Fala Ferreira
Assim me saúdam os amigos de Guatemala.
“Se, em termos mundiais, o Socialismo se apresenta como única e verdadeira alternativa ao capitalismo, isso não significa entretanto que, por toda a parte, estejam já reunidas as condições para a conquista do poder pelos trabalhadores, e que a palavra de ordem e a tarefa imediata sejam a Revolução socialista – tendo em conta, particularmente, o atraso do fator subjetivo”. Esta frase, retirada do discurso de Albano Nunes, tem nela a essência do XIX Congresso do PCP.
Aí se cruzam as três linhas com que se cose o programa do Partido Comunista Português.
A) A imediaticidade objetiva da Revolução socialista, como consequência da crise económica.
B) O atraso das condições subjetivas, interpretadas de forma equivocada porque separada das condições objetivas que lhe dão suporte.
C) E a defesa da Revolução de Abril como fonte de legitimidade e legitimação do partido – o peso dos mortos sobre a cabeça dos vivos, como diria Marx.
Comecemos por este último ponto, assinalando as diferenças entre a “Democracia avançada” de Álvaro Cunhal e a do PCP de hoje. Parecendo iguais, são diferentes porque o contexto mudou. Diferem em três pontos:
1) Em 1974, as condições objetivas da Revolução socialista não estavam postas. Seja porque, internamente, havia uma grande fatia da população camponesa e reacionária (libertada, por Mouzinho da Silveira, das condições feudais existentes na Rússia de 1917 e organizada por uma Igreja Católica conservadora – donde, em aliança com alguns capitalistas, sai o PSD). Seja porque, também internamente, havia uma “aristocracia operária” acomodada importante (base do PS, antes da sua associação com a banca e os empresários da construção civil). Seja, porque, externamente, havia uma Guerra Fria e a ameaça de uma intervenção da NATO à semelhança do golpe de Pinochet no Chile um ano antes.
2) O capitalismo encontrava-se em expansão e o PIB crescia 6% ao ano. Portanto, era objetivamente possível um capitalismo mais equitativo. Hoje, o PIB decresce entre 2 a 5% ao ano. O único capitalismo possível é o fascismo! A “Democracia avançada” está objetivamente condenada.
3) Álvaro Cunhal deixou muito claro, em Rumo à vitória, a necessidade de nacionalizar os monopólios e fazer a Reforma Agrária como forma de destruiraquelas frações da burguesia que mais vilmente se opunham à democracia e ao progresso da qualidade de vida dos trabalhadores dentro do sistema capitalista. Hoje, a fração da classe burguesa que é a principal responsável pelo deterioro da qualidade de vida dos trabalhadores é a banca. Não obstante, a palavra de ordem de nacionalização da banca – o único meio para a destruição política desta fração da classe burguesa – não se encontra nem no Programa do Partido, nem naResolução do Congresso.
Mas a manutenção de um programa desfasado no tempo só pode atribuir-se à dificuldade de resolver a antinomia entre a imediaticidade objetiva da Revolução socialista e o atraso na disponibilidade subjetiva das massas operárias. Na falta de solução para o elo fundamental do momento histórico atual, o PCP agarra-se a sua honrosa história. Mas como resolver esta antinomia?
i) Recusar o uso não dialético da distinção entre objetivo e subjetivo. É necessário reconhecer que o atraso subjetivo das massas proletárias tem obrigatoriamente fundamentos objetivos.
ii) Portanto, se – como diz Miguel Urbano – a resolução do congresso foi pouco clara sobre uma estratégia de ação o PCP junto das massas trabalhadoras, isso deve-se a que, em nenhum momento, analisa de forma materialista (i. é, nos seus fundamentos objetivo) e dialética (i. é, nas suas contradições) a classe operária.
(Diga-se de passagem, que a classe burguesa tampouco é criticada de forma materialista e dialética. São apontados os seus erros, mas de modo idealista – pois não analisadas as suas contradições internas. O marxismo-leninismo é, muitas vezes, abandonado pela esquerda porque implica compreender a classe burguesa sem ser compreensivo com ela. Um equilíbrio difícil de manter e, parece-me, que os comunistas, não só o PCP, tendem a não compreender para não se arriscarem a ser compreensivos com a burguesia).
iii) Acredito que o fundamento objetivo do “atraso” subjetivo da classe operária resulta da tensão entre as necessidades quotidianas de cada uma das suas frações de classe e da necessidade da classe tomada como um todo. As primeiras têm, até hoje, levado a melhor sobre esta última. Isto reflete-se, em Portugal, na tensão atualmente latente mas acirrada à um ano entre trabalhadores do Estado e trabalhadores do sector privado. Tensão essa que a burguesia habilmente explora.
Eis a contradição fundamental da classe operária e o ponto de partida para uma discussão mais produtiva que repassar os já conhecido erros da burguesia.
iv) Ligado com o anterior, o PCP deve recolocar as suas perguntas. Em vez de perguntar-se ‘o que o país deve fazer para sair da crise?’ deve perguntar-se ‘o que é que a classe operária tem de fazer para tomar o poder?’. Se Albano Nunes tem razão – e tem – e há um atraso subjetivo na luta do trabalhadores, a questão não é conceber um programa para o país (Democracia avançada)que leve em conta esse atraso. A questão é - e esta é a essência do erro do debate no congresso – conceber um programa para resolver esse atraso. O “patriotismo de esquerda”, sempre à beira de sobrepor os interesses da nação aos interesses da classe, deve ser questionado.
Esta análise eu já a comecei e os meus primeiros resultado encontram-se aqui. Do conhecimento das contradições internas e dinâmica das classes em Portugal saíram duas recomendações:
- Criar uma organização de jovens desempregados, sob a palavra de ordem “Desempregados não pagam dívidas”. (Ver aqui atualizado aqui).
- Exigir a nacionalização da banca (ver aqui).
Tenho em preparação um texto sobre a eminencia de uma solução fascista e como combatê-la. O rascunho do texto, de qualquer modo, já está aqui.
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