O palavrão entrou no léxico dos portugueses depois de andar meses e meses a aboborar nos gabinetes de Bruxelas, que é de onde oficialmente saem as modernices vocabulares com que o capital se renova para prosseguir a sua razão de ser: máximo lucro a preço mínimo.
Chamam-lhe uns «flexi-segurança» e outros «flexigurança», mas para o caso tanto faz, que não é o hábito que faz o monge nem a peneira que tapa o sol. E tanto assim é que esta semana, nas audiências de Sócrates com os parceiros socais para os ouvir sobre as principais matérias que hoje e amanhã vão ser discutidas na cimeira europeia, em Berlim, o representante das confederações patronais, Pinto Coelho, fez questão de dar um toque pessoal à coisa defendendo uma «flexigurança à portuguesa».
Que quererá isto dizer?, perguntar-se-á o leitor esperançoso ou desconfiado, dependendo do feitio, como se a resposta estivesse num sistema de múltiplas ao invés de escondida com o rabo de fora, nem precisa ser gato para mostrar as bem afiadas unhas. Má vontade, dirão uns quantos, poucos, lembrados de que o representante dos patrões e ele próprio presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), disse ao jornalistas, no final da reunião com o primeiro-ministro, que lhe agrada muito o conceito de flexigurança, que está em discussão na Europa e que, na versão lusa, tal seria a via verde para promover a qualificação dos trabalhadores, proporcionando-lhes mais facilidade em arranjar trabalho, e tornar as empresas mais competitivas.
Pinto Coelho terá ainda garantido, segundo a Lusa, que com a «flexigurança à portuguesa» será criada mais riqueza e haverá melhores condições para pagar mais subsídios de desemprego, o que só pode tratar-se de um lapso da Agência ou de imperdoável deslize de Coelho, a menos que...
A menos que esteja tudo certo e que esta nova modernice, passe o pleonasmo, seja isso mesmo, liberalização dos despedimentos e contratação à la carte, francesismo que entre nós bem se poderia traduzir por praça de jorna, seja a que se praticava nas vilas alentejanas seja a que hoje se faz às escâncaras às portas dos colombos ou a recato em fábricas e escritórios onde o fato e gravata passou a ser o fato-macaco da era neoliberal.
Nem meio século passou desde que os assalariados rurais do Alentejo e Ribatejo conquistaram – com muita fome, sangue, tortura e prisão – o direito à jornada de trabalho de oito horas, pondo fim à escravidão de sol a sol, e já de novo o capital, escassas três décadas depois da Revolução de Abril, lança mão ao dicionário para vestir de novo a exploração do homem pelo homem.
Já agora, e para que conste, diga-se que um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em Janeiro dá conta de que o número de desempregados em todo o mundo registou um máximo histórico em 2006 (cerca de 200 milhões), apesar de no seu conjunto as economias terem crescido cerca de cinco por cento.
Voltando à vaca fria de que nos vimos ocupando, chamemos-lhe sem rodeios flexinsegurança que não corremos o risco de errar.
Artigo publicado na Edição Nº1736 AVANTE |
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