tabanca de ganture
sábado, 15 de dezembro de 2012
1 - O PCP efectuou, recentemente, princípios de Dezembro, o seu XIX Congresso, e única novidade ideológica e política deste partido nesta sua assembleia magna, foi uma alteração ao seu programa, que passa a denominar-se por "uma democracia avançada - Os valores de Abril no futuro de Portugal".
Mas afinal o que diferencia, programaticamente, o PCP, dos restantes partidos ditos de esquerda, o Partido Socialista (PS) e Bloco de Esquerda (BE), se todos defendem a democracia?
Referiu o PCP na justificação às alterações programáticas que elas visaram apenas "actualizar e enriquecer" o seu programa, que aprovado em 1992, se intitulava "Portugal: uma democracia avançada no limitar do século XXI".
"O processo contra-revolucionário - em desenvolvimento - e o processo de integração na União Europeia interligados, conduziram a uma situação marcada pelo domínio dos grupos monopolistas, associados e dependentes do capital estrangeiro, pela actuação do processo de perversão do regime democrático e por um elevado grau de comprometimento de soberania e independência nacionais", lê-se na argumentação da proposta aprovada.
Afinal que traz de novidade esta modificação? Nenhuma.
O PCP, tal como o PS e o BE, afirmam-se vinculados ao actual sistema político-parlamentar, preconizando uma vaga e inócua "democracia avançada", que não representa nada mais, nada menos, que uma submissão ao parlamentarismo institucionalizado.
Existe um círculo que inter-une os três partidos ditos da esquerda, que estão colados, como lapas, à dinâmica do poder concentrado no actual parlamento, fazendo fica-pé nas suas vagas "suas características próprias", mas nada apresentam sobre quanto à organização e luta pelo poder revolucionário num território mais amplo, que é o seu, chamado União Europeia, que é o campo próprio em convulsão de partidos e formações que se dizem defensoras, no caso em concreto actual, dos interesses das classes trabalhadoras.
Mas, que afinal não demonstram capacidade de formular um acordo minimamente programático de política internacional.
2 - O PCP assinala no seu programa, de maneira evidente, uma orientação, nitidamente conservadora e retrógrada, que é a sua "preocupação" pelo "comprometimento da soberania e independência nacional", como se fosse esse o ponto fulcral de um partido se proclama internacionalista.
(Claro que não é uma novidade no PCP, ao longo da sua história, praticamente, desde a sua fundação em 1921, depois nos anos da II Grande Guerra, e, de maneira evidente, quando começa a guerra colonial colonial, em que o primeiro pomo de discórdia surgido no então seu secretariado foi justamente o "carácter nacionalista" daquele partido face às formações guerrilheiras que emergiram em África na luta contra o colonialismo português, daí surgindo a maior cisão da sua História, que deu lugar à extrema-esquerda).
Este projecto constante do PCP conduzido para enquadrar o movimento social das classes trabalhadoras nas "baias" do nacionalismo, não é típico de Portugal, é uma distorção embutida em todos os dirigentes, que ainda resistem na arena internacional, na senda dos antigos partidos, ligados ao "internacionalismo proletário" submisso à antiga União Soviética, cujo expoente máximo hoje conhecido é o KKE grego.
É uma evidência que para se forjar uma força organizada de luta política revolucionária, as classes trabalhadoras têm de se organizar, com os seus interesses próprios classistas, em primeiro, nos Estados nacionais.
Mas isto não pode significar um fim em si - é, essencialmente, formal.
A estrutura produtiva de Portugal - o seu conteúdo, na realidade - está ligado e interligado, em primeiro lugar, à União Europeia.
Logo, quer pela natureza dos laços multinacionais que interligam as suas relações de produção, quer pela super-estrutura mais poderosa, que é dada pela política, formando a União Europeia, do ponto de vista político, a acção revolucionária das classes trabalhadoras tem de ser supranacional, neste caso no interior da UE, mas indo mais longe, impulsionando a luta internacional.
Daqueles três partidos, ditos de esquerda, do arco constitucional parlamentar português, o PCP é aquele que mais reacção apresenta a uma visão além-fronteiras: o PS, como partido liberal burguês pró-imperialista é adepto da internacionalização comercial, o BE, que se atem à democracia parlamentar, vê, no entanto, a importância do monetarismo europeu, como expansão do próprio comércio e da produção desenvolvementista. Mas, fica-se pela sua curta visão da política: a chamada "mais democracia" enroscada na legalidade existente.
O que falta é a visão, em todos em esses partidos, ou em militantes e dirigentes que nele se enquadram, de um novo programa internacionalista que consiga unificar as lutas radicais e, por vezes revolucionárias, que estão a surgir um pouco por toda a parte.
Os partidos actuais da chamada esquerda portuguesa puseram de lado, definitivamente, o internacionalismo
.
3 - O PCP viveu toda a sua histórica debaixo das concepções ideológicas e políticas formuladas pelo stalinismo.
Desde o seu programa geral até as reviravoltas tácticas (e estratégicas) formuladas ao longo dos anos, desde 1923 até 1992, estiveram sempre ditadas pelo poder político de Moscovo.
Ou seja o poder moldado por Josep Stáline e os que foram o seu suporte e organizativo ate 1953, e, posteriormente, na manutenção moribunda da URSS até 1991.
Quando se constituiu, oficialmente, em 1921, somente realizou o seu primeiro Congresso em 1923, sendo eleito seu secretário-geral José Carlos Rates, que preconizou ao Congresso a "venda" das colónias portuguesas a outras potências estrangeiras, desprezando, precisamente, um dos aspectos mais progressistas defendidos pela Revolução Russa de 1917: a emancipação dos povos oprimidos, que foi o "elo" ideológico que veio dar consistência à formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Teve de ser um delegado da III Internacional, presente naquele Congresso, a impor de fora - a frase é essa - a retirada de tal anúncio e a fazer subscrever a sustentação programática.
Durante a II Grande Guerra, o PCP, em 1943, defendeu no seu I Congresso Ilegal "A Unidade da Nação Portuguesa na luta pelo Pão, pela Liberdade e pela Independência", englobando a Nação, desde o Minho a Timor.
Em 1946, quando se desenvolviam já as lutas pelas independências dos territórios ocupados, no seu II Congresso Ilegal, preconizava no seu informe político, aprovado, que a luta política se fazia sob o lema "Unidade da Nação para a conquista da Democracia".
A mudança de orientação somente se dá quando se inicia a ruptura visível, nos pós-guerra, entre a antiga URSS e os EUA, e de maneira evidente quando estalam, nos inícios dos anos 60, as divergências ideológicas entre a ex-União Soviética e a China maoista.
Com o desaparecimento da União Soviética, e com o total descrédito da sua sucessão na República Popular da China, as análises desapaixonadas devem ter lugar agora, repensar todo o movimento revolucionário que percorreu o mundo sem ter, até agora, um novo tipo de poder emergido no Mundo.
3 - Quando se efectua o primeiro Congresso do PCP, em 1923, a antiga URSS estava mergulhada numa grande guerra civil, o programa inicial do PCUS, que o levara ao poder estava a ser abandonado progressivamente, tendo o Conselho de Comissariados do Povo (o executivo central do novo poder), optado, em 1922, pelo que ficou celebrizado como NEP (a Nova Política Económica), que permitiu a reintrodução dos princípios de gestão capitalista liberal, nomeadamente no comércio interno, na diferenciação salarial, e na abertura de empresas privadas.
E, principalmente, o impacto de uma revolução a Ocidente se tinha gorado, com a jugulação da Revolução alemã de 1918-19 e a destruição da Revolução Húngara de 1919, que isolou, na pratica, um verdadeiro progresso revolucionário, primeiro, na nova República Soviética, depois, provável e simultaneamente, em toda a Europa.
O que trouxe, no imediato, a Revolução Russa de 1917 foi um despertar e um ânimo revolucionário em todo o mundo, que levou para programas políticos consignas que ficaram, durante dezenas de anos, como bandeiras que levar a conquistas sociais duradouras, como a jornada de 48 horas, as melhorias das condições de trabalho, as reivindicações de trabalho igual, salário igual, tratamento igual para os trabalhadores, dependente dos sexos, contra o trabalho infantil, eleições de conselhos ou comissões de trabalhadores, controlo operário, entre outros.
Mas, no interior da própria URSS, esta estagnação do progresso revolucionário (convém sublinhar que o principal líder da Revolução Soviética Russa, Vladimir Lénin definiu, desde o início, que o novo poder político estava forjado sob a forma de Capitalismo de Estado, que dominava então a nova sociedade...e que nunca foi ultrapassado!!!) fazia vaguear as diferentes facções de dirigentes, que se degladiavam até 1924, ano da morte de Ulianov, doente desde 1922, sob rumos contraditórios.
Era o reverso da medalha, no interior de uma poderosa revolução, onde estava a germinar uma terrível contra-revolução, que era amadurecida e estimulada por dados contraditórios, subversivamente organizada e alicerçada sob os escombros e pseudo-programas socialistas e comunistas.
Daí, o seu lado trágico, difícil de denunciar e obscurecido propositadamente para não se poder analisar o intrincado da sua contra-subversão, nem refazer uma análise sob os auspícios de Karl Marx e Frederico Engels, que fizesse renascer e amadurecimento de um novo levantamento revolucionário.
A seguir à morte de Lénin, a orientação estratégica da classe dirigente que se instalava, ditatorialmente, em Moscovo, colocou o tema principal da acção política diária, na possibilidade de instalar "o socialismo num só país", (Stáline tem, logo após a morte de Lénin, um debate agressivo, demolidor contra Trotsky, em Novembro de 1924, numa sessão preliminar do Conselho Central de Sindicatos), consigna que aquele fez ser aceite em todas as secções da III Internacional, ou seja os partidos considerados "irmãos".
Como enquadramento ideológico, inventou a teoria do "marxismo-leninismo", como movimento inovador do pensamento de Marx e Engels, e tornou como dogma de "praxis" política a aplicação da "aliança operário-camponesa".
Que uma dezenas de anos depois, transformou como modelo de governo, nas chamadas "democracias populares", provenientes das "frentes anti-fascistas".
E foi este modelo, na versão stalinista, que prevaleceu desde a luta anti-hitleriana até à vitória na II Grande Guerra e a criação dos novos Estados na chamada órbita soviética, com especial relevância para a Bulgária, Roménia, Hungria e Jugoslávia, Checoslováquia e Polónia.
4 - Então surgirá a inquirição: como foi possível manter, como dominante, este sistema obscurantista e manipulador durante tantas dezenas de anos?
A transformação de uma revolução, como a que teve lugar na Rússia czarista em 1917, em contra-revolução, não se efectuou, de repente, nem teve a particularidade de fazer reviver, com a sua fase contra-revolucionária, o reaparecimento dos poderes monárquicos que estavam antes instalados.
(Tem de se referir, e até salientar, que foi efectuado um esforço monstruoso da Revolução, que ainda não estava assente no terreno, na derrota de uma intromissão poderosa externa do Ocidente, - Inglaterra, França, Japão e Estados Unidos) e o destroçar completo das chamadas tropas pró-czaristas - ex-generais e almirantes, cadetes -, o chamado Exército Branco, que durou desde 1918 a 1921).
Ora, esta contenção de uma Revolução foi efectuada por homens, que estiveram na frente da batalha em Outubro de 1917, e, apesar dos retrocessos ideológicos, políticos e sociais que se manifestavam, esses líderes continuavam a apregoar, em palavras, os ideais de uma nova sociedade.
Além do mais, a devastação económica provocada no interior do território que agora se tornara União Soviética foi, em parte, reorganizada pelo novo poder, que apostou na industrialização, e, em certa medida, no fomento de um novo tipo de agricultura, e lançou campanhas de enorme alcance de educação e ensino.
O facto de a Europa, e, em parte os Estados Unidos, serem percorridos por um surto de poder ditatorial do capital financeiro e industrial mais desclassificado, obrigou as forças políticas avançadas a embrenhar-se numa luta sem tréguas contra as hordas nazi-fascistas que ganhavam, progressivamente, o poder político.
Quando se começava a criticar, mesmo dentro dos partidos comunistas ocidentais, certos aspectos da evolução da Revolução Russa para os trilhos de contra-revolução, na agudização da luta de classes não existiu, portanto, um intervalo de acalmia que pudesse permitir, serenamente, a análise das causas que, por um lado, impulsionaram uma Revolução com um programa socialista num país plenamente impregnado de resquícios feudais, relações sociais nitidamente imaturas para avanços civilizacionais que, naquele momento, ultrapassavam a capacidade de entrar em aprofundamentos mais profundos os conflitos classistas que, superficialmente, estavam em marcha.
A questão não envolvia, portanto, este ou aquele dirigente em conflito aberto com outro.
A análise e o estudo que deveria ter sido feito era o estado real da Rússia quando a guerra civil terminou, e como se comportavam, realmente, as diferentes classes, em especial os camponeses, que estiveram na projecção da Revolução em 1917.
O regresso daqueles aos campos foi feito, numa dupla mestiçagem de sentimentos: entre o progresso e o retrocesso.
Muitos entraram numa dinâmica de proprietários, vinculados ao velho feudalismo agrário. O campesinato começou a refrear o espírito revolucionário. Era necessário sobreviver.
O capitalismo de Estado russo, que pensava ir impulsionar o progresso revolucionário, estava a ser tragado pela imensa mole camponesa que desejava controlar "os seus produtos" e "as suas míseras propriedades".
O novo poder com Lénin fez-lhe concessões, que nada resolveram no essencial, os que lhe sucederam optaram, pela repressão aberta, e pela chamada "colectivização forçada".
Por seu lado, enquanto isto sucedia na ex-URSS, as burguesias dos Estados Unidos, França, Inglaterra, e mesmo da Alemanha, manifestavam-se numa fase evolucionista mais avançada.
Registava-se um rápido avanço da produção capitalista, e, o feudalismo, na prática, já não causava, nelas, complicações de monta. Nesses países começava a emergir uma classe média, já pujante e eficaz, que se concentrava nas grandes urbes.
Ora, esta evolução societária na Europa e nos EUA também tem repercussões na estrutura das próprias classes trabalhadoras ocidentais, cujas reivindicações, por vezes, mais avançadas do que na própria ex-US, trazem contradições com a orientação pró-soviética da IC.
Os Partidos Comunistas ocidentais vão sofrer abalos conflituosos com as orientações de Moscovo, que se reflectem em cisões e, muitas vezes, em desmoralizações enormes, que se repercutem na própria luta contra o avanço nazi-fascista.
Claro que o PCP sofreu dos mesmos males, nunca resolvidos, correctamente, por uma crítica serena e profunda.
5 - Temos de considerar, taxativamente, como o poder dominante capitalista sustenta, que o que capitulou com a destruição da URSS e o seu seu definhamento, a sua entrada num caminho contra-revolucionário, significou, pura e simplesmente, a derrota da Revolução Socialista?
Não.
Quer da experiência histórica, que se seguiu à Revolução russa, quer todo o trajecto posterior, mesmo quando a "crença" numa Rússia Socialista se esboroara, quase completamente, a partir dos anos 60 do século passado, quer pelas transformações económicas e sociais, que levam os próprios defensores do capitalismo, a afirmar que esgotou "o seu tempo", o que "se estilhaçou" não foi o caminho da revolução, mas todos os restos de outros sistemas sociais que entravavam o rumo socialista da sociedade.
O que foi ficou para trás foi um determinado período histórico, digamos pré-revolucionário, que tinha muito de voluntarista na sua argumentação teórica e ideológica, e que uma nova fase revolucionária, de carácter mais avançada, somente surgirá com uma crise económica de maior envergadura, que atinja países que nunca foram percorridos nas suas entranhas por convulsões revolucionárias, como os Estados Unidos, a Índia e a própria China.
Este passado, recente, de várias dezenas de anos, dizem-nos que se tem de refazer todos os conceitos programáticos, e que os projectos revolucionários têm de ser assentes em orientações multinacionais.
As revoluções, a partir de agora, não podem ser revoluções de minorias, mas de massas populares laboriosas e assente na estrutura de poder de baixo para cima, eleito, controlado e revogado a qualquer momento.
Não podem existirem, pura e simplesmente, governo executivos centrais e secretariados partidários, ditos revolucionários, que tudo decidem e impõem, sem haver uma disposição popular para o fazer.
O desenvolvimento capitalista hoje está numa encruzilhada da sua própria destruição. O contrato que criou para se estabelecer no mundo está, nos nossos, dias a ser trucidado por si próprio. E nós também temos essa percepção. Temos, pois, o direito de o fazer desaparecer da História.
Por muitas derrotas que as revoluções tivessem sofrido nos últimos 150 anos, uma nova empresa revolucionária está a colocar-se em marcha. Os tempos estão a mudar. Naturalmente, não sabemos como irá ser esse caminho. O que é certo é que o trilho está minado e existem sementes que começam a irromper.
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