A Internacional

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terça-feira, abril 17, 2007


EUA promovem corrida às armas nucleares


A verdadeira ameaça à segurança mundial

«Que interesse há em ter esta supremacia militar... se não a pudermos usar?» A pergunta, que nada tem de retórica, foi feita há alguns anos por Madeleine Albright, antiga embaixadora americana nas Nações Unidas e ex-secretária de Estado dos EUA. A questão está hoje na ordem do dia com acrescida acuidade devido à polémica em torno do programa nuclear do Irão, que os EUA insistem em impor na agenda do Conselho de Segurança como uma inadmissível violação do Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares e uma ameaça à segurança mundial.

Tal como sucedeu em relação ao Iraque, pouco importa a ausência de provas que contrariem a versão oficial iraniana de que o seu programa nuclear se destina à produção de energia. A mensagem que passa para a opinião pública é a de que é preciso «parar» o Irão, seja a que preço for, antes que seja tarde.

O que não se questiona, pelo menos na comunicação social dominante, é por que razão uns podem ter energia nuclear e outros não e, mais grave ainda, por que motivo uns quantos podem ser detentores de armamento nuclear capaz de fazer desaparecer do mapa qualquer país e de destruir várias vezes o planeta, sem que por isso sejam considerados um perigo para a Humanidade.

O perigo, dizem-nos, advém do facto de certos países serem considerados pelas potências ocidentais como «pouco fiáveis» ou, para usar a terminologia bushiana, como integrando ou podendo vir a integrar o «eixo do mal», conceito inventado pela Casa Branca e apadrinhado pela NATO, pela União Europeia e respectivos satélites para uso ao sabor dos interesses e estratégias de curto, médio e longo prazo.

Em causa não está o que esses países fizeram ou fazem, mas o que se suspeita, mesmo sem fundamentos, que possam eventualmente vir a fazer. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma forma de «legitimar» aos olhos da opinião pública as intervenções ditas preventivas.

O caso iraquiano é paradigmático, como mais uma vez foi demonstrado esta semana pelas declarações de Hans Blix, que em entrevista à Sky News acusou George W. Bush e Tony Blair de manipularem documentos para justificar a invasão do Iraque. Segundo o antigo inspector da ONU, responsável pelas buscas de armas de destruição maciça no Iraque – nunca encontradas porque inexistentes –, os relatórios de especialistas sobre a matéria foram adulterados, o que permitiu transformar hipóteses em verdades irrefutáveis.

O antigo responsável da ONU referiu-se expressamente ao dossier apresentado pelo governo de Blair antes da invasão, onde se afirmava que Saddam Hussein tinha enormes quantidades de armas químicas e biológicas e que podia activá-las em 45 minutos.

«Penso efectivamente que eles manipularam. Puseram pontos de exclamação no lugar dos pontos de interrogação», frisou Hans Blix, acrescentando que se os inspectores das Nações Unidas tivessem continuado o seu trabalho normalmente a guerra poderia ter sido evitada.

«Se eles nos tivessem deixado continuar as inspecções durante mais alguns meses, nesse caso teríamos conseguido ir a todos os locais considerados suspeitos pelos serviços secretos», afirmou Blix. «E uma vez que não havia armas, teríamos respondido: 'não há armas em nenhum dos locais'», sublinhou.

A guerra contra o Iraque – que já causou a morte de pelo menos 700 000 iraquianos, mais de 3000 norte-americanos e cerca de 150 britânicos, entre outros, para além de ter arruinado o país – tornou evidente o que desde a destruição da União Soviética se receava pudesse vir a suceder: os países sem capacidade «dissuasora» ou se submetem ou morrem.

A questão leva naturalmente a outra, por demais preocupante para os que efectivamente lutam pela paz e o desarmamento: o que é válido para os EUA é válido para o resto do mundo. Dito de outra forma, se os EUA podem ser uma potência nuclear, por que motivo não o poderão ser os outros estados?

Tratados são letra morta

Em Novembro de 2006, um artigo de Rodrigue Tremblay, professor emérito de economia da Universidade de Montreal, intitulado «The Arms Market and the Arms Race», fazia notar que um dos indicativos da violação da lei internacional era a corrida ao aumento de stocks de armas nucleares e convencionais, bem como a nuclearização do espaço.

Apesar da assinatura, em 1968, do Tratado de Não Proliferação (TNP), o facto é que o «clube» de países com capacidade nuclear (EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França, Israel, Índia, Paquistão) não parou de aumentar, tal como a capacidade de destruição das armas existentes, fazendo letra morta do objectivo de desarmamento nuclear.

Segundo Tremblay, os EUA lideram a corrida para a substituição dos stocks por armas cada vez mais modernas e mortíferas.

A administração Bush/Cheney – lembra Tremblay – anunciou em 6 de Março de 2006 que tem planos para o fabrico de 125 novas bombas nucleares por ano, entre 2010 e 2022, ao mesmo tempo que avisou que não permitirá a corrida armamentista de outros países. A 13 de Junho do mesmo ano, a administração norte-americana deixou igualmente claro que apesar do Tratado das Nações Unidas (1967) proibir a militarização do espaço com armas de destruição massiva, os EUA não abandonam os seus planos de desenvolver armas para usar a partir do espaço, com o claro objectivo de dominar o que é suposto ser um bem comum da humanidade.

Se necessário for, sublinha Tremblay, os EUA não hesitarão em sair do Tratado de 1967, tal como saíram, em 2002, do Tratado de Anti-mísseis Balísticos (ABM).

O facto é que, já em 2001, a dupla Bush/Cheney mostrou a importância que dá ao TNP ao anunciar na sua Nuclear Posture Review (Revisão do Posicionamento Nuclear) que não só mantém em aberto a opção militar, incluindo o uso de armas nucleares em resposta a ataques químicos ou biológicos, ou a «desenvolvimentos militares inesperados» não especificados, como também a possibilidade de no futuro desenvolver, e eventualmente testar, novas armas nucleares, como as «mininukes» para ataque a bunkers subterrâneos.

A adopção oficial pelos EUA da chamada política de uso preemptivo de armas nucleares – incluindo contra países não nucleares – só poderia ter como consequência uma nova corrida armamentista.

Acresce, por outro lado, que enquanto os EUA prosseguem na sua campanha contra «o perigo iraniano», a administração Bush não vê qualquer contradição no estabelecimento de um programa de cooperação nuclear com a Índia sem pôr em causa o facto de o país não ser subscritor do TNP, tal como ao longo dos anos vem fazendo em relação a Israel. Em ambos os casos, a que importa juntar o Paquistão, nunca se colocou a questão de debates no conselho de Segurança ou a imposição de sanções.

Também não abalou o civilizado mundo ocidental que outros países como a França e a Grã-Bretanha, seguindo o exemplo de Washington, tenham declarado admitir recorrer ao uso de armas nucleares contra ataques não convencionais de «rogue states», o que se poderá traduzir por «estados párias», ou seja, os que os EUA designam por «eixo do mal».

Onde estão as armas

De acordo com a organização Nuclear Threat Initiative (www.nti.org), é o seguinte o arsenal das potências nucleares declaradas:

EUA: Os EUA mantêm um arsenal atómico com cerca de 10 mil ogivas intactas, seis mil das quais estarão activas ou operacionais.
· Cerca de 1700 destas armas estão colocadas em sistemas de mísseis terrestres (ICBMs Minuteman e Peacekeeper);
· 1098 em aviões bombardeios (B-52 e B-2) e 3168 em submarinos;
· 800 são armas nucleares tácticas (TNWs) e consistem em mísseis de cruzeiro Tomahawk e bombas B61.

De sublinhar que os EUA são o único país do mundo que possui armamento nuclear armazenado fora do seu território. Segundo dados de 2006, estima-se que o Pentágono tenha cerca de 480 armas nucleares depositadas em bases da NATO em seis países da Europa (Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia), que no seu conjunto representam um potencial nuclear superior ao da China. Um estudo da Greenpeace Internacional, do mesmo ano, dava conta de que a maioria da população daqueles países ignora que o seu país serve de depósito a armas nucleares norte-americanas. Acresce que os referidos depósitos estão fora do controlo democrático dos respectivos parlamentos.

A questão já provocou polémica na Bélgica, onde a 13 de Julho de 2006 os deputados aprovaram uma resolução a favor da retirada das armas nucleares dos Estados Unidos na Europa. Foi a primeira vez que tal sucedeu num país membro da NATO.

Rússia: A Rússia teria cerca de 20 mil armas nucleares mas, segundo o Tratado Start I, o arsenal atómico do país foi reduzido para cerca de 7000 ogivas nucleares.

Importa ter presente que, de acordo com o Tratado de Reduções Ofensivas (Sort), assinado pelos EUA e pela Federação Russa em Maio de 2002, em Moscovo, os dois países comprometeram-se a reduzir o seu arsenal operacional, até 2012, para um nível entre as 1700 e as 2200 ogivas nucleares.

França: A França possui cerca de 350 ogivas nucleares.

Grã-Bretanha: O arsenal britânico contará pelo menos com 200 ogivas estratégicas ou «subestratégicas» colocadas em submarinos nucleares equipados com mísseis balísticos (SSBN).

China: A China conta com um arsenal de cerca de 400 ogivas, cerca de 250 armas «estratégicas» e 150 armas «tácticas». A China assinou em 1992 o TNP.

Coreia do Norte: Em 2005, o governo norte-coreano declarou pela primeira vez que possuía armas atómicas, vindo posteriormente a realizar o seu primeiro teste nesta área. Segundo alguns especialistas, a Coreia do Norte poderá ter capacidade para fabricar oito armas nucleares.

Índia: A Índia assumiu-se formalmente como potência nuclear, com capacidade fabricar entre 40 e 90 armas. Não assinou o TNP.

Paquistão: Crê-se que o Paquistão terá capacidade suficiente para fabricar de 40 a 50 armas nucleares por ano. Não assinou o TNP.

Potências nucleares «não-declaradas»

Israel: Oficialmente, o governo israelita não admite ter armas nucleares, não assinou o TNP e não admite que a questão seja sequer aflorada. Segundo estimativas baseadas na capacidade de produção de plutónio do reactor de Dimona, onde o programa nuclear é desenvolvido, Israel terá entre 100 e 200 armas atómicas.

Irão: O governo iraniano assevera que o seu programa nuclear se destina a fins pacíficos e não há provas de que esteja a fabricar armas nucleares.

Nova campanha, nova corrida

Enquanto a opinião pública é distraída com a «questão iraniana», os EUA avançam com os seus programas de crescente militarização do mundo, Europa incluída.

A mais recente iniciativa respeita ao sistema anti-míssil que os EUA pretendem instalar na República Checa e na Polónia – bem às portas da Rússia – a pretexto da defesa contra eventuais ataques de «países párias», como a Coreia do Norte e o Irão.

Uma notícia publicada no início da semana pelo Financial Times dava conta de que o sistema permitirá «proteger quase toda a Europa», o que segundo o secretário-geral da NATO, Jaap de Hoop Scheffer, poderia dividir a aliança entre os que ficariam protegidos e os que ficariam de fora. Um «problema» resolúvel, naturalmente, com uma «defesa extra contra mísseis de curto alcance» dada a proximidade do Irão.

Ainda segundo o secretário-geral da NATO, o programa norte-americano pode ser complementado com os planos da Aliança já existentes de até 2010 tornar operacional um sistema de defesa contra mísseis em campos de batalha.

Jaap Scheffer diz acreditar que a Europa está de facto ameaçada. «Há todas as razões para acreditar nisso, devido aos testes norte-coreanos de mísseis, à capacidade iraniana e às coisas que os iranianos andam a dizer», declarou ao Financial Times.

Como seria de esperar, a Grã-Bretanha está interessada em participar no sistema norte-americano.

Qualquer semelhança com o que sucedeu em relação ao Iraque não é certamente uma coincidência.

E por falar em coincidências, registe-se o facto de, na segunda-feira, 12, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, ter perdido o vice-líder do governo na Câmara dos Comuns, Nigel Griffiths, que renunciou ao cargo para poder votar contra a extensão do uso do míssil Trident D5 até ao início da década de 2040. A votação estava prevista para ontem, 14 de Março, e Griffiths deixou claro que renunciava «com pesar, mas de consciência tranquila», já que discorda do plano multimilionário para renovar o sistema de defesa de mísseis nucleares da Grã-Bretanha. A proposta deve custar cerca de 40 mil milhões de dólares.

O pretexto invocado pelo Partido Trabalhista – que havia assumido o compromisso de um desarmamento nuclear unilateral no início da década de 1980 – e amplamente explorado por Blair é a necessidade de actualizar o sistema de defesa para fazer face à ameaça que representa a Coreia do Norte e o Irão.

in AVANTE 2007.03.15

Ilustração - Guerra Nuclear, por
Jakubias

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