por Miguel Madeira
Sobretudo em eleições em que nenhum partido tem maioria, é frequente alguns comentadores falarem em variantes "o eleitorado quis um governo que faça compromissos". Ontem há noite, na SIC, a conversa do Miguel Sousa Tavares e do Marques Mendes era de que, ao terem tirado a maioria à PàF mas dando-lhe mais votos que o PS, os eleitores pretendiam que Passos Coelho permanecesse a liderar o governo, mas que tivesse que negociar com o PS.
Mas acho que isso não faz sentido - num sistema em que cada eleitor vota num e num só partido, e com voto secreto (sem portanto saber que impacto exato o seu voto vai ter na relação de forças entre partidos) não se pode dizer que os eleitores "decidem" não dar a maioria a um dado partido - uns eleitores votam num partido, outros noutro, e o resultado agregado pode ser não haver uma maioria, mas não o é porque os eleitores tenham tomado a decisão de que não queriam uma maioria: simplesmente aconteceu assim.
Se tivessemos um sistema eleitoral em que cada eleitor tivesse direito a 100 votos, pudesse-os distribuir pelos vários partidos como quisesse, e a votação total fosse o resultado da média (ou da soma, vai dar ao mesmo) das votações individuais, poderia fazer sentido dizer que os eleitores tinham decidido "não dar a maioria" (já que aí poderia haver mesmo pessoas na cabine de voto a tomar a decisão "vou dar 38 votos à PàF e 32 ao PS, porque quero um governo do Passos Coelho sem maioria"); é realmente possível que, no dias antes das eleições, famílias ou grupos de amigos se reúnam a combinar algo como "Queremos que a PàF ganhe sem maioria, portanto vamos fazer assim: eu, o Pedro e a Luísa votamos na PàF, o Joaquim e o cunhado dele votam no PS e a Paula vota na CDU" mas duvido muito que tal aconteça.
O que tenho 99% de certeza que se passa é que quem votou na PàF quisesse que a PáF ganhasse com maioria, e que quem votou no PS também quisesse que o PS ganhasse com maioria; atenção que o BE e a CDU são casos mais complexos: alguns dos seus eleitores concerteza gostariam que esses partidos tivessem a maioria, mas grande parte vota nesses partidos pensado simplesmente "temos que dar força aos pequenos para que «eles» [os grandes partidos, o governo, o "sistema" em geral, etc.] não possam fazer tudo o que querem" - suspeito até que alguns eleitores do BE ou da CDU nunca votariam neles se houvesse possibilidade de eles virem a liderar um governo.
Ou seja, acho que não existe nenhuma opção no boletim de voto que possa realmente ser interpretada como um voto a favor de um governo da PàF dependente do apoio do PS - votar PàF é votar num governo da PáF, votar PS é votar num governo do PS e votar BE ou CDU é sobretudo votar num governo fraco que tenha que negociar (poder-se-á perguntar se não seria exatamente isso o tal governo PáF dependente do PS, mas custa-me a acreditar que os eleitores do BE ou da CDU tenham votado nesses partidos com o objetivo de terem como resultado um governo de acordo PàF/PS; parece-me muito mais lógico assumir que preferem um governo PS dependente do BE e da CDU).
Mas acho que isso não faz sentido - num sistema em que cada eleitor vota num e num só partido, e com voto secreto (sem portanto saber que impacto exato o seu voto vai ter na relação de forças entre partidos) não se pode dizer que os eleitores "decidem" não dar a maioria a um dado partido - uns eleitores votam num partido, outros noutro, e o resultado agregado pode ser não haver uma maioria, mas não o é porque os eleitores tenham tomado a decisão de que não queriam uma maioria: simplesmente aconteceu assim.
Se tivessemos um sistema eleitoral em que cada eleitor tivesse direito a 100 votos, pudesse-os distribuir pelos vários partidos como quisesse, e a votação total fosse o resultado da média (ou da soma, vai dar ao mesmo) das votações individuais, poderia fazer sentido dizer que os eleitores tinham decidido "não dar a maioria" (já que aí poderia haver mesmo pessoas na cabine de voto a tomar a decisão "vou dar 38 votos à PàF e 32 ao PS, porque quero um governo do Passos Coelho sem maioria"); é realmente possível que, no dias antes das eleições, famílias ou grupos de amigos se reúnam a combinar algo como "Queremos que a PàF ganhe sem maioria, portanto vamos fazer assim: eu, o Pedro e a Luísa votamos na PàF, o Joaquim e o cunhado dele votam no PS e a Paula vota na CDU" mas duvido muito que tal aconteça.
O que tenho 99% de certeza que se passa é que quem votou na PàF quisesse que a PáF ganhasse com maioria, e que quem votou no PS também quisesse que o PS ganhasse com maioria; atenção que o BE e a CDU são casos mais complexos: alguns dos seus eleitores concerteza gostariam que esses partidos tivessem a maioria, mas grande parte vota nesses partidos pensado simplesmente "temos que dar força aos pequenos para que «eles» [os grandes partidos, o governo, o "sistema" em geral, etc.] não possam fazer tudo o que querem" - suspeito até que alguns eleitores do BE ou da CDU nunca votariam neles se houvesse possibilidade de eles virem a liderar um governo.
Ou seja, acho que não existe nenhuma opção no boletim de voto que possa realmente ser interpretada como um voto a favor de um governo da PàF dependente do apoio do PS - votar PàF é votar num governo da PáF, votar PS é votar num governo do PS e votar BE ou CDU é sobretudo votar num governo fraco que tenha que negociar (poder-se-á perguntar se não seria exatamente isso o tal governo PáF dependente do PS, mas custa-me a acreditar que os eleitores do BE ou da CDU tenham votado nesses partidos com o objetivo de terem como resultado um governo de acordo PàF/PS; parece-me muito mais lógico assumir que preferem um governo PS dependente do BE e da CDU).
http://viasfacto.blogspot.pt/2015/11/o-eleitorado-quis.html
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