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11 de Março de 2013 - 10h00
Em artigo anterior, publicado no dia 14 de fevereiro, "Atualidade e Universalidade do Pensamento de Álvaro Cunhal" remetemos o leitor a uma breve apresentação do conjunto da obra O Partido com Paredes de Vidro. O texto a seguir pretende mostrar como o dirigente português abordava a questão dos quadros, essencial para a consolidação do Partido Comunista.
Por Rita Matos Coitinho*, para o Vermelho
Por Rita Matos Coitinho*, para o Vermelho
Em sua fundamental obra Que Fazer¹ Lênin demonstrou a necessidade de um partido formado por quadros capazes de, em nome de uma estratégia geral, definir táticas de ação adequadas. Esse partido deve realizar propaganda e agitação permanentes - em cima de qualquer questão, qualquer injustiça, a todo momento, desvelando permanentemente a origem dos problemas sociais. Essa tarefa não é e nem poderia ser desempenhada pelos sindicatos ou movimentos relacionados a um grupo específico, mas somente por uma organização revolucionária, um partido orientado estrategicamente para a superação do Estado burguês.
Essa formulação foi adotada amplamente pelos Partidos Comunistas ao longo do Século 20. Formaram-se partidos orientados para uma ação de vanguarda nas lutas sociais com vistas à ascensão revolucionária da classe trabalhadora e à construção do socialismo em todo o mundo. É comum, na referência aos partidos comunistas, a denominação de "partidos de quadros", no sentido de que são formados por militantes capazes de articular as lutas pontuais com a estratégia geral da revolução, promotores da agitação e da propaganda necessárias à tarefa de derrubar a ordem burguesa e construir uma nova ordem, socialista. O que não contraria a denominação corrente de "partido de massas".
Quadros em processo
Mas quem são os "quadros" do Partido Comunista? Em um capítulo dedicado aos quadros no livro O Partido com Paredes de Vidro², o revolucionário português Álvaro Cunhal revelou o profundo sentido humanista que atribuía à luta política e à construção do Partido. Para Cunhal, "os quadros são seres humanos" com potencialidades e talentos diversificados cujo empenho e dedicação são a força e a medida do caráter e da firmeza do Partido.
"O Partido é composto por todos os seus membros. Todos têm iguais direitos e iguais deveres (...) deveres de trabalhar pela aplicação da linha do partido e para o reforço de sua organização e influência, reforçar sua ligação com as massas, defender abnegadamente as reivindicações e aspirações dos trabalhadores, tomar ativamente parte nas reuniões do seu organismo (...) Todos os membros do partido podem ser quadros, mas muitos não o são de fato. São quadros os que desempenham tarefas responsáveis em quaisquer escalões (...) e também os que se empenham dedicadamente no cumprimento de suas tarefas, quaisquer que elas sejam".
Em Cunhal a qualidade de "quadro" do Partido define-se pelo seu compromisso com a construção da organização e da luta nas frentes de trabalho. A intensidade desse compromisso é variável no tempo e de quadro para quadro. O dirigente português recusou-se a indicar uma hierarquia apriorística entre os militantes partidários, na medida em que compreendia que a ocupação dos espaços na hierarquia partidária deve corresponder ao momento histórico e que o sucesso da organização vem do trabalho coletivo: ..."ser quadro do Partido, mais ou menos destacado, não se define pelo organismo a que o membro do partido pertence, nem pelo grau de responsabilidade, nem pela tarefa que desempenha, nem sequer pelo nível da sua preparação política e de seus conhecimentos gerais (...) Existem quadros do Partido com os mais diversos graus de preparação ideológica e de conhecimentos... A atividade do Partido é a atividade de todos os seus membros. A obra do Partido é a obra de todo o grande coletivo partidário".
É claro que isso não significa que todos os quadros são idênticos. Há diferentes graus de preparação e capacidade de ação que definem que tipo de atuação cada militante poderá desempenhar em cada momento específico da vida partidária. Mas Cunhal fez questão de destacar que essas características não são estanques: "...os quadros revelam-se, afirmam-se e desenvolvem-se através de sua atividade. E uma vez que a formação de um quadro é um processo, não há limite definido, rígido, divisório entre os membros do Partido em geral e os quadros em particular".
Só é possível aplicar acertadamente a política de quadros se esta for fundamentada num sério trabalho coletivo. "É completamente indesejável que a chamada de novos quadros a tarefas ou cargos de maior responsabilidade seja determinada por laços de amizade com tal ou tal dirigente, a preferência por quaisquer razões que não sejam as qualidades reais e o valor dos quadros."
Um outro aspecto da política de quadros com que se preocupou Cunhal foi o que chamou de "Questões de Quadros". Seriam aqueles "problemas surgidos na atividade do militante que infrinjam os princípios partidários e os deveres dos membros do Partido. As organizações devem estar atentas e intervir sempre que necessário para defender o Partido e ajudar os quadros. Defender o Partido das consequências dos erros dos quadros e ajudar o quadro a libertar-se do próprio erro e superá-lo. O Partido não amarra os quadros aos erros que cometem". Ao não prender o militante ao erro que cometeu, o Partido põe em prática a noção de que os quadros são processos. Cunhal defendia "uma ideia básica: todos os membros do Partido podem melhorar como militantes. Todos têm em si potencialidades bastantes para melhorarem a sua preparação, para enriquecerem a sua experiência, para serem mais eficazes no seu trabalho partidário...".
Por essa formulação, todo o esforço do Partido, no tratamento de uma crise, deve estar voltado para a solução do problema e não para a exclusão do militante que por algum erro provocou a questão. Cunhal propunha que as questões de quadros pudessem ser tratadas com base em seis critérios fundamentais, de modo a evitar que se cometam injustiças: o da verdade, o da objetividade, o da serenidade, o do respeito, o da celeridade e o da isenção. Por meio de um processo equilibrado e isento, "dar-se razão a quem tem razão", independentemente da posição que ocupa o quadro dentro do partido.
A crítica e a autocrítica: ferramentas para um Partido à altura dos desafios
Da mesma forma que na relação com o movimento de massas, a organização deve exercitar e estimular entre seus militantes "...o exame crítico e autocrítico do trabalho realizado [que] tem duas finalidades principais: o melhoramento do trabalho do Partido no imediato e no futuro e a ajuda, a formação e o aperfeiçoamento dos quadros". Reconhecendo na prática partidária um profundo sentido educativo, Cunhal defendeu que o exercício da crítica é essencial à formação dos quadros. Nesse sentido, não ajudam nem as críticas violentas, inquisitoriais (que revelam o caráter autoritário de quem a faz) nem as autocríticas em que o autor flagela a si próprio. "A deficiência e o erro não são crimes nem pecados. Nem a crítica é uma punição, um castigo, ou um julgamento, nem a autocrítica é uma humilhação ou um ato de contrição".
Toda a formulação do capítulo destinado ao estudo dos quadros do livro O Partido com Paredes de Vidro está orientada por um sentido profundamente humanista. Cunhal reafirmou a cada página a estreita ligação entre a ação partidária e a construção de seres humanos novos, à frente de seu tempo. O argumento central é que os quadros evoluem e progridem e que isso engloba um certo sentido de progresso inerente à luta pelo socialismo. "O ser humano não nasce predestinado a tal ou tal evolução. O meio, a educação, a experiência, as influências externas e a vontade própria influem poderosamente na evolução do indivíduo. É tarefa geral do Partido ajudar todos a progredir, com os métodos adequados à diversidade de personalidades e preparação, e naturalmente também distribuindo corretamente os meios disponíveis. (...) A evolução positiva de todos os membros do Partido como militantes e como seres humanos é uma tarefa inerente a toda a atividade partidária".
Que os quadros encontrem no Partido um ambiente favorável ao seu crescimento e que respondam à altura às tarefas e necessidades impostas pela luta política. Que o Partido seja compreendido e valorizado como condutor insubstituível da luta de classes, rumo ao socialismo. E que não se deixe de cuidar do Partido e da formação consistente de seus quadros mesmo nos momentos em que a possibilidade de se travar a disputa política dentro da institucionalidade aparentemente se sobreponha às demais formas de luta. A história está repleta de exemplos que demonstram que a democracia burguesa tem limites, idas e vindas. Estar preparado para momentos mais duros ao mesmo tempo em que se atua pelo aprofundamento da democracia é tarefa irrenunciável do Partido Comunista.
Notas:
1 - LENINE, V.I. Que Fazer? In. Obras Escolhidas. São Paulo, Alfa-ômega: 1986. Tomo 1.
2 - CUNHAL, Álvaro. O Partido com Paredes de Vidro. Lisboa, Avante!: 1985. Deste ponto em diante todas as citações referem-se a esta edição, capítulo 6 (Os Quadros), páginas 139 a 170.
* Rita Matos Coitinho é mestra em sociologia, cientista social e militante do PCdoB em Santa Catarina
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