A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, setembro 28, 2012

A classe trabalhadora vai à rua e encontra os mesmos do costume


Coletivo Passa Palavra

28 de setembro de 2012  
Categoria: Destaques


A dinâmica das lutas sociais não se compadece com as intenções dos seus agentes individuais e sem uma crítica persistente à possibilidade de surgirem e de se desenvolverem os mecanismos de hetero-organização das lutas, o perigo da sua burocratização está sempre à espreitaPor Passa Palavra
I
A dinâmica da classe trabalhadora ao longo do capitalismo tem actuado em torno do eixo auto-organização / hetero-organização, ou seja, a classe trabalhadora organiza-se a si própria ou é organizada por outros? Apesar destes dois princípios implicarem um antagonismo na sua substância política, na realidade concreta ambos se interpenetram e se condicionam mutuamente. Isto significa que as possibilidades de auto-organização abertas pelas lutas sociais da classe trabalhadora concorrem com (e contra) dinâmicas de burocratização que estão sempre à espreita. No caso dos movimentos sociais de indignados em Portugal as possibilidades de recuperação das lutas sociais não são estruturalmente distintas das sofridas por partidos, sindicatos e outras organizações ao longo do século XX. Com efeito, quando a luta de base recua, a cristalização de novas lideranças e o esbracejar de apelos vanguardistas inflaccionam a hetero-organização da classe trabalhadora.
II
A propósito da convocação de uma possível manifestação para os meses de Setembro ou Outubro, uma aspirante a intelectual orgânica dos movimentos de indignados colocou a seguinte questão à plateia: «porque é que acham que os mineiros das Asturias dão porrada na Polícia e o movimento 15O leva?». A resposta é sumamente esclarecedora: «porque têm uma ORGANIZAÇÃO!!!». Queixando-se do que chamava de esquecimento dos métodos e organizações do movimento operário a que as lutas sociais das últimas décadas se teriam remetido, compreende-se então que quando esta académica pranteia por uma organização certamente que não se está a referir a dinâmicas de auto-organização da classe trabalhadora, mas à inexistência de um partido leninista revolucionário. De facto, o que permitiu o enfrentamento dos mineiros asturianos contra a polícia espanhola foi a força da sua coesão ao nível dos membros da classe que desenvolveram relações de horizontalidade. Ou seja, a sua auto-organização e não a consolidação de uma estrutura partidária garroteando a classe. As palavras contam, e em política talvez ainda mais. O facto da “nossa” académica nos ter presenteado com a confusão entre “uma” organização e a possibilidade da classe trabalhadora ter níveis internos de organização quando se mobiliza autonomamente representa todo um programa político implícito.
Os contínuos suspiros pelo retorno de uma forma organizativa hierárquica, que substitua a dinâmica de base dos trabalhadores, são intrínsecos ao legado mais ortodoxo do leninismo. Pode-se mesmo dizer com total clareza que o leninismo levado às suas consequências resulta sempre num redesenhar da estrutura e da dinâmica interna da classe, cooptando activistas e transformando-os em futuros gestores. Mas se o leninismo enquanto corrente política resulta num substitucionismo, importa referir que o primeiro é uma variante deste último. O que renova a recuperação das lutas sociais e dos seus dirigentes é o que nos importa, e essa dinâmica extravasa largamente as fronteiras do leninismo.
III
Um dos problemas mais agudos do movimento de indignados prende-se com o carácter silencioso e larvar como se reproduzem alguns dos mecanismos que afectavam o leninismo. Em certa medida são ainda mais dificeis de descortinar, precisamente porque ocorrem num ambiente que se autolegitima e se assume publicamente como basista. Se o sindicalismo burocrático da CGTP [Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, principal central sindical] repercute uma óbvia separação entre os militantes de base e os dirigentes sindicais que se perpetuam nos mesmos cargos há uma, duas ou três dezenas de anos, os germes de verticalização e de cooptação das lutas desencadeadas autonomamente pelos trabalhadores também se encontram patentes no movimento de indignados. No caso português, e como a manifestação do dia 15 de Setembro passado evidenciou, a dinâmica de auto e de hetero-organização tem-se operado em dois eixos fundamentais.
Por um lado, a espontaneidade dos protestos e da participação dos trabalhadores tem superado qualquer tipo de expectativas, sobretudo de uma esquerda portuguesa habituada até há dois anos atrás às marchas cadenciadas e disciplinadas dos sindicatos da CGTP. Por outro lado, candidatos a timoneiros das lutas sociais não têm faltado. Desde os elementos mais ligados à convocação da manifestação de 12 de Março de 2011, e que ocuparam o centro das atenções nos meios de comunicação social durante cerca de um ano, até às mais recentes personalidades de esquerda que convocaram a manifestação do dia 15 de Setembro de 2012, sem esquecer todo o tipo de movimentos sociais e de plataformas de cidadãos. Verdade seja dita que a recente convocação da manifestação do dia 15 de Setembro foi realizada com o auspício de um inicial e aparente maior descomprometimento orgânico por parte dos seus organizadores e com um assumir mais vincado de uma necessária dimensão internacional das lutas sociais a empreender. Todavia, a dinâmica das lutas sociais não se compadece com as intenções dos seus agentes individuais; e sem uma crítica persistente à possibilidade de surgirem e de se desenvolverem os mecanismos de hetero-organização das lutas, o perigo da sua burocratização está sempre à espreita.
IV
A manifestação do dia 15 de Setembro alterou o quadro de expectativas da generalidade das pessoas ligadas aos movimentos de indignados e que se encontravam num inegável estado de isolamento. O desânimo patenteado no início do Verão com a estagnação do movimento de revolta subsequente à manifestação de 15 de Outubro de 2011 e às greves gerais de 24 de Novembro de 2011 e de 22 de Março de 2012 encontrava correspondência em voluntarismos de vária ordem. As vozes que se lamentavam da fraqueza e da desmobilização do movimento de indignados eram invariavelmente as mesmas que se galvanizavam perante as adversidades. Mais do que uma vez se ouviu falar um pouco por todo o lado que a força necessária para o sucesso de iniciativas de luta dependeria do que cada um dos activistas estivesse disposto a fazer, da qualidade das suas ideias e do quanto seriam ou não capazes de chegar às pessoas. Não que vários destes activistas não tenham razão nas críticas e nas desconfianças relativamente a um movimento sindical sempre tão lesto a querer enquadrar as lutas sociais e retirar-lhes radicalidade e espontaneidade. A questão aqui é que a primeira leva de activistas indignados não rompe com a tese de uma vanguarda esclarecida e científica, que pela sua própria “força” e pela “qualidade das suas ideias” funcionaria como detonador de uma forte mobilização social.
V
A primeira fornada de aspirantes a nova camada dirigente das lutas sociais aparenta estar a ser substituída. Mas estarão as suas concepções a ir no mesmo sentido de substituição? Parece-nos que não. Como apontamos num outro artigo, «a manifestação de dia 15 de Setembro não deixou de revelar a falta de um horizonte político», algo que ocorre tanto ao nível de segmentos das bases como ao nível dos activistas. Quando activistas pensam, dizem e escrevem coisas do género de que é necessária uma mudança de paradigma com a «vigência de duas ou mais outras economias de crescimento» e que sejam «complementares e abertas como os sistemas biológicos», fica-se com a sensação de se estar perante uma fronteira muito ténue entre o essencialismo mais profundo e a superficialidade mais corriqueira. Em termos puramente analíticos, é interessante verificar a existência de visões biologistas como estas, quanto mais não seja porque nos revelam o estado de total incompreensão de como funcionam os processos socioeconómicos fundamentais. A defesa da coexistência de diferentes regimes de acumulação no capitalismo (seja por via do Estado, do mercado ou do chamado “Terceiro Sector / Economia Social”) não é nova numa certa esquerda sempre desejosa de equilibrar instituições fundadoras do capitalismo, mesmo que nessa busca de um equilíbrio inter-institucional se perca a noção de que o Estado (restrito) não é antagónico do poder soberano das empresas, mas que ambos se pressupõem. O que incomoda é a persistência destas formulações, aqui temperadas e levadas ao exagero nalguns grupos de activistas por uma visão (ou será alucinação?) biologizante da organização social e económica. Daí que seja politicamente interessante a compreensão dos membros destes movimentos em sede de uma equiparação da vida social a um «ecossistema» e a «sistemas biológicos». A configuração e a transformação de todas as instituições derivam da dinâmica das lutas sociais e do impacto que as suas vitórias e derrotas implicam na expansão da extracção de mais-valia relativa. Portanto, a dinâmica social nada tem de pré-determinado e de adquirido para sempre. Ora, a perspectiva em que é aqui invocada a biologia actua num sentido precisamente inverso ao da dinâmica social. Por conseguinte, se a vida social é vista a partir desta distorção de paradigmas de origem biológica, então torna-se óbvia a equiparação das dinâmicas sociais e políticas dominantes numa era histórica às leis naturais. Também por isto grande parte da esquerda não consegue ultrapassar os marcos do capitalismo.
VI
A incapacidade da esquerda portuguesa de reflectir no plano da exploração económica convive com a concepção das classes dominantes como se se tratassem de grupos de pressão ou de lóbis. A somar aos intentos de enquadramento das lutas sociais encontra-se, portanto, uma perspectiva onde os conflitos de classe e os problemas socioeconómicos se encontram ausentes ou são equivalentes a um processo global de traficância e de extorsão legalizadas. Indo mais longe, esta esquerda auspiciosa em se tornar voz activa na tomada de decisões parlamentares consegue a proeza de considerar que «o Estado e o trabalho estão reféns dos que, enfraquecendo-os, ampliam o seu domínio sobre a vida de todos nós» (http://www.congressoalternativas.org/p/convocatoria.html ). Assim se tornam as classes dominantes numa categoria estritamente política, misturando o desejo (ou seria mais correcto chamar-lhe saudade?) de o Estado (restrito) reorganizar a sociedade no seu conjunto para que a democracia pudesse florescer.
«Tudo isto entregue à gestão de uma direita obsessivamente ideológica que substituiu a Constituição da República Portuguesa pelo memorando de entendimento com a troika. E que quer amarrar o País a um pacto orçamental arbitrário, recessivo e impraticável, à margem dos portugueses. Uma direita que visa consolidar o poder de uma oligarquia, desmantelar direitos, atingir os rendimentos do trabalho (que não sabe encarar como mais do que um custo), privatizar serviços e bens públicos, esvaziar a democracia, desfazer o Estado e as suas capacidades para organizar a sociedade em bases coletivas, empobrecer o país e os portugueses não privilegiados» (idem, itálicos nossos).
A precipitação para o nacionalismo acontece num instante. Moralizando a luta em torno de uma ética pela dignidade, a aliança que um sector presente na organização da manifestação de 15 de Setembro preconiza não passa de um cardápio de generalidades bacocas e sem qualquer substância. A ênfase colocada na «dignidade» e no «resgate do País» – certamente um eufemismo para a “salvação nacional”, curiosamente uma expressão com origens na direita conservadora – ajuda a perceber porque esta esquerda presente e aparentemente defensora da iniciativa dos movimentos sociais coloca no centro da sua crítica à direita o facto de esta «hostilizar a coesão social» (idem).
VII
A esquerda parlamentar que se reivindica de uma raiz marxista, mesmo que do marxismo só guarde algumas palavras de ordem, tem sempre a tendência a desconfiar de tudo o que seja espontâneo e que possa desencadear relações e práticas horizontais. Por exemplo, o Partido Comunista (PCP) representa em Portugal o pior das tendências de tentativa de enquadramento da classe trabalhadora, e este contexto de irrupção de lutas espontâneas desde o processo revolucionário de 1974-75 coloca um desafio novo aos mais intransigentes defensores de um capitalismo de Estado. Não só porque muitos dos seus militantes de base participaram nas manifestações do dia 15 de Setembro, ainda por cima quando o seu órgão oficial nunca mencionou a existência da manifestação para esse dia, mas sobretudo porque para os sobreviventes do stalinismo a táctica é sempre uma gaveta sem fundo. Perante o caudal participativo verificado a 15 de Setembro, o PCP logo apostou numa via de sedução dos participantes daquela manifestação a juntarem-se à «luta organizada» dirigida pela sua central sindical, «para que não sejam goradas muitas das aspirações que atravessaram a maioria dos participantes» na manifestação do dia 15 de Setembro. Daí que, nessa situação, o PCP e a CGTP estejam a tentar canalizar os protestos para o seu seio, «para que a luta seja mais forte e mais eficaz».
VIII
Analisámos brevemente os grandes objectivos de dois pólos da esquerda parlamentar portuguesa. Portanto, de dois pólos que procuram aglutinar as lutas sociais em seu redor e em prol de projectos políticos de hetero-organização da classe trabalhadora. Além da sua influência política por conta dos seus militantes, tanto o Bloco de Esquerda como o PCP possivelmente tentarão capitalizar eleitoralmente ao máximo esta onda de contestação. Ao mesmo tempo, parece-nos possível que esteja a ocorrer uma aproximação entre os organizadores e signatários da manifestação do dia 15 de Setembro e aquelas duas forças políticas.
Por via da influência histórica daquelas formações políticas no pós-1974, é relativamente natural que a maneira como a plataforma de signatários que convocou a manifestação de 15 de Setembro percepciona a sociedade seja muito aproximada. A tecla da “dignidade”, o combate aos especuladores, a visão cidadã do mundo por oposição à conflitualidade classista e a percepção moralizante das dinâmicas socioeconómicas e políticas do capitalismo são apenas alguns dos traços comuns.
«A austeridade que nos impõem e que nos destrói a dignidade e a vida não funciona e destrói a democracia. Quem se resigna a governar sob o memorando da troika entrega os instrumentos fundamentais para a gestão do país nas mãos dos especuladores e dos tecnocratas, aplicando um modelo económico que se baseia na lei da selva, do mais forte, desprezando os nossos interesses enquanto sociedade, as nossas condições de vida, a nossa dignidade» (http://queselixeatroika15setembro.blogspot.pt/ ).
Todavia, é possível que essa aproximação não se fique pelo plano das ideias mas eventualmente se efective no plano orgânico. A este propósito, os organizadores / convocadores da manifestação do dia 15 apelam publicamente à participação na manifestação da CGTP deste sábado em Lisboa: «Apelamos por tudo isto à participação massiva no protesto entretanto convocado pela CGTP-Intersindical para o próximo sábado, dia 29 de Setembro. Juntos reclamaremos esse novo rumo, que inverta totalmente a sujeição do governo aos joguetes políticos de entidades não sufragadas, que cinicamente nos impõem “ajudas” com juros fatais e sacrifícios que jamais ousariam sequer imaginar para si próprios. Um rumo onde não cabem a troika nem os troikistas» (idem). Entretanto, surgiu um texto de um dos organizadores daquela plataforma a defender essa aproximação em termos que nos parecem não ser muito claros sobre o que deveria ser uma distinção entre a aproximação pela base de uma aproximação pelo topo. «Não vejo qualquer concorrência entre as manifestações de 15 de Setembro e a concentração da CGTP a 29 de Setembro. Todas são importantes para derrubar o governo e recusar a política da troika. Elas não se opõem, elas somam-se. Acho que a maior parte das pessoas que tem como objectivo derrotar as políticas neoliberais e criar uma alternativa popular e de esquerda têm este ponto-de-vista».
Provavelmente também não por acaso, o jornal Público deu um grande destaque na sua edição on line ao apelo dos organizadores da manifestação de 15 de Setembro.
Este sentimento de uma possível cooptação e de aproximação dos subscritores da manifestação de dia 15 com a direcção da CGTP tem sido transversal a vários participantes nessa manifestação, que se têm indignado nas redes sociais. Também diversos activistas de movimentos sociais comprometidos com uma dinâmica de base se têm pronunciado no mesmo sentido, chamando a atenção para o facto de as formas de luta tradicionais se colocarem como entraves aos movimentos sociais. Existe um receio de afunilamento de lutas amplas e apartidárias no mesmo beco sem saída do costume: o enquadramento burocrático das manifestações. Apesar das críticas que possamos fazer a alguns destes activistas no respeitante à insuficiente análise dos processos socioeconómicos que compõem o capitalismo, não podemos deixar de concordar plenamente com a visão que eles e elas têm exprimido nas redes sociais e noutros locais acerca desta questão: a tendência imanente em outros activistas e outras organizações de esquerda de todo o tipo que reproduzem sistematicamente a verticalização das relações sociais e, assim, abafam a espontaneidade disruptora, desanimam os seus participantes, ostracizam activistas e, a prazo, desmobilizam as lutas sociais. Onde há fumo, há fogo? Seria conveniente um incêndio…
Sejamos claros. A articulação entre trabalhadores sindicalizados e entre trabalhadores precários não sindicalizados é absolutamente necessária. Contudo, todo este processo parece evidenciar uma aproximação a partir do topo e não pela base. Por um lado, estas várias declarações podem dar a entender uma possível hipótese de aproximação orgânica, e já não apenas ideológica, entre as lideranças das estruturas da esquerda parlamentar e as do movimento que convocou a manifestação de 15 de Setembro. Por outro lado, a insistência na construção de uma alternativa de governo de esquerda abre espaço para que uma aproximação orgânica se possa desenhar no curto prazo, dependendo também em boa parte de como corra a manifestação da CGTP de 29 de Setembro.
IX
O rumo dos acontecimentos políticos respeitantes à classe trabalhadora depende sempre do choque entre a sua auto-organização e a possibilidade de reconstituição das hierarquias dentro da classe. No caso dos manifestantes de 15 de Setembro existem inegavelmente ambiguidades nos discursos que se ouviam aqui e ali e nos cartazes que exibiam. À incompreensão da raiz económica dos problemas que afectam as condições de vida e de trabalho soma-se um desejo de ajustar contas com os “políticos”, chegando nalguns casos a desejar-se a substituição do actual elenco ministerial por governantes impolutos e competentes.
Mas se as ambiguidades do seu discurso são evidentes, a sua prática efectiva de tomar as ruas mostra um aspecto politicamente audaz e espontâneo, sem o qual não há lutas sociais possíveis. Em termos ideais, seria mais “fácil” superar essas ambiguidades políticas se a esquerda também não as tivesse. A existência de vanguardas nas lutas sociais é até certo ponto inevitável e, em termos estritamente de dinamização política, até pode ser necessária. Como sempre sucede nas lutas sociais, o mais importante é que as vanguardas [1] nunca se cristalizem e se burocratizem e, por outro lado, que o movimento de consciencialização política e de definição de relações solidárias extravase sempre os sectores mais activos e mais dinâmicos e vá diluindo progressivamente as fronteiras entre a vanguarda e a classe.
Por isso, em termos práticos, e face ao actual panorama de recuo de uma esquerda anticapitalista e antinacionalista em Portugal, a breve prazo só a manutenção de uma disponibilidade para lutar e para sair à rua poderá funcionar como uma escola mínima de aprendizagem para os trabalhadores que têm aderido a estes protestos. Se a crítica que fazem à prepotência do governo e da troika tiver alguma ressonância nos locais de trabalho e se o movimento mantiver uma certa autonomia relativamente às tentativas de enquadramento dos vários partidos, sindicatos e grupos de esquerda, já não será coisa pouca.
Nota
[1] Para uma definição muito precisa da relação entre vanguardas e massas numa base anticapitalista e que procure escapar às malhas da burocratização vale a pena ler o seguinte trecho: «É difícil também duvidar de que os dois problemas principais que as técnicas da organização política revolucionária se destinam a resolver são o estabelecimento de uma coesão no seio da vanguarda e a formação de canais de relacionamento entre a vanguarda e as massas. Assim, enquanto os leninistas concentram a atenção no aperfeiçoamento dos canais que permitem veicular as ordens das vanguardas, ou seja, no aperfeiçoamento das formas de enquadramento das massas sob a autoridade das vanguardas, é preciso preocupar-se acima de tudo com o reforço da capacidade de ação das massas, que lhes permita exercer o máximo de controle sobre as vanguardas e, tanto quanto possível, suplantá-las ao exercer diretamente o máximo de atividade. Daí a necessidade de reduzir progressivamente a distinção entre vanguarda e massas, através de sua indicação direta pela base; de sua substituição a qualquer momento em que as próprias “bases” o desejem; de impedir a cristalização de determinados indivíduos como “lideranças naturais”, através da rotação frequente de funções; da gestão cada vez mais direta dos processos de luta pelo corpo social dos trabalhadores» http://passapalavra.info/?p=53056.

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