cultura» e praxis políticas daqueles partidos (PS, PSD e CDS-PP) facilitaram/ajudaram a cavar fundo na opinião pública a sustentação da tese «os partidos são todos iguais», «os deputados só querem poleiro» (para tratar dos seus interesses pessoais), «os deputados/eleitos são preguiçosos/não trabalham», etc.
– Promessas eleitorais, sucessiva e repetidamente não cumpridas, de que provavelmente o «não aumento de impostos» é um exemplo multiplicado ao infinito;
– Comportamento dúplice, «bipolar», no Governo e na oposição, fazendo e afirmando nesta o que depois se nega no Governo e vice-versa;
– Com excepções, mas particularmente visível nos deputados da AR, o quase completo desligamento e abandono dos eleitores e populações que os elegeram, com quebra dos compromissos eleitorais assumidos;
– O voto parlamentar ao arrepio do que foram propostas/opiniões suas na oposição, ou nas campanhas eleitorais, na melhor das hipóteses, «votações» com declaração de voto «sossega consciência»!
– A endémica «corrupção» e o tráfico de influências que atravessam aqueles partidos, nomeadamente com o deslizar de gente das cadeiras do poder para as administrações das grandes empresas públicas e privadas e vice-versa! (Problema hoje, numa fronteira e confusão perigosa, com a tentativa da criminalização da decisão e governação política, assim absolvendo as políticas e opções políticas!)
Comportamentos em geral «esquecidos» dos media, que assim dão forte contribuição para a amnésia persistente, para a confusão reinante e para a cacofonia de uma «classe política» que não existe… nomeadamente não fazendo a pedagogia da diferença, não inserindo «os factos», «os acontecimentos» nos processos políticos que os determinam, etc. Mas que têm uma particular e múltipla utilidade política e ideológica.
– Se os problemas, estrangulamentos e obstáculos, estão nos «elementos formais» do regime democrático, então estão absolvidas as opções políticas centrais e o conteúdo concreto das políticas levadas a cabo ao longo dos últimos 35 anos pelo PS, PSD e CDS. Se os problemas do país é do número de deputados ou da dimensão do círculo eleitoral, então qual a responsabilidade política dos deputados desses partidos pelo que aconteceu? E bastará fazer essas alterações, e não mudar de políticas, para que os problemas se resolvam!
– Se os problemas, e mesmo as causas da crise estão no regime democrático e por extensão na Constituição da República – alguns atrevem-se a falar do esgotamento do regime de Abril! – então a solução é a subversão do regime democrático e a liquidação da Constituição!
Os responsáveis políticos e de classe da crise nacional
Na campanha de manipulação e diversão em torno da crise nacional, da sua natureza e origem e dos caminhos e medidas para lhe responder, pesa também uma persistente e cultivada amnésia política, um pesado manto de silêncio e cortinas de fumo ideológico.
Não será estranho que poucos se espantem que o Programa do XIX Governo Constitucional (PSD/CDS-PP), 37 anos depois do 25 de Abril coloque como objectivo «uma estratégia destinada a inverter a desindustrialização do país registada nos últimos anos e promover uma reindustrialização (…)»? Noutro plano, é admirável ver um representante do Grupo Mello, João de Mello, Presidente da Associação da Indústria da Petroquímica, Química e Refinação (AIPQR) e da CUF, a perguntar: «Está na altura de saber se queremos um país produtivo, com um tecido industrial competitivo, ou se Portugal está condenado a ser um fornecedor de serviços, uma espécie de centro comercial, condenada a importar a generalidade dos bens de que necessita (…)» (porta-voz de um grupo económico que abandonou o sector produtivo, tendo vendido a Tabaqueira, adquirida por privatização, à Philips Morris e que está focado na produção de bens não transaccionáveis: auto-estradas, saúde, etc.).

E não é que o país assiste espantado a Cavaco Silva, como Presidente da República reclamar e clamar pela defesa da agricultura, da pesca e do mar!

Será que os «criminosos» arrependidos, num acto de profunda contrição, reconhecem os seus erros e querem emendar a mão? De facto, procuram alimentar a enorme campanha de mistificação e propaganda que procura fazer crer que a causa da situação do país é órfã de pai e mãe, não tem causas nem responsáveis.

Identificados mas não conhecidos
Ora, hoje, estão perfeitamente identificados, o que não significa conhecidos, os responsáveis políticos e de classe pelas opções, orientações e políticas que conduziram o país ao buraco financeiro em que se encontra, os responsáveis pela extraordinária dimensão da dívida externa, pública e privada.

Os responsáveis políticos são os partidos e os seus dirigentes e os seus deputados, que, ao longo destes anos, no Governo e na oposição, aprovaram as opções, orientações e políticas de sucessivos governos – recuperação capitalista, latifundista e imperialista, a adesão à CEE e o apoio a uma integração comunitária crescentemente assimétrica, a adesão ao Euro, as políticas de destruição do tecido produtivo nacional – o PS, o PSD e o CDS! Os mesmos que acabaram de subscrever em Maio o Memorando da troika.

Os responsáveis de classe, os grandes grupos económicos monopolistas, reconstituídos e fortalecidos por aqueles partidos nas suas políticas de recuperação capitalista, nomeadamente através das privatizações e liberalizações, da predação dos trabalhadores, MPME e recurso públicos. Os grupos monopolistas que, sempre em profunda simbiose com os «seus» governos, apadrinharam e aproveitaram-se daquelas opções, orientações e políticas, para concentrarem e centralizarem o capital, crescendo e reforçando o seu poder económico e político!

Uma nova diversão do PS – o federalismo
Na pós-derrota eleitoral de 5 de Junho, encaixado no desenvolvimento «criativo» da campanha de manipulação e diversão, o novo PS de António José Seguro, descobre o novo caminho (das pedras): o federalismo, ou melhor o avanço do federalismo na União Europeia! E não está só, porque há também um outro «federalismo» à esquerda…

E com este federalismo (e os seus instrumentos: eurobonds, governo económico, etc.) pretende matar vários coelhos.

Atira para fora do país as razões das nossas dificuldades e problemas, aliviando as responsabilidades do PS, no passado. As razões estão na União Europeia, que não é tão federalista quanto devia ser… E anuncia iniciativas junto dos outros partidos sociais-democratas da Europa, para uma acção comum, por uma União Europeia solidária e etc…
Marca diferenças relativamente ao Governo PSD/CDS, mergulhado na execução do programa da troika, que assinaram os três…, e a quem Merkel e Sarkozy indicam/impõem o caminho da recessão económica, isto é do desastre nacional!

Evita abordar as causas centrais da crise em Portugal e pronunciar-se sobre as medidas da troika, de que é co-responsável com PSD e CDS-PP, apontando para uma não resposta aos problemas concretos do país.

Não é propriamente uma grande novidade a descoberta de A. J. Seguro. É a solução de políticos e ideólogos neoliberais, da social-democracia aos conservadores – em Portugal gente do PS, PSD e CDS – que, confrontados com a brutal realidade da integração europeia e do euro (a pedra sobre a qual Guterres ia construir a sua Europa), pondo a nu toda a propaganda, todas as fraudes e mentiras que ao longo de 25 anos foram impingidas sobre uma União Europeia de «coesão económica, social e territorial e de solidariedade entre os Estados-membros» (ainda hoje inscrita nos Tratados). Percebe-se, é necessário ensaiar velhas e novas explicações e justificações e inventar soluções miraculosas para a dramática situação que Portugal e outros países da periferia europeia enfrentam!

Com o que entramos no reino da mitologia. O mito dos pais fundadores da CEE/União Europeia e dos líderes inspirados que se lhes seguiram. O tempo do paraíso comunitário, em que o feroz leão convivia com o manso cordeiro, onde não havia «egoísmos nacionais»! Os «grandes e desinteressados» líderes, guiados pelo ideal de uma Europa unida e solidária, que conseguiram o facto notável de mais do que duplicar o número de Estados-membros no alargamento a Leste, reduzindo o Orçamento Comunitário!

Há mais de um ano que Estados-membros soberanos como a Grécia, a Irlanda e Portugal soçobram perante a chantagem e agiotagem dos chamados mercados financeiros e agências de rating. Situação que decorre sob as declarações e conciliábulos dos membros do Directório das grandes potências, com a França e a Alemanha à cabeça.
Quem depois de tudo isto julgar que a solução passa pelo reforço do comando político e económico do Directório, via soluções federalistas, como não é possível admitir ingenuidade ou boa fé, tal desígnio, só pode ser cúmplice dessas políticas. Não há mais margem para ambiguidades e dúvidas.

O silenciamento do PCP, uma estratégia de ocultação
Mas a campanha do pensamento dominante em Portugal não é apenas de manipulação e diversão. Acumula e integra uma deliberada estratégia de ocultação do PCP.

O silenciamento da justeza das suas posições passadas. É notável que reconhecendo-se hoje que o país tem um significativo défice nos sectores produtivos, não haja, nas lamúrias sobre o tema, alguém que diga: os comunistas tinham razão quando ao longo das três últimas décadas chamavam a atenção para a destruição da estrutura produtiva na agricultura, nas pescas, na indústria! E são muitos, os que hoje descobrindo e falando do desastre que foi a adesão ao Euro, para a competitividade das nossas empresas, na perda de importantes instrumentos económicos pelo Estado, ou da sua dependência absoluta dos mercados financeiros… não conseguem lembrar-se das posições do PCP sobre o assunto!

A desvalorização e apagamento das suas propostas no presente. Poder-se-ia falar das medidas avançadas em matéria de energia, crédito ou fiscalidade, na saúde e na educação, e para as pequenas empresas. Fixemo-nos na proposta de renegociação da dívida apresentada a 5 de Abril, antes ainda do pedido do Governo de intervenção da troika e formalizada em iniciativa parlamentar por Projecto de Resolução debatido a 20 de Julho. A falência do programa da troika, bem visível nas novas e draconianas medidas de austeridade presentes no OE para 2012, evidenciam, como muitos analistas e comentadores de diversas áreas político-ideológicas referem, a necessidade de mais tempo para pagar a dívida e condições para o crescimento económico. Isto é, renegociar a dívida, como o PCP propôs e propõe.

Aliás, quando se diz «somos todos culpados ou responsáveis», quando se afirma que «todos os partidos são iguais» ou se responsabiliza uma anónima «classe política», é da ocultação do PCP, do silêncio sobre as suas posições e prevenções, da negação das suas propostas que se trata.

Uma tentativa de anulação do PCP, como núcleo central de qualquer alternativa futura que não se limite a gerir o capitalismo.

Não o conseguirão.

http://www.omilitante.pcp.pt/pt/315/Economia/649/Reflex%C3%B5es-%C3%A0-volta-da-crise-e-da-troika.htm

domingo, dezembro 30, 2012

Arrendamento Despejos em quatro meses e sem recurso a tribunal

Correio da Manhã
Arrendamento

Despejos em quatro meses e sem recurso a tribunal

Despejos demoravam 16 meses, agora são possíveis ao fim de quatro. Conheça a nova lei das rendas no CM
Por:Diana Ramos 

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30-07-2012 19:21 por Matilde Torres Pereira






Saiba o que muda com a nova lei do arrendamento

Cavaco Silva já promulgou o diploma. Despejos facilitados, contratos sem limite mínimo ou novas regras no que toca a obras são algumas das mudanças


A nova lei do arrendamento urbano entra em vigor já em Novembro deste ano, depois de ter sido promulgada esta segunda-feira pelo Presidente da República. A Renascençapreparou um guia que descreve as principais mudanças.
 

ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTERIORES A 1990 
Os principais visados pela nova lei das rendas são aqueles que têm casa arrendada há mais de 22 anos, uma situação na qual estão cerca de 250 mil arrendatários, muitos com rendas de valor baixo. Em Novembro pode arrancar o processo de negociação das rendas antigas, que tem algumas regras.

Primeiro, o proprietário do imóvel apresenta um valor ao inquilino do que pretende receber de renda. O inquilino pode aceitar o valor ou apresentar um novo, caso não concorde. Se não se chegar a acordo, a média dos valores deve servir como o valor de referência para uma indemnização.
Nesse caso, o senhorio pode denunciar o contrato, com o pagamento da indemnização equivalente a cinco anos de renda igual ao valor médio das duas propostas, ou actualizar a renda de acordo com o valor da habitação, considerando-se o contrato com prazo certo de cinco anos.
Em caso de denúncia do contrato, o inquilino terá um período de três meses, em que a renda não é actualizada, para deixar a habitação.
CASOS ESPECIAIS NA ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTERIORES A 1990
Caso o inquilino tenha mais de 65 anos ou um grau de incapacidade superior a 60% - aquilo a que o Governo chama "casos socialmente relevantes" –, aplicam-se as novas regras de negociação (salvo se houver situação de carência económica), mas não pode haver despejo.

Se houver situação de carência económica, há regras específicas para os primeiros cinco anos de aplicação da lei. Neste período, os agregados familiares que tenham rendimentos até 500 euros brutos não podem pagar mais de 10% do seu rendimento - por exemplo, se o rendimento for de 500 euros, a renda não pode ser superior a 50 euros. As famílias com rendimentos entre 501 e 1500 euros não podem ter uma taxa de esforço superior a 17% - por exemplo, rendimentos brutos de 1500 euros pagam renda máxima de 255 euros. A última excepção é para rendimentos entre 1501 e 2425 euros, que ficam sujeitos a uma taxa de esforço de 25% - rendimentos de 2425 euros, por exemplo, pagam renda máxima de 606,25 euros.
Após os primeiros cinco anos de aplicação da lei, a renda pode ser actualizada a valores de mercado. Caso se comprove insuficiência económica para fazer face à renda actualizada, o contrato pode cessar, competindo à Segurança Social encontrar resposta.
DESPEJOS MAIS RÁPIDOS
Com a nova lei é criado o balcão nacional de arrendamento, um mecanismo especial de despejo célere que corre, tanto quanto possível, por via extrajudicial. Há apenas recurso ao tribunal para acautelar o direito do inquilino.

O senhorio pode iniciar o processo de despejo se o inquilino não pagar a renda dois meses seguidos, quando actualmente é preciso não pagar três rendas.
O atraso no pagamento da renda também é motivo de cessação do contrato: se o inquilino pagar a renda com mais de oito dias de atraso e se isto acontecer em cinco meses seguidos ou cinco vezes interpoladas no período de um ano, então o senhorio pode iniciar o processo de denúncia do contrato.
O Governo espera que esta medida acelere o processo de despejo, mas especialistas duvidam da eficácia da medida e esperam um aumento significativo dos litígios, que acabarão nas mãos de um juiz, com as demoras que são conhecidas.
OBRAS E DEMOLIÇÕES
Em caso de necessidade de demolição do imóvel ou obras profundas que obriguem à desocupação, o contrato cessa com indemnização, salvo no caso de idade igual ou superior a 65 anos ou de incapacidade superior a 60%, em que há sempre lugar a realojamento em condições análogas.

O senhorio já não é obrigado a realojar inquilinos com idade inferior a 65 anos. O senhorio passa ainda a poder denunciar o contrato para demolição ou obras profundas por mera comunicação, quando anteriormente tinha de recorrer a via judicial.
CONTRATOS DEIXAM DE TER LIMITE MÍNIMO
Vai passar a ser possível arrendar imóveis por um período inferior a cinco anos. Até agora, os contratos de arrendamento tinham esse como período mínimo, mas, a partir da entrada em vigor da lei, o tempo de arrendamento é definido entre inquilino e proprietário, que podem acordar o tempo que entenderem.

Caso não sejam estipuladas datas entre as duas partes, considera-se celebrado o contrato por dois anos.
TRANSMISSÃO DOS CONTRATOS
Há ainda alterações para os contratos antigos e para os contratos novos no campo das transmissões.

Por exemplo, no caso em que um herdeiro do senhorio original toma a posse do imóvel e quer terminar o contrato com quem lá vive, pode fazê-lo se for o legítimo proprietário desde há dois anos, quando actualmente teria de esperar cinco anos para poder fazê-lo.
Já no caso dos inquilinos, e em caso de morte, as transmissões sucessivas do arrendamento ficam proibidas: já não será possível uma casa arrendada passar de avós para pais e depois para filhos e para netos.
Apenas podem ficar com a casa os cônjuges, unidos de facto, ascendentes e descendentes directos, e apenas durante dois anos. Depois, terá de haver renegociação do contrato.
Os beneficiários da transmissão não podem ter casa comprada ou arrendada no mesmo concelho ou, no caso de Lisboa e Porto, nos concelhos limítrofes.
Para mais pormenores sobre a nova lei do arrendamento urbano, consulte o último documento disponível no site do Governo.A nova lei do arrendamento urbano entra em vigor já em Novembro deste ano, depois de ter sido promulgada esta segunda-feira pelo Presidente da República. A Renascençapreparou um guia que descreve as principais mudanças.

ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTERIORES A 1990 
Os principais visados pela nova lei das rendas são aqueles que têm casa arrendada há mais de 22 anos, uma situação na qual estão cerca de 250 mil arrendatários, muitos com rendas de valor baixo. Em Novembro pode arrancar o processo de negociação das rendas antigas, que tem algumas regras.

Primeiro, o proprietário do imóvel apresenta um valor ao inquilino do que pretende receber de renda. O inquilino pode aceitar o valor ou apresentar um novo, caso não concorde. Se não se chegar a acordo, a média dos valores deve servir como o valor de referência para uma indemnização.
Nesse caso, o senhorio pode denunciar o contrato, com o pagamento da indemnização equivalente a cinco anos de renda igual ao valor médio das duas propostas, ou actualizar a renda de acordo com o valor da habitação, considerando-se o contrato com prazo certo de cinco anos.
Em caso de denúncia do contrato, o inquilino terá um período de três meses, em que a renda não é actualizada, para deixar a habitação.
CASOS ESPECIAIS NA ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTERIORES A 1990
Caso o inquilino tenha mais de 65 anos ou um grau de incapacidade superior a 60% - aquilo a que o Governo chama "casos socialmente relevantes" –, aplicam-se as novas regras de negociação (salvo se houver situação de carência económica), mas não pode haver despejo.

Se houver situação de carência económica, há regras específicas para os primeiros cinco anos de aplicação da lei. Neste período, os agregados familiares que tenham rendimentos até 500 euros brutos não podem pagar mais de 10% do seu rendimento - por exemplo, se o rendimento for de 500 euros, a renda não pode ser superior a 50 euros. As famílias com rendimentos entre 501 e 1500 euros não podem ter uma taxa de esforço superior a 17% - por exemplo, rendimentos brutos de 1500 euros pagam renda máxima de 255 euros. A última excepção é para rendimentos entre 1501 e 2425 euros, que ficam sujeitos a uma taxa de esforço de 25% - rendimentos de 2425 euros, por exemplo, pagam renda máxima de 606,25 euros.
Após os primeiros cinco anos de aplicação da lei, a renda pode ser actualizada a valores de mercado. Caso se comprove insuficiência económica para fazer face à renda actualizada, o contrato pode cessar, competindo à Segurança Social encontrar resposta.
DESPEJOS MAIS RÁPIDOS
Com a nova lei é criado o balcão nacional de arrendamento, um mecanismo especial de despejo célere que corre, tanto quanto possível, por via extrajudicial. Há apenas recurso ao tribunal para acautelar o direito do inquilino.

O senhorio pode iniciar o processo de despejo se o inquilino não pagar a renda dois meses seguidos, quando actualmente é preciso não pagar três rendas.
O atraso no pagamento da renda também é motivo de cessação do contrato: se o inquilino pagar a renda com mais de oito dias de atraso e se isto acontecer em cinco meses seguidos ou cinco vezes interpoladas no período de um ano, então o senhorio pode iniciar o processo de denúncia do contrato.
O Governo espera que esta medida acelere o processo de despejo, mas especialistas duvidam da eficácia da medida e esperam um aumento significativo dos litígios, que acabarão nas mãos de um juiz, com as demoras que são conhecidas.
OBRAS E DEMOLIÇÕES
Em caso de necessidade de demolição do imóvel ou obras profundas que obriguem à desocupação, o contrato cessa com indemnização, salvo no caso de idade igual ou superior a 65 anos ou de incapacidade superior a 60%, em que há sempre lugar a realojamento em condições análogas.

O senhorio já não é obrigado a realojar inquilinos com idade inferior a 65 anos. O senhorio passa ainda a poder denunciar o contrato para demolição ou obras profundas por mera comunicação, quando anteriormente tinha de recorrer a via judicial.
CONTRATOS DEIXAM DE TER LIMITE MÍNIMO
Vai passar a ser possível arrendar imóveis por um período inferior a cinco anos. Até agora, os contratos de arrendamento tinham esse como período mínimo, mas, a partir da entrada em vigor da lei, o tempo de arrendamento é definido entre inquilino e proprietário, que podem acordar o tempo que entenderem.

Caso não sejam estipuladas datas entre as duas partes, considera-se celebrado o contrato por dois anos.
TRANSMISSÃO DOS CONTRATOS
Há ainda alterações para os contratos antigos e para os contratos novos no campo das transmissões.

Por exemplo, no caso em que um herdeiro do senhorio original toma a posse do imóvel e quer terminar o contrato com quem lá vive, pode fazê-lo se for o legítimo proprietário desde há dois anos, quando actualmente teria de esperar cinco anos para poder fazê-lo.
Já no caso dos inquilinos, e em caso de morte, as transmissões sucessivas do arrendamento ficam proibidas: já não será possível uma casa arrendada passar de avós para pais e depois para filhos e para netos.
Apenas podem ficar com a casa os cônjuges, unidos de facto, ascendentes e descendentes directos, e apenas durante dois anos. Depois, terá de haver renegociação do contrato.
Os beneficiários da transmissão não podem ter casa comprada ou arrendada no mesmo concelho ou, no caso de Lisboa e Porto, nos concelhos limítrofes.
http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=71883
SAIBA MAIS

Ainda falta legislação para que a nova lei das rendas possa entrar em vigor

Proprietários querem diplomas publicados a tempo
Presidente da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, diz à Renascença que um dos diplomas em falta tem que ver com os rendimentos dos inquilinos.
06-11-2012 17:14 por Fátima Casanova com Lusa




á diplomas que ainda estão por publicar para que a nova lei do arrendamento possa entrar em vigor na próxima segunda-feira, tal como previsto pelo Governo. 

Contactada pela Renascença, fonte do Ministério da Agricultura e do Ordenamento do Território garantiu que estão para sair, muito em breve, os diplomas em falta e garante que se mantém o prazo para a entrada em vigor da nova lei.

O presidente da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, diz àRenascença que um dos diplomas em causa tem que ver com os rendimentos dos inquilinos, já que há limitações nos aumentos das rendas anteriores a 1990 para quem fizer prova de baixos rendimentos 

"Acontece que a própria lei prevê, no seu artigo 12º, que o Governo deve, no prazo de 90 dias - e este prazo esgota-se também na segunda-feira -, adaptar à presente lei um conjunto de diplomas e enumera quatro", começa por dizer António Frias Marques. 

"Há um que nos parece com muita importância, que aprova os regimes de determinação de rendimento anual bruto corrigido. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que em relação a um número muito substancial de inquilinos vai ser necessário declararem qual é o seu rendimento anual bruto corrigido, porque são pessoas com rendimentos relativamente baixos", prossegue o presidente da Associação Nacional de Proprietários.

"Neste momento, como há portugueses que receberam 14 meses, outros 13 e outros apenas 12, isto vai influir nas contas finais", sublinha António Frias Marques, que aponta ainda atrasos na avaliação do património. 

Actualmente, o valor dos rendimentos contabiliza 14 retribuições, que já são menos no caso dos funcionários públicos, por exemplo, no âmbito das medidas de austeridade impostas.

A nova lei prevê regras específicas para os primeiros cinco anos de aplicação das novas regras se houver situação de carência económica - este nuance visa as rendas antigas, anteriores a 1990. Os agregados familiares que tenham rendimentos até 500 euros brutos não podem pagar mais de 10% do seu rendimento - por exemplo, se o rendimento for de 500 euros, a renda não pode ser superior a 50 euros. 

As famílias com rendimentos entre 501 e 1500 euros não podem ter uma taxa de esforço superior a 17% - por exemplo, rendimentos brutos de 1500 euros pagam renda máxima de 255 euros. 

A última excepção é para rendimentos entre 1501 e 2425 euros, que ficam sujeitos a uma taxa de esforço de 25% - rendimentos de 2425 euros, por exemplo, pagam renda máxima de 606,25 euros.


http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=84103



sábado, dezembro 29, 2012

José Pacheco Pereira - VIAGEM NO PASSADO POR CAUSA DO PRESENTE


ABRUPTO

28.12.12
VIAGEM NO PASSADO POR CAUSA DO PRESENTE
Cartazes do CDS, 1976.


Hoje tudo é muito diferente em relação ao passado, mas também muita coisa é demasiadamente igual.
No final do século XIX, princípio do século XX, o incipiente operariado português concentrava-se em poucas fábricas dignas desse nome no Norte do país, em particular no Porto, e numa multidão de pequenas oficinas em Lisboa e Setúbal e nas principais cidades do país. Eram operários e operárias, tabaqueiros, têxteis, soldadores, conserveiros, corticeiros, mineiros, padeiros, alfaiates, costureiras, cinzeladores, cortadores de carnes verdes, carpinteiros, fragateiros, estivadores, carregadores, carrejonas no Porto, carvoeiros, costureiras, douradores, etc., etc. Havia uma multidão de criados e criadas, criadas "de servir", e muito trabalho infantil em todas as profissões, em particular nas mercearias, onde os marçanos viviam uma infância muitas vezes brutal, dormindo na loja e carregando com cargas muito pesadas. Falei em operariado, mas na verdade, muito poucos correspondem ao conceito, porque se trata mais de artífices, trabalhadores indiscriminados, e em muitos casos com profissões hierarquizadas em que os aprendizes eram sujeitos a todos os abusos. Havia depois uma aristocracia operária, essencialmente entre os que faziam tarefas qualificadas e mais bem pagas, como era o caso dos tipógrafos, que sabiam ler e por isso tinham um mundo social diferente. Antero de Quental foi tipógrafo de passagem.

Deixo o campo de lado, em que a maioria dos portugueses ainda vivia, onde havia igualmente um território obscuro e pouco conhecido que despertou com a I República, os trabalhadores rurais alentejanos. Estes viviam uma vida violenta e esquecida no meio do deserto alentejano. Nos meios rurais vários grupos de trabalhadores vegetavam na mais negra miséria e vendiam o seu trabalho sazonalmente, nas vinhas do Douro, nos campos do Alentejo e Ribatejo como maltezes e ratinhos. O que de mau se pode dizer das cidades, pode-se dizer pior do campo ou das vilas piscatórias do litoral e mineiras do interior. 

A economia do mundo operário centrava-se no salário muito escasso, na renda de casa, numa vila operária ou numa "ilha" se fosse no Norte do país, onde se amontoavam em condições higiénicas e sanitárias inimagináveis. A epidemia de cólera no Porto, e a habitual ocorrência de tifo, demoraram muito anos a lembrar os governantes do problema de insalubridade da "habitação operária" e deram origem aos bairros sociais no salazarismo.

O vestuário masculino e feminino era muito grosseiro, sarja, serapilheira, chita eram comuns e os sapatos eram para usar aos domingos. Até à década de cinquenta do século XX o pé descalço era um símbolo da pobreza portuguesa. Alpergatas feitas com um bloco de madeira e uma tira de borracha de pneu eram o calçado operário mais comum. As mulheres vestiam-se ainda como se estivessem no campo e os homens já menos, mas mesmo assim o traje operário, como o fato-macaco, demorou a tornar-se comum porque era caro.

A alimentação era de péssima qualidade e a fome, e doenças associadas com as carências alimentares, como o raquitismo, eram comuns. A tuberculose era generalizada, e o alcoolismo um flagelo social. Eram igualmente comuns os traços da varíola, da poliomielite, e em certas zonas do país havia malária e kala-azar. Não havia dinheiro para ir ao médico e também não havia muitos médicos e menos hospitais, já para não falar de medicamentos. A dependência da caridade da igreja ou pública, sob formas como a "sopa dos pobres", implicava regras de comportamento disciplinares, subserviência e cabeça baixa. Havia muita mendicidade.

A prostituição, a criminalidade e o roubo eram generalizados. Havia um número elevado de "matriculadas" e um número ainda maior de mulheres que se prestavam ocasionalmente à prostituição por razões económicas. A violência sexual nas fábricas era uma forma de "direito de pernada" que ninguém contestava e a violência nas famílias sobre as mulheres uma hábito estabelecido. Em Lisboa a criminalidade "apache" de navalha, vinho e fado era a regra, nos campos o assassínio bruto à paulada e a machado associava-se ao roubo nos matos e ao incêndio de searas. A reivindicação de polícia rural está alta na lista de todas as associações de agricultores, como os senhorios urbanos temiam os seus inquilinos.

A esmagadora maioria da população era analfabeta, e os poucos que tinham algumas letras não passavam da instrução primária, muitas vezes incompleta. No entanto, havia uma reverência à escola e à instrução, como sinal de ascensão social. Para muitos pobres, o seminário era a única escola possível.

Os trabalhadores não tinham quaisquer direitos enquanto trabalhadores. Os patrões, fossem os "industriais" com dinheiro brasileiro e títulos de barão e visconde, ou os donos das pequenas oficinas de marcenaria ou de panificação, podiam decidir tudo sobre os seus trabalhadores. Os horários podiam ser de sol a sol, as condições de trabalho eram terríveis, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais comuns, as ordens de patrões e capatazes eram indiscutíveis, os dias de doença não eram pagos, as faltas, por muito justificadas que fossem, idem, e o despedimento não tinha qualquer formalidade - chamava-se o trabalhador e "punha-se na rua". Ponto.

Durante a segunda metade do século XIX, os operários começaram a organizar-se e a reivindicar alguns muito escassos direitos. À medida que as antigas corporações desapareciam, e com estas algumas confrarias que ofereciam um escasso apoio social a grupos profissionais, apareciam associações mutualistas que pretendiam em primeiro lugar garantir um funeral decente em vez da carreta dos pobres e a vala comum, assim como algum apoio às viúvas e aos filhos, que a morte deixava de imediato na pobreza absoluta. Os peditórios eram comuns. Esse mundo da economia popular pode ser visto por um observador atento que visite alguns bairros antigos de Lisboa, onde encontra ainda restos da paisagem operária marcada pelas lojas de penhor, pelas funerárias e pelas tabernas.

Os sindicatos, no sentido moderno do termo, surgiram a partir das associações de classe e de um espírito de resistência e auto-organização, que, não sendo nunca muito forte, estabeleceu-se com tenacidade. Havia greves, algumas violentas e tumultuárias, mas também era comum que um gesto qualquer caritativo do patrão fizesse voltar os operários ao trabalho, muito agradecidos com a benesse. A relação paternal entre o patrão e os "seus" operários estava incrustada no tipo de relações sociais dominadas pela clientela e pelo patrocinato. O caciquismo era a face política dessas mesmas relações, a partidocracia actual a sua herdeira.
Do seu lado, do lado das "classes laboriosas", havia muito pouca gente, alguns raros filantropos com ideias progressistas, muitos filantropos com ideias reacionárias, e, durante a sua breve vida, um Rei D. Pedro V. E, pouco a pouco, legislação sobre o trabalho, as condições de trabalho, a "previdência", e um embrião de um direito laboral foi fixando horários, salários, regras, descontos, faltas, doenças, obrigações, e, palavra maldita, do direito nasceram direitos adquiridos.

Estamos a falar de cem, cento e cinquenta anos, mas saímos deste mundo há pouco mais de cinco décadas, com muito sofrimento, esforço e trabalho, consolidando melhorias e direitos. Na década de sessenta, a vida começou a melhorar muito lentamente. A emigração representou a válvula de escape para muita desta miséria, e na França, na Alemanha, como antes no Brasil e Venezuela. Uma lenta mas construtiva industrialização, iniciada nos anos cinquenta, e uma política de "fomento" permitiram, junto com a economia colonial acicatada pela guerra, algum progresso material. E Marcelo Caetano deu a reforma aos rurais e o 25 de Abril o resto. 

Foi um processo lento e nalguns aspectos pouco amável, que incluiu uma revolução e alguma violência, cá e principalmente em África. Conseguimos uma muito razoável integração dos "retornados", mais eficaz pela plasticidade da sociedade portuguesa do que o que aconteceu em França com os pieds noirs. Acabámos com os frutos malditos da pilha de ouro entesourada no Banco de Portugal, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a pobreza, a absoluta desprotecção face aos infortúnios do trabalho e da vida.
Melhorámos alguma coisa, mas não muito. Mas foi tudo muito lento e muito tarde, o que significa que os portugueses mais velhos ainda têm uma memória viva, muito provavelmente biográfica, desta pobreza ancestral. Mesmo os que já não a viveram sabiam pelos seus pais e avós que era assim, e isso significa, ao mesmo tempo, um certo conformismo e alguma revolta.

O último tempo onde mais negra foi a miséria portuguesa que ainda pode ser lembrado pelos vivos foi por volta de 1943, o ano em que houve um excedente da balança comercial que a imbecil ignorância actual se permite louvar, sem saber do que está a falar. Ter havido excedentes na balança foi bom, a razão por que isso aconteceu foi péssima. É essa fractura entre a abstração e a realidade que torna obrigatório viajar pelo passado por causa do presente. Tudo é muito diferente, mas também muita coisa é demasiadamente igual. Esperemos que em 2013 não se torne ainda mais parecida. 

(Versão do Público de 22 de dezembro de 2012.)

http://abrupto.blogspot.pt/2012/12/viagem-no-passado-por-causa-do-presente.html