Os dados do desemprego nos países ricos, revelados na semana passada, são de assustar. Estados Unidos e Europa, que concentram uma imensa fatia do PIB mundial, apresentam taxas de desemprego em torno dos dois dígitos — fato que aponta o potencial longevo e destrutivo da atual crise global.
Em recente artigo no The New York Times, Paul Krugman comentou o relatório do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, alertando que a criação de alguns postos de trabalho pela primeira vez em dois anos poderia suscitar apelos por um fim ao estímulo econômico e pela reversão dos passos que o governo e o Fed (Banco Central norte-americano) estão tomando para impulsionar a economia. Qual o problema?
Se esses apelos forem considerados, repete-se o grande equívoco de 1937, quando o Fed e a administração do presidente Franklin Roosevelt decidiram que a Grande Depressão havia acabado e que já era hora de a economia jogar fora suas muletas, explicou Krugman. Os gastos foram cortados, a política monetária foi apertada, e a economia imediatamente mergulhou de novo nas profundezas.
O economista lembrou que tanto Ben Bernanke, o presidente do Fed, quanto Christina Romer, que lidera o Conselho de Assessores Econômicos do presidente Barack Obama, são estudiosos da Grande Depressão. Cristina foi explicitamente alertada contra a possibilidade de reeditar os acontecimentos de 1937, lembrou. “Porém, aqueles que lembram o passado ainda assim o repetem algumas vezes”, advertiu Krugman.
Reflexo da crise no emprego
A advertência é séria. Em 1937, os Estados Unidos estavam no auge do debate sobre os efeitos do desemprego no prolongamento da crise econômica. Semelhanças com o estado atual da crise, com potencial para se prolongar por tempo indefinido com conseqüências catastróficas para as demais economias, chamam a atenção e fazem pensar.
Informa o site Cubadebate que o número de estadunidenses e de empresas que solicitaram declaração de falência aumentou em 32% no ano passado. Foram apresentados 1,4 milhão de pedidos de falência, mais do que em qualquer outro ano, após o Congresso rever as leis da falência, em 2005. No Arizona, o número de falências aumentou subitamente em 77% e na Califórnia, Wyoming e Nevada, em mais de 50%.
A crise tem reflexos imediatos no índice de emprego. Foram cortadas 85 mil vagas apenas em dezembro, segundo o relatório do PIB norte-americano. O número de novembro foi revisto para melhor, apontando 4 mil contratações ante informação preliminar de 11 mil demissões. Mas houve revisões também em outubro, o que fez com que nesses dois meses a economia tenha perdido mil empregos a mais que o inicialmente divulgado.
Bancos encalacrados
Em dezembro, a taxa de desemprego ficou estável em 10%. O desemprego nos Estados Unidos chegou a dois dígitos (10,2%, em outubro, o maior nível desde abril de 1983). O presidente Barack Obama classificou a taxa como “um duro apelo à realidade”, lembrando que um bom nível de emprego acarreta, tradicionalmente, a retomada econômica.
Desde o início da recessão nos Estados Unidos, em dezembro de 2007, o desemprego no país já avançou 5,3 pontos percentuais, com 8,2 milhões de demissões. Para o economista Adriano Benayon, da Universidade de Brasília (UnB), os bancos usaram os recursos dos bancos centrais, nos Estados Unidos e na Europa, para inflar novas bolhas especulativas, em detrimento do financiamento à produção e à conseqüente geração de empregos.
“Os BCs emitiram muito dinheiro e o repassaram aos bancos encalacrados com títulos tóxicos. Empresas produtivas hoje são risco alto para eles. É uma política contrária à sociedade. Em vez de crédito público para financiar diretamente a produção e fomentar emprego, contemplou-se apenas a oligarquia”, critica Benayon, acrescentando que, nos seis primeiros meses após à quebra do Lehmann Brothers, em 15 de setembro de 2008, somente o Fed emitiu US$ 8 trilhões.
Alta constante do desemprego
Frisando que “os bancos procuram sempre o que lhes parece mais seguro ou rentável”, o economista apontou um paradoxo na crise atual: “Quando há recessão, normalmente preços de ações e commodities caem, mas nesta ocorreu o contrário.” Benayon disse, ainda, que os especuladores estão contraindo empréstimos em dólar, com juro negativo, e investindo em ações e em títulos de países, como o Brasil, nos quais há tendência de valorização cambial. “É um ganho duplo de capital: com juros e valorização da moeda local. É uma guerra cambial na qual o Brasil entra de gaiato, graças ao BC”, resumiu.
Na Zona do Euro, o índice de desemprego também voltou a bater recorde e chegou em novembro pela primeira vez a 10%, anunciou a agência europeia de estatísticas, Eurostat. O nível de desemprego em novembro é o mais elevado desde agosto de 1998, que estabeleceu registros para os meses anteriores à criação da Zona Euro em 1999.
Em outubro, o desemprego na Eurozona, integrada por 16 países, afetava 9,9% da população ativa, segundo dados revisados para cima. O desemprego registra uma alta constante desde o agravamento da crise financeira mundial de 2008. Em novembro de 2008, o índice era de 8%.
Uma Áustria e Irlanda sem emprego
Na União Europeia (UE), integrada por 27 países (incluindo os 16 da Zona Euro), o desemprego em novembro foi de 9,5%, contra 9,4% em outubro. O número também é um recorde desde o início da atual série estatística, iniciada em janeiro de 2000. Os desempregados da Zona Euro somam 15,712 milhões, uma alta de 102 mil em novembro na copmparação com outubro. Na UE, são 22,899 milhões — com variação positiva de 185 mil desempregados.
A Europa tem uma Áustria e Irlanda sem emprego Apesar dos discursos róseos sobre o fim da crise, os Estados Unidos e a Zona do Euro fecharam 2009 com desemprego próximo dos dois dígitos. Além de o desemprego ter permanecido em 10% em dezembro, ele ainda não atingiu o pico, alertou o economista Ken Goldstein, da organização de pesquisa e projeções econômicas Conference Board. A taxa ficou pouco abaixo dos 10,1% de outubro de 2009, mas Goldstein avisa que o número ainda irá avançar para entre 10,3% e 10,4% entre abril e maio.
Falando na conferência “Novo mundo, Novo capitalismo”, na Escola Militar de Paris, o primeiro-ministro português José Sócrates disse que a crise mostrou a importância “do bom e velho Estado” nas políticas de apoio à economia. Muitos “olharam para o Estado à espera de uma resposta” e o “novo capitalismo tem que contar com a presença do Estado”, considerou.
O patrão ficou louco
Qual papel o Estado pode ter nos desdobramentos da crise é uma incógnita. O certo é que no período recente o achincalhe ao Estado pelo neoliberalismo resultou em efeitos desastrosos. Em artigo reproduzido no Monitor Mercatil, Petros Panayotídis diz que a década foi iniciada com a conclusão da gigantesca redistribuição da riqueza social a favor dos ricos por intermédio da "loucura monetária".
Aquilo que o mundo viveu quando jogou e perdeu nas bolsas de valores suas poupanças, pensando ingenuamente que o “patrão ficou louco e está distribuindo dinheiro” foi apenas parcela de um fenômeno mundial, diz ele. “Em todos os países a classe média e até os pobres entregaram suas economias aos empresários. Tratava-se da maior redistribuição da riqueza com métodos pacíficos registrada pela história”, escreve.
Segundo Petros Panayotídis, realiza-se, novamente, uma gigantesca redistribuição da riqueza social, com os pobres tornando-se mais pobres ainda — desta vez por intermédio da crise econômica — e com os ricos tornando-se mais riscos ainda, graças às medidas de salvação do arcabouço financeiro e econômico mundial.
Experiência da Grande Depressão
As contradições internas do capitalismo e o antagonismo capitalista internacional alcançaram um nível no qual as conseqüências recaem pesadamente sobre os trabalhadores. O que acontece hoje é a desvalorização do capital sob todas as formas e a desvalorização da força de trabalho como mercadoria. Aconteceu no passado e voltará a acontecer no futuro, enquanto existir capitalismo.
A contradição entre capital e trabalho manifesta-se, entre outras formas, no fato de que em geral o capitalista e a ideologia de sua classe só enxergam a possibilidade de prosperidade econômica por meio do aumento incessante do grau de exploração dos trabalhadores. A experiência da Grande Depressão de 1929 demonstra essa constatação.
Em outubro daquele ano fatídico, pouco menos de um milhão de pessoas estavam desempregadas nos Estados Unidos. Em dezembro de 1931, mais de dez milhões estavam sem trabalho. Seis meses depois, o número de desempregados havia pulado para 13 milhões. No auge da Depressão, em março de 1933, 15 milhões de trabalhadores estavam desocupados.
Esse crescimento vertiginoso do desemprego levou a central sindical AFL-CIO a acelerar a campanha pela redução da jornada de trabalho, iniciada nos anos 20. Os dirigentes sindicais norte-americanos argumentavam, basicamente, que essa era uma forma para que todos pudessem ter emprego e poder aquisitivo suficiente para dinamizar a economia.
Dia de trabalho mais curto
O matemático e filósofo inglês Bertrand Russell defendeu a redução da jornada de trabalho com essa frase: "Não deveria haver oito horas diárias para alguns e zero para outros, mas quatro horas diárias para todos." Em julho de 1932, o Conselho Executivo da AFL, reunido em Atlantic City, redigiu um documento pedindo ao presidente da República, Herbert Hoover, uma conferência com líderes empresariais e sindicais para debater a necessidade de uma semana de trabalho de 30 horas. A idéia ganhou simpatia entre poucos empresários que, voluntariamente, cortaram a semana de trabalho para não demitir mais trabalhadores.
Uma das empresas que promoveram a redução da jornada foi a Kellog's. Em 1935, a empresa divulgou um estudo detalhado, mostrando que após cinco anos de semana de seis horas por dia o custo unitário das despesas operacionais fora reduzido em 25% (...), os acidentes reduzidos em 41% (...) e 39% mais pessoas do que em 1929 trabalhavam na Kellog's.
"Para nós, isso não é apenas teoria. Provamos isso com cinco anos de experiência concreta. Descobrimos que, com um dia de trabalho mais curto, a eficiência e o moral de nossos funcionários ficam tão elevados que os acidentes e as taxas de seguro declinaram. E com o custo unitário da produção tão reduzido podemos pagar por seis horas de trabalho o mesmo que costumávamos pagar por oito", diz o estudo.
Jornada semanal de 30 horas
Em dezembro de 1932, o senador Hugo Lafayette Black, do Estado do Alabama, apresentou um projeto de lei requerendo a semana de trabalho de 30 horas. O senador dirigiu-se à nação pelo rádio, conclamando os norte-americanos a apoiarem seu projeto — que, segundo suas previsões, se aprovado levaria à imediata readmissão de mais de 6,5 milhões de desempregados. Black disse ainda que esses empregos e suas rendas estimulariam a geração de milhões de novos assalariados.
O Senado aprovou o projeto no dia 6 de abril de 1933. Sua aprovação entusiasmou o país e estremeceu Wall Street. Enviado imediatamente para a Câmara dos Deputados, ele logo foi aprovado na Comissão do Trabalho e os trabalhadores norte-americanos imaginavam que estavam prestes a serem os primeiros do mundo a ter uma jornada semanal de 30 horas. Mas as horas do projeto estavam contadas.
O presidente Franklin Roosevelt, em conluio com líderes empresariais, imediatamente tomou providências para afundar a idéia. Roosevelt pediu à Comissão de Estudos da Câmara que acabasse com o projeto em troca da sua famosa "Lei de Recuperação da Indústria Nacional". O presidente alegou que a redução da jornada afetaria a capacidade dos Estados Unidos de "competir" internacionalmente.´
O grande desafio
Já os empresários não viam com bons olhos uma legislação que institucionalizaria a semana de 30 horas. Mais tarde, em 1937, numa sessão especial no Congresso convocada para tratar do agravamento do desemprego, Roosevelt disse que estava arrependido por não ter apoiado o projeto. "O que o país realmente ganha se encorajarmos o empresariado a ampliar a capacidade de produção da indústria e se não fizermos nada para que os rendimentos da nossa população trabalhadora efetivamente aumentem para criar mercados e absorver a produção gerada?", indagou.
No pós-guerra, a intervenção do Estado na economia garantiu, em muitos países, um bom nível de empregabilidade — empregando diretamente ou irrigando a economia com recursos indiretos (obras públicas e indústria bélica, por exemplo). O Estado foi o agente de equilíbrio que absorveu o impacto das crises econômicas e da automação na iniciativa privada.
Com o Estado transformado em comitê de administração da ciranda financeira pelo neoliberalismo, os efeitos da longa crise iniciada em meados da década de 70 aparecem por toda parte — e o desemprego recorde é uma das suas manifestações mais cruéis. O cassino global, uma máquina predadora da economia real sempre esfomeada, dotou os Estados de uma parafernália que funciona dia e noite a serviço da especulação financeira. Enfrentá-lo é o grande desafio, principalmente para os trabalhadores, nos dias que correm.
[Artigo tirado do sitio web brasileiro ‘Vermelho’, do 11 de xaneiro de 2009]
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