Caro Soares dos Santos
Caro
Alexandre Soares dos Santos, sou cidadão português e deputado na Assembleia da
República. Sou, portanto, um dos destinatários dos inúmeros conselhos que tanto
gosta de dar aos políticos, aos jovens e aos portugueses em geral. Mas eu também
tenho algumas coisas para lhe dizer. O senhor é um dos poucos vencedores do euro
e das taxas de juro baixas – com uma moeda mais forte que o escudo conseguiu
passar a importar mais barato, e com taxas de juro historicamente baixas,
conseguiu o crédito necessário para, em poucos anos, alargar a todo o país a sua
rede de distribuição e investir no estrangeiro. Pelo caminho, contribuiu
negativamente para o saldo da nossa balança comercial, “aniquilou” o comércio
tradicional e esmagou as margens de lucro dos pequenos produtores agrícolas.
Como se isto não fosse suficiente, ainda teve o descaramento de, em plena crise,
transferir a domiciliação fiscal do seu grupo económico para outro país. E
assim, ironicamente, enquanto o povo português faz das tripas coração para pagar
esta crise, o senhor (ao que parece, um dos homens mais ricos do mundo) deixa de
pagar em Portugal os impostos que eram devidos pelo lucro obtido cá, para pagar
menos na Holanda. Encontrou ainda, apesar de a economia portuguesa estar em
recessão, uma oportunidade de negócio em mais um sector protegido da
concorrência internacional – depois de o sector da distribuição, o sector da
saúde – montando uma rede de clínicas médicas low cost. À luz deste
investimento, compreendem-se melhor as críticas que faz à “subsidiodependência”,
ou quando afirma que “andamos sempre a mamar na teta do Estado” – quanto menos o
Estado investir no Serviço Nacional de Saúde, maior será o número dos seus
clientes, correcto? Caro Alexandre Soares dos Santos, permita-me a ousadia de
lhe dar um conselho: use parte da fortuna que amealhou neste país para investir
na indústria. Desenvolva, por exemplo, uma bicicleta eléctrica: proponha-se
entrar no capital de uma empresa portuguesa de bicicletas já existente, contrate
uma equipa de jovens engenheiros para conceberem baterias eléctricas, invista no
design da bicicleta e na sua promoção e use a rede de distribuição de que dispõe
para as lançar no mercado. Arrisque, mostre que também é capaz de produzir
coisas e de as exportar; como fazem já os empresários do sector do calçado, que
desenvolvem produtos reconhecidos internacionalmente, que correm meio mundo para
garantir encomendas e ainda contribuem para o aumento da produção nacional e
positivamente para o saldo da nossa balança comercial.
(crónica
publicada às quartas-feiras no jornal i)
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