O início
Editora Ática
A partir de 1929, grande parte do mundo sofreu uma grave crise econômica. A produção industrial e o nível de emprego foram reduzidos, prejudicando um número incalculável de trabalhadores.
Essa crise teve início nos Estados Unidos, que, durante a Primeira Guerra Mundial, haviam enriquecido muito. O otimismo reinante no país naquela época fez com que a possibilidade de uma crise fosse ignorada. Milhões de pessoas foram surpreendidas quando ela ocorreu, e seus efeitos foram sentidos por mais de uma década.
Até a Primeira Guerra Mundial, a maior parte do mundo era abastecida por produtos industrializados vindos da Europa, principalmente da Inglaterra. Naquela época, as fábricas dos Estados Unidos produziam para o mercado interno e para outros países da América.
Durante a guerra, as empresas estadunidenses passaram a vender para antigos clientes dos europeus. Para aumentar a produção, os industriais fizeram investimentos por meio de empréstimos bancários, ou com o lançamento de ações (ver boxe Como funciona o mercado de ações).
Esse movimento foi acompanhado por empresas de outros países, levando a um aumento da capacidade de produção mundial. Investir no parque industrial nesse período tornou-se um negócio extremamente lucrativo nos EUA, pois a concorrência havia enfraquecido no mercado internacional. Porém, ao final do conflito, as firmas europeias se reconstituíram aos poucos, buscando retomar seus antigos mercados.
Mesmo assim, as companhias estadunidenses não paravam de crescer. E elas dependiam de mercados externos para vender sua produção.
Nos EUA, a renda dos trabalhadores era insuficiente para absorver tudo o que saía das fábricas. Os operários recebiam baixos salários, o que os impedia de comprar a maior parte das mercadorias que produziam.
VOCABULÁRIO Grande Depressão: Nome dado ao período que sucedeu à crise de 1929 e que compreende, principalmente, a década de 1930. Foi marcado pelo desemprego e pela crise econômica. Mercado interno: O mercado interno é constituído por empresas, consumidores e governos que se relacionam economicamente – comprando e vendendo produtos diversos e serviços – dentro das fronteiras do país. Demanda: Ação de procurar alguma coisa; qualquer bem ou serviço procurado no mercado por determinado preço e em determinado momento. Superprodução: Produção de uma quantidade de mercadorias muito superior à demanda. |
O crack da Bolsa de Nova York
Na década de 1920, a procura por produtos industrializados estadunidenses no mundo todo foi caindo à medida que aumentava a procura por mercadorias europeias. Mas as companhias estadunidenses continuaram a trabalhar a plena carga. Em circunstâncias assim, sem demanda, os estoques aumentam e pode haver uma crise de superprodução.
Finalmente, as empresas que tinham acumulado enormes estoques tiveram de parar ou reduzir a produção. O valor de suas ações mostrou os primeiros sinais de enfraquecimento nas Bolsas de Valores, após um longo processo de valorização. Enquanto as Bolsas promoviam grandes lucros, um número cada vez maior de cidadãos aplicava seu dinheiro em ações.
Os preços subiam sem parar; os lucros da valorização atraíam mais e mais gente. E assim por diante.
Os bancos engrossaram esse movimento, na medida em que passaram a emprestar dinheiro para quem queria comprar ações. Eles aceitavam como garantia as próprias ações adquiridas pelos clientes, que mais adiante pagariam por isso.
Chegou o momento, porém, em que muitas empresas começaram a ter dificuldade de vender seus produtos. Com isso, caiu o preço de suas ações. Quem possuía ações de empresas em dificuldades passou a vendê-las. Em 1929, o número de pessoas que queria vender ações era cada vez maior.
No dia 24 de outubro de 1929, a pressão para vender ações foi intensa na Bolsa de Valores de Nova York. Sem compradores, os preços dos títulos despencaram a ponto de os administradores da Bolsa terem de fechar as portas para evitar um desastre maior.
Crianças carregam cartazes em manifestação de trabalhadores durantea Grande Depressão, em St. Paul, Minnesota, EUA, 1937. No cartazque o menino segura lê-se: Por que você não dá um emprego ameu pai?
Riqueza e pobreza
Até a Primeira Guerra Mundial, a maior parte do mundo era abastecida por produtos industrializados vindos da Europa, principalmente da Inglaterra. Naquela época, as fábricas dos Estados Unidos produziam para o mercado interno e para outros países da América.
Durante a guerra, as empresas estadunidenses passaram a vender para antigos clientes dos europeus. Para aumentar a produção, os industriais fizeram investimentos por meio de empréstimos bancários, ou com o lançamento de ações (ver boxe Como funciona o mercado de ações).
Esse movimento foi acompanhado por empresas de outros países, levando a um aumento da capacidade de produção mundial. Investir no parque industrial nesse período tornou-se um negócio extremamente lucrativo nos EUA, pois a concorrência havia enfraquecido no mercado internacional. Porém, ao final do conflito, as firmas europeias se reconstituíram aos poucos, buscando retomar seus antigos mercados. Mesmo assim, as companhias estadunidenses não paravam de crescer.
E elas dependiam de mercados externos para vender sua produção.
Nos EUA, a renda dos trabalhadores era insuficiente para absorver tudo o que saía das fábricas. Os operários recebiam baixos salários, o que os impedia de comprar a maior parte das mercadorias que produziam.
Em setembro de 2004, Nova York, centenas de pessoas participaramde uma manifestação contra o aumento do desemprego nos EUA. Nafoto, manifestantes exibem pink slips (aviso de dispensa, que no Brasil échamado bilhete azul), onde se lê: O próximo pink slip pode ser seu!
Fazendo um estudo comparativo entre a crise de 29 e a crise econômica atual somos levados a crer numa certa incapacidade dos americanos de lidar com o sucesso. Que eles são trabalhadores e muito criativos não dá para negar, mas falta-lhes, creio eu, o hábito da reflexão aprofundada, uma visão geral dos fenômenos econômicos e sociais, falta-lhes certa prudência, a partir das experiências anteriores, como acontece a europeus e asiáticos.
Enquanto as outras nações definham lentamente, dando lugar às novas forças hegemônicas, os americanos simplesmente desabam, criando um perigoso vácuo político econômico – a última vez em que isso ocorreu, o mundo acabou na mais sangrenta guerra mundial da história. Os elementos são parecidos: uma crença ingênua no liberalismo clássico, quase inexplicável depois de tudo que o já aconteceu, nas leis cegas de mercado e em um ciclo de prosperidade aparentemente interminável, embora a crise de atual tenha um agravante em relação à de 29: a crise atual pegou os americanos em meio a uma guerra longa e ainda indefinida, contra os inimigos de Israel. Espero que uma reflexão sobre 29 ajude a compreensão daquilo que está ocorrendo atualmente e, na medida do possível, tranquilize os angustiados e alerte aos responsáveis.
COMO FUNCIONA O MERCADO DE AÇÕES
O dono de uma fábrica de sapatos que produz mil pares por mês quer ampliar a produção para 50 mil pares por mês. Uma das formas de conseguir dinheiro para aumentar o capital da empresa é atrair sócios para o investimento, com a promessa de distribuição de parte dos lucros futuros. Para isso, o empresário poderá emitir ações e vendê-las aos interessados, levantando os recursos de que necessita.
Uma ação é um documento representativo de uma parcela do capital da empresa. O empresário deste exemplo poderia lançar 1 milhão de ações ao preço unitário de 10 reais. Se vendesse todas, obteria 10 milhões de reais no mercado. Com esse dinheiro, teria condições de ampliar instalações, comprar novas máquinas, mais matéria-prima e aumentar o número de funcionários. Ele deixaria de ser o único dono do empreendimento, mas poderia conservar em seu poder uma quantidade de ações que lhe permitiria manter o controle da firma.
Realizada a emissão das ações, o empresário, se quiser, poderá cuidar apenas das operações da fábrica. Isso porque, depois do lançamento, as ações têm “vida própria” no mercado, onde normalmente são negociadas aos milhões diariamente. Os locais onde se realizam essas negociações chamam-se Bolsas de Valores. Aí os preços das ações sobem e descem de acordo com as expectatativas dos investidores quanto aos lucros futuros das empresas e suas possibilidades de crescimento.
É comum o diretor de uma empresa ser convidado a assumir um cargo no governo. Quando isso acontece, as ações de sua empresa normalmente ficam mais caras. Não é necessário que a empresa lucre mais. O simples fato de os investidores imaginarem que isso possa ocorrer já eleva os preços das ações. Se um especulador fica sabendo disso antes dos outros investidores, compra diversas ações dessa empresa apenas para revendê-las alguns dias depois por preço mais alto.
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A atual crise que assola o capitalismo tem sido comparada ao “crash” (quebra) de 1929, que iniciou uma longa depressão na economia mundial e teve efeitos catastróficos para a classe trabalhadora. O que aconteceu naqueles dias de outubro não foi apenas um pequeno abalo ou uma turbulência semelhante a várias outras crises capitalistas.
A crise de 1929 foi o maior desastre da história capitalismo no século 20 e representou uma devastação da economia mundial. Os resultados foram a pobreza generalizada das massas, uma drástica desvalorização e a aniquilação de capitais e mercadorias. O tombo, evidentemente, foi mais alto nos EUA, epicentro da crise e a maior economia global.
Os historiadores E. Hobsbawn e Paul Kennedy estimam que, entre 1929 e 1931, a produção norte-americana de automóveis caiu pela metade. A produção industrial dos EUA caiu em um terço no mesmo período. Entre 1929 e 1932, as exportações e importações (trigo, seda, borracha, chá, cobre, algodão, café etc.) despencaram em taxas de 70%. Em 1929, apenas nos EUA, 4,6 milhões de trabalhadores tinham perdido seus empregos. Em outubro de 1931, eram 7,8 milhões; em 1932, somavam 11,6 milhões; e em 1933 havia nos EUA 16 milhões de desempregados, 27% de toda força de trabalho do país.
A crise se expandiu para todo o sistema capitalista. O comércio mundial caiu 60%. Houve uma crise na produção básica de alimentos e matérias-primas devido à queda vertiginosa dos preços destes produtos. O Brasil tornou-se símbolo do desespero e da dramaticidade da crise, quando o governo queimou os estoques de café (principal produto de exportação do país) em locomotivas a vapor numa inútil tentativa de frear a queda dos preços do produto.
A Grande Depressão não teve efeitos catastróficos apenas para os trabalhadores norte-americanos. No pior período da depressão, entre 1932 e 1933, o desemprego chegou a níveis nunca vistos na história do capitalismo. Na Inglaterra, o índice chegava a 23%. Na Alemanha, a taxa de desemprego atingiu os espantosos 44%.
O desemprego em massa produziu cenas macabras como as enormes filas de sopas – conhecidas como Marchas da Fome – em bairros operários onde as fábricas estavam totalmente paradas. O drama dos trabalhadores também foi registrado pelo o olhar de artistas da época. É o caso do livro A Vinha da ira, do escritor norte-americano John Steinbeck, cuja história é de uma família pobre do estado de Oklahoma durante a Grande Depressão, que se vê obrigada a abandonar suas terras, perdidas por dívidas bancárias. Ou ainda, o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, fabuloso registro da miséria daqueles tempos e uma rigorosa crítica da produção com base no sistema de linha de montagem e especialização do trabalho.
Estados Unidos, um gigante de pós-guerra
Prof. Eduardo Simóes, Rede Estadual de Ensino de São Paulo
Não há como entender a quebra de 1929 sem compreender as contradições econômicas, sociais e políticas do mundo que emerge após a Primeira Guerra Mundial (1914-1919).
Lincoln Memorial, monumento localizado em
Washington D.C., Estados Unidos, em homenagem
ao ex-presidente Abraham Lincoln
A guerra foi consequência de uma profunda transformação estrutural do capitalismo com o advento do imperialismo, grau superior do desenvolvimento capitalista.
As transformações econômicas dessa nova fase histórica do capitalismo são assim definidas por Lênin: 1) substituição da livre concorrência entre capitalistas pelos monopólios das grandes corporações; 2) exportação de capitais dos países imperialistas em escala global; 3) domínio absoluto do capital financeiro, a partir da fusão do capital bancário com o industrial.
Lênin afirmava que, no limiar do século 20, estava dada uma “situação monopolista de uns poucos países riquíssimos, nos quais a acumulação do capital tinha alcançado proporções gigantescas. Constitui-se um enorme ‘excedente de capital’ nos países avançados”. Daí a necessidade de que esse capital excedente fosse exportado em busca de uma colocação lucrativa. A possibilidade da exportação de capitais vinha do fato de existirem países onde “os capitais são escassos, o preço da terra e os salários relativamente baixos, e as matérias-primas baratas (...) já incorporados na circulação do capitalismo mundial”.
Como consequência, era preciso controlar o mercado mundial. Por isso as burguesias das principais potências imperialistas empenharam-se febrilmente na preparação da Primeira Guerra Mundial como forma de dividir e conquistar os mercados.
EUA: um gigante do pós-guerra
A Primeira Guerra fez com que os EUA emergissem como a principal economia do planeta. As transações de produtos industriais e agrícolas se ampliaram com a abertura de créditos aos países aliados, seguidas pela concessão de empréstimos à Inglaterra, França e, posteriormente, Alemanha. A produção norte-americana deu um salto gigantesco em vários setores, destacando-se a indústria bélica, de material de campanha e alimentos. Os EUA se tornaram o maior credor do mundo e no final dos anos 1920, o país respondia por mais de 42% da produção industrial global. Enquanto isso, França, Inglaterra e Alemanha juntas detinham 28%.
O fim da guerra, porém, provocou uma pequena queda na economia norte-americana. Mas logo o crescimento econômico é retomado, quando a França e a Inglaterra (e posteriormente Alemanha) passam a saldar suas dívidas com os EUA. Esse período é marcado por grande entusiasmo e ficou conhecido como “Big Bussines”, ou grandes negócios, caracterizado por uma superprodução de mercadorias e um mercado em expansão.
Em 1924, a economia mundial parecia retomar o crescimento, embora o desemprego nos países da Europa continuasse muito alto, com 12% na Inglaterra e 18% na Alemanha. A superprodução foi característica de todo esse período, favorecida pela política de liberalismo econômico, responsável pelo aumento dos estoques, pela queda nos preços, pela redução dos lucros e pelo desemprego.
No entanto, já em 1921, na contramão dos prognósticos mais otimistas, Trotsky avaliava que o breve crescimento da economia era algo efêmero e cíclico que não deteria a crise estrutural do capitalismo:
“Quais são as perspectivas econômicas imediatas? É evidente que América se verá obrigada a diminuir sua produção, não tendo a possibilidade de reconquistar o mercado europeu de antes da guerra. Por outro lado, Europa não poderá reconstruir suas regiões mais devastadas nem os ramos mais importantes de sua indústria. Por essa razão, assistiremos no futuro a uma volta penosa ao estado econômico de antes da guerra e a uma dilatada crise: ao marcado estancamento em alguns países e em ramos das indústrias particulares; em outros, a um desenvolvimento muito lento. As flutuações cíclicas seguirão tendo lugar, mas em geral, a curva do desenvolvimento capitalista não se inclinará para cima senão para abaixo” (relatório aos membros do Partido Comunista Russo, utilizado por Trotsky para o III Congresso da Internacional Comunista; 23 de junho de 1921).
Com o início da recuperação do setor produtivo dos países europeus, a produção norte-americana começou a entrar em declínio. Essa situação expressou-se principalmente no setor agrícola, com o aprofundamento da queda dos preços dos produtos primários.
A crise dos agricultores norte-americanos seria o prenúncio de 1929. Na medida em que as exportações diminuíam, os grandes proprietários não conseguiam saldar as dívidas contraídas com os bancos. Além disso, as ações das empresas tinham se sobrevalorizado imensamente num movimento de especulação financeira.
Foi questão de tempo para que a crise no campo causasse desabastecimento nas cidades que já enfrentavam problemas com o desemprego.
Quando veio o colapso das bolsas, no dia 29 de outubro, dia conhecido como “quinta-feira negra”, os bancos do país estavam sobrecarregados de dívidas não saldadas, ações supervalorizadas de empresas que estavam em queda e, assim, recusaram refinanciamentos ou novos empréstimos para a habitação, automóveis etc. Calcula-se que cerca de mil hipotecas de casas foram executas por dia após 1929.
A quebradeira levou centenas de bancos à falência. Na época, o sistema financeiro norte-americano era extremamente débil. Não havia bancos gigantes, como na Europa. O sistema bancário do país consistia em pequenos bancos locais e regionais. Mas o tombo da economia norte-americana só estava começando.
Disputa pela hegemonia
A quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque não só iniciou uma profunda depressão econômica internacional que perdurou por toda a década de 1930. Também aprofundou os enormes conflitos interimperialistas, abrindo, assim, os portões para uma nova guerra mundial.
Na Grande Depressão, os Estados imperialistas procuravam defender suas burguesias como podiam. Não hesitaram em levantar barreiras tarifárias para proteger seus mercados dos efeitos da crise, contrariando as doutrinas de livre comércio em que afirmavam repousar a prosperidade do mundo.
O fim da Primeira Guerra já marcava claramente a crise final da hegemonia inglesa no sistema capitalista, o declínio econômico da Europa e a expansão econômica dos EUA. No entanto, o imperialismo norte-americano ainda não tinha conquistado a posição de potência hegemônica na esfera capitalista. Isto é, sua ascensão ainda não representava uma nova divisão mundial de forças, esferas de influência e mercados.
O poderio dos EUA e a debilidade do imperialismo europeu aumentaram os conflitos com as potências da Europa. Uma tendência prevista em análises da Internacional Comunista, particularmente por Trotsky, nos anos 1920.
Mediante uma política expansionista e agressiva, potências imperialistas, como o Japão e a Alemanha dos anos 1930, procuraram uma maior participação no mercado mundial.
Já nos EUA, a partir do New Deal, plano empregado pelo presidente eleito Franklin Roosevelt, pôs uma breve interrupção à depressão. Diante de um enorme desemprego e um possível descontrole social, o governo fez com que o Estado interviesse na economia, criando grandes obras de infra-estrutura, salário-desemprego, assistência aos trabalhadores e concessão de empréstimos. No entanto, os Estados Unidos só conseguiram retomar seu crescimento econômico com o início da produção armamentista para a Segunda Guerra Mundial, no final de 1940.
Movimento de massas e a crise de 1929
Jeferson Chome, revista Opinião Socialista
O “crash” teve enormes desdobramentos e aumentou a polarização social e política em todo mundo nos 1930. A crise levou a uma fragilidade das democracias burguesas, colocando abaixo todas as formas ideológicas que ocultavam as relações de exploração e permitiam a realização dos lucros. Para a democracia burguesa funcionar, é necessário convencer ideologicamente as massas de que com ela o povo decide quem vai governar, de que o Estado está acima dos interesses de classe etc.
Grande Depressão de 1929 se seguiu à quebra da bolsa de
Nova York: lições foram tiradas para enfrentar a crise atual
A propósito disto, Lênin já observava que a submissão ideológica do proletariado inglês à burguesia inglesa tinha como base as migalhas oferecidas pelo imperialismo inglês aos trabalhadores de seu país, obtidas com o saque das nações coloniais e semicoloniais. A estabilidade das democracias dos países imperialistas da Europa dependia, em grande medida, desta rapina.
Por outro lado, as instituições do regime burguês são destinadas a obter o consenso das outras classes sociais. Aqui entram também a Igreja, os partidos políticos, os sindicatos, as escolas, a imprensa, os intelectuais, o senso comum etc., que formam as consciências que aceitariam a ordem vigente.
Uma crise econômica, porém, produziu um golpe colossal contra esse sistema de dominação. Não seria mais possível sustentar as migalhas de antes e tampouco a cobertura democrática que oculta o horror da exploração. O rei estava nu. Assim, a depressão econômica gerou uma radicalização do cenário político e o confronto direto entre as opções pelo socialismo e o fascismo.
Ao mesmo tempo, o prestígio da URSS crescia entre as massas e a opção pelo socialismo ganhou enorme audiência entre os trabalhadores. O movimento operário, na América e na Europa, foi à luta. E foi o destino destas lutas que, em grande medida, selou o cenário político dos anos subseqüentes.
Nos EUA, o movimento operário levantou a cabeça e protagonizou importantes greves, como a dos mineiros, e a greve dos caminhoneiros em Mineápolis em 1934. A onda de greve no país fez irromper um sindicalismo combativo e um processo de reorganização do movimento sindical, culminando na criação de uma nova central independente, a CIO.
Na Espanha, os operários e camponeses lutaram bravamente contra o golpe fascista de Franco e contra o governo republicano. Protagonizaram uma das maiores revoluções operárias da história, mas foram derrotados pela política traidora do stalinismo e do Partido Comunista Espanhol de colaboração com a burguesia republicana.
Na França, após a eleição de um governo de Frente Popular encabeçado pelo Partido Socialista, os operários realizaram uma poderosa onda de greves em 1936, abrindo um processo revolucionário. Na Inglaterra, os operários também realizaram greves que colocaram dificuldades ao governo trabalhista.
Nos países coloniais e semicoloniais, aumentou também a atividade antiimperialista. Na América Latina, surgiram regimes nacionalistas burgueses, como de Cárdenas, no México, ou do Para, no Peru. No Brasil, a velha oligarquia cafeeira foi varrida do poder. Na Índia, se intensificaram as lutas pela independência nacional.
O fascismo surgiu para derrotar a ferro e fogo a classe operária. Mas seria a derrota das lutas do movimento operário europeu que criariam as condições necessárias para o ascenso do fascismo. E foi na Alemanha que se deu o confronto mais decisivo daqueles anos.
Contra-revolução nazista
A Grande Depressão foi muito sentida na Alemanha, particularmente pelo seu proletariado. No auge da crise, em 1932, contam-se mais de 6 milhões de desempregados, ou 44% da força de trabalho germânica. Cerca de 80% dos filiados do poderoso Partido Comunista Alemão eram trabalhadores desempregados.
O país já vivia uma fase de crises e instabilidades desde o fim da Primeira Guerra que fez ruir o antigo regime imperial. Uma revolução operária o varreu, mas a social-democracia sustentou um novo regime republicano. Esse regime, a chamada República de Weimar sempre primou pela instabilidade política. Quando se precipitou a crise catastrófica de 1929, já era claro que a alternativa colocada diante do país era, tão somente, entre um governo dos sovietes ou uma ditadura fascista.
Mas a tradicional organização, a força e coragem dos trabalhadores da Alemanha não detiveram o perigo nazista devido à política de suas direções. Suas organizações, especialmente o PC, foram incapazes de promover a mais elementar união às vésperas de Hitler tomar o poder.
Na época, a Internacional Comunista (já convertida em instrumento da burocracia stalinista) se recusava a realizar uma Frente Única com a social-democracia para combater o nazismo. A Internacional dizia que “o fascismo e a social-democracia são apenas as duas faces de um só e mesmo instrumento da ditadura do grande capital. Por isto, a social-democracia jamais poderá ser um aliado firme do proletariado na luta contra o fascismo”.
Essa desastrosa política foi trágica para movimento operário. Esse teve suas organizações aniquiladas quando o nazismo chegou ao poder. Para a burguesia germânica, o nazismo foi a solução diante da ameaça da revolução operária. Com o nazismo, se implementaria uma política estatal de rearmamento, e o país caminharia para a carnificina da Segunda Guerra Mundial.
Não é objetivo deste artigo realizar uma análise detalhada do fenômeno do fascismo. No entanto, do ponto de vista da utilidade do regime fascista para a acumulação do capital, Ernest Mandel comentou: “A ascensão do fascismo é a expressão da grave crise social do capitalismo na sua idade madura, duma crise estrutural que, como nos anos 1929-1933, pode coincidir com uma crise econômica clássica de sobreprodução, mas que ultrapassa amplamente uma simples flutuação de conjuntura. (...) A função histórica da tomada do poder pelo fascismo é a alteração pela força e a violência das condições de reprodução do capital, a favor dos grupos decisivos do capital monopolista”.
A economia da URSS foi uma alternativa à depressão
A catástrofe de 1929 foi um acontecimento de conseqüências terríveis sentidas em todo o mundo. Mas havia uma opção contra a devastação causada pela crise do capitalismo. Essa opção era a URSS, único país que não foi atingido pela crise e que chegou a registrar, na década de 1930, um crescimento anual de 20%.
Nos anos em que a economia capitalista entrou em depressão, a economia da URSS se encontrava em plena expansão. Entre 1929 a 1940, a produção industrial soviética triplicou, subindo de 5% dos produtos manufaturados no mundo para 18%. No mesmo período Inglaterra, França e EUA viram sua fatia cair de 59% para 52%. Se naqueles anos o sistema capitalista condenava milhões à pobreza, na URSS não havia desemprego.
Isso porque a URSS não era parte do mercado mundial capitalistas. Apesar das profundas deformações burocráticas provocadas pelo stalinismo, a economia estatal planificada demonstrou todo seu potencial e a jovem república soviética se transformou de um país atrasado e agrário numa grande potência econômica mundial.
Para isso, foi fundamental o fim da propriedade privada dos meios de produção e a planificação econômica, que suprimiram o eixo sobre o qual funciona o capitalismo: a busca pelo lucro. Dessa forma, a planificação econômica estatal e centralizada, foi organizada para satisfazer às necessidades dos trabalhadores e das massas.
Reportagem de outubro de 1929
Revista Veja
As primeiras horas do pregão de 24 de outubro em Wall Street passarão às páginas da história como responsáveis por abrir o alçapão em que sucumbiu a Bolsa de Nova York neste fim de década. Não se chegou, até agora, a uma explicação plausível sobre o frenesi que levou os investidores a se desfazerem, literalmente a qualquer custo, de suas antes preciosas ações naquela quinta-feira. Mas desde o início da semana as vendas já se mostravam significativas, e os índices desciam escadaria abaixo. Com o grande volume de negócios, os tickers instalados nas corretoras ao redor do país – máquinas que imprimem em fita as cotações dos papéis selecionados – não davam conta de atualizar as cotações em tempo real. Ainda na segunda-feira, o ticker só terminou de trazer o péssimo resultado daquele dia uma hora e quarenta minutos após o fechamento. Quando os investidores percebiam que poderiam estar arruinados, já era tarde demais para tomar qualquer providência. Mesmo assim, 6.091.870 títulos mudaram de mãos, no que se tornou o terceiro maior volume de negócios da história da Bolsa.
O 'ticker' pifou: cotações atrasadas
Na quarta, véspera do primeiro colapso, depois de um começo tranqüilo, vendas massivas de ações de acessórios de automóveis foram registradas; pouco depois, toda a lista entrava na dança. Apenas na última hora do pregão, 2.600.000 ações foram vendidas. A média industrial do Times despencou de 415 para 384, o que representou, na prática, a anulação de todo lucro registrado desde o fim de junho. Para piorar, a queda levou à convocação de um sem-número de investidores para pagamento do aumento da margem. Muitos não tinham nenhuma economia; todo o dinheiro estava aplicado nas ações. Não havia outra alternativa, então, senão se desfazer dos papéis para recuperar o investimento – ou o que restava dele. A essa altura, milhares de pessoas já haviam decidido abandonar o barco enquanto, imaginavam, ainda havia uma saída viável. Ela não existia.
O 'ticker' pifou: cotações atrasadas
Foi quando veio, finalmente, a quinta-feira negra. O volume de vendas no início do dia foi inacreditavelmente grande, o que fez os preços cederem com notável rapidez. Novamente, o ticker atrasava, retardando a revelação da catástrofe iminente. Dominadas pelo medo, mais e mais pessoas decidiam vender suas ações. As que não conseguiram atender às chamadas para o pagamento do aumento da margem estavam simplesmente liquidadas. Por volta das 11h30, os reflexos do pânico já haviam se alastrado: onze conhecidos especuladores haviam cometido suicídio. As bolsas de Chicago e Buffalo fecharam. O clima dentro da Bolsa de Nova York era desesperador: pouco depois do meio-dia, funcionários cerraram a galeria dos visitantes para que nenhum curioso testemunhasse as cenas de agonia que se descortinavam no salão abaixo.
Efeito devastador: fila para saque em um banco do estado de Massachusetts
Ao mesmo tempo, os banqueiros convocavam uma força-tarefa emergencial para agir de imediato. Em uma reunião no escritório do J. P. Morgan, na mesma Wall Street, diversos mandarins do dinheiro – entre eles Charles E. Mitchell, do National City Bank, Albert H. Wiggin, do Chase National Bank, e Thomas W. Lamont, do Morgan – decidiram despejar caminhões de verdinhas na Bolsa para escorar o mercado. Finda a reunião, Lamont recebeu os repórteres para uma série de declarações apaziguadoras. "Houve uma pequena aflição na Bolsa de Valores, devido a um requisito técnico do mercado. Mas as coisas são suscetíveis de melhorar", garantiu, impávido, o célebre banqueiro. Pouco tempo depois, Richard Whitney, chefão da Richard Whitney & Co., apareceu no salão da Bolsa e ofereceu 205 dólares por 10.000 ações da United States Steel, cotadas naquele momento a míseros 190. Whitney fez encomendas semelhantes de diversas outras empresas. Em um piscar de olhos, a recuperação desabrochava.
Boa parte do fervor das vendas era determinado por investidores que queriam apenas parar de perder, e estavam dispostos a se desfazer de suas ações por qualquer valor. Com isso, os papéis desprezados retornavam ao mercado e faziam os preços caírem mais ainda. O dinheiro dos banqueiros e a nova alta interromperam essa reação em cadeia, substituindo o medo de perder pela vontade de ganhar. Os preços então voltaram a subir, e o balanço do dia registrou uma recuperação notável – a média industrial do Times fechou apenas 12 pontos abaixo do dia anterior. O que fez o dia 24 de outubro tão significativo – e trágico – foi o volume total de vendas: 12.894.650 transações, recorde absoluto da história de Wall Street. Nessa dança, para inúmeros americanos já não adiantava mais que o mercado tivesse se recuperado: ao vender suas ações na baixa, estavam quebrados.
O banqueiro Lamont: 'pequena aflição'
Sexta-feira e sábado, 25 e 26 de outubro, foram dias de relativa calmaria nos mercados. Os preços se mantiveram firmes. Corretoras seguiam trabalhando diuturnamente para colocar os negócios em dia. Representantes das 35 maiores firmas do mercado tiveram uma reunião nos escritórios da Hornblower and Weeks na sexta e emitiram um comunicado para a imprensa. "O mercado está fundamentalmente sólido e tecnicamente em melhores condições do que estivera durante meses." Uma mensagem da corretora anfitriã completou o panorama animador: "A começar com as transações de hoje, o mercado deve iniciar o assentamento das fundações para o progresso construtivo que, acreditamos, caracterizará 1930." Como essa, houve no fim de semana uma série de análises e perspectivas favoráveis ao mercado altista. Mas a chegada da segunda-feira trouxe uma ducha de água gelada a todas elas, e solidificou a percepção de que o bear market, o tão temido mercado baixista, era inevitável e irreversível.
O banqueiro Lamont: 'pequena aflição'
O volume de vendas do dia 28 foi bem menor que o da quinta-feira: cerca de 9.250.000 ações. O grande problema foi o tombo: as médias industriais do Times despencaram 49 pontos. Os banqueiros reuniram-se outra vez no escritório da J. P. Morgan, desta vez no fim da tarde, num encontro que durou duas horas e que, para desespero dos corretores, não culminou em nenhuma ação de resgate ou salvamento. Ao contrário: o resumo da reunião fornecido à imprensa relatava que os abastados executivos decidiram não agir, porque não estava "dentro da finalidade dos banqueiros manter qualquer nível determinado de preços ou proteger o lucro de quem quer que fosse". Os magnatas estavam preocupados apenas em que não existissem "vácuos" – ações sem compradores –, para que assim o mercado mantivesse sua ordem. Já estava claro, a essa altura, que a situação já fugia a qualquer controle. Não havia mais promessas a serem feitas. A ruína se avizinhava.
Toda a tragédia, assim, se convergiu para a terça-feira negra, 29 de outubro de 1929, data devastadora para a Bolsa de Nova York e todos os mercados mundiais. Logo no início da manhã, uma enxurrada de papéis foi colocada à venda – e em muitos casos, lotes e lotes não encontraram compradores, pesadelo mais temido pelos banqueiros. As ações da White Sewing Machine Company, que nos meses anteriores chegaram a 48 e fecharam na véspera a 11, foram negociadas a 1 dólar. A United States Steel, socorrida por Richard Whitney na quinta-feira anterior a 205 a ação, fechou em 174. Na média, os piores desempenhos da jornada foram os dos papéis dos consórcios de investimentos, cuja trajetória nos últimos anos era de dar inveja a qualquer indústria. A Goldman Sachs, que terminara a segunda-feira cotada a 60, fechou a 35. Seu fundo de investimento Blue Ridge, que no começo de setembro era negociado por 24, prostrou-se a ínfimos 3 dólares a ação no fechamento da terça negra.
Turbulência de outubro: apesar dos discursos otimistas, nervosismo persiste em NY
Mais uma vez, os banqueiros acharam por bem não enviar missões de resgate à Bolsa. Pior: correram boatos de que os magnatas estavam na verdade vendendo suas ações – o que foi desmentido de forma oficial por Thomas W. Lamont, da J. P. Morgan. Mesmo assim, o prestígio dos bancos, tão em alta na quinta-feira, havia desmoronado junto com as ações. A população contava novamente com eles para a salvaguarda financeira do mercado, mas a decisão já estava tomada. Naquele dia, os piores pesadelos se reuniram em um pregão: o volume de vendas foi superior ao da quinta-feira-negra, com 16.410.030 ações trocando de dono, sem contar aquelas que não conseguiram ser vendidas mesmo com preços no atoleiro. As médias industriais do Times caíram quase nos mesmos patamares da véspera: 43 pontos, o que, na prática, anulava o lucro dos doze formidáveis meses precedentes.
Turbulência de outubro: apesar dos discursos otimistas, nervosismo
persiste em NY
Depois dessa terça-feira, entre mortos e feridos, ninguém se salvou. Se na primeira semana os cidadãos comuns foram as maiores vítimas da carnificina acionária, na seguinte, pelo tamanho dos lotes colocados à venda, pôde-se perceber que também os muito ricos perderam dinheiro ao se livrarem de seus papéis a preço de banana. Atordoados, especuladores à beira da bancarrota vagavam pela metrópole. O clima era soturno e melancólico, como a ressaca de uma inebriante celebração que acabara subitamente. A polícia de Nova York resgatou o corpo de um agente comercial das águas do rio Hudson. Além da roupa do corpo, seus únicos pertences eram 9,04 dólares e alguns avisos para pagamento do aumento da margem.
Em uma ironia dos infindáveis mistérios do mercado financeiro, as ações registraram surpreendentes ganhos no dia 30, com as médias industriais do New York Times tomando o elevador e subindo 31 pontos – e sem nenhum apoio organizado para tanto. Talvez o discurso de tranqüilização, repetido em coro por todos os mandas-chuvas, tivesse surtido efeito. O subsecretário de Comércio dos Estados Unidos, Julius Klein, foi ao rádio na noite do dia 29 para lembrar à população que o presidente Herbert Hoover dissera que os negócios elementares do país ainda resistiam. "O ponto principal que eu quero destacar é a solidez fundamental da maior parte das atividades econômicas", defendeu. O homem mais rico do mundo, John D. Rockefeller, quebrou um silêncio que já durava várias décadas e reapareceu em público para dizer que estava comprando ações (leia reportagem nesta edição). No último dia do mês, em pregão de apenas três horas, nova alta permitiu um respiro ao mercado.
O nervosismo, porém, ainda é latente em Wall Street e nas outras Bolsas ao redor do planeta. Já se provou nos últimos dias que a vontade do mercado é incontrolável, e seu furor, devastador. Os escritórios de corretagem já anunciaram que não darão folga aos funcionários no primeiro fim de semana de novembro, quando a Bolsa, mesmo com o mercado suspenso, abrirá seus salões para a conclusão de negociações e correção de erros gerados pela turbulência do crepúsculo de outubro. A gravidade da situação pode ser percebida até mesmo na curiosa e atabalhoada tentativa do jornalista Arthur Brisbane, editor da cadeia de jornais Hearst, de levantar o moral dos americanos. "Para se consolar, se você perdeu, pense na gente que vive perto do monte Pelée, que recebeu ordem para abandonar suas casas", escreveu o colunista, citando o furioso vulcão que já matou 30.000 pessoas no Caribe desde o começo do século. Não seriam poucos os investidores falidos, de ventas ao chão, que prefeririam estar na calorosa vizinhança do vulcão da Martinica – mas ainda com dinheiro para comer um cachorro quente com Coca-Cola.
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