Comentário
| O processo de integração capitalista, que tem no projecto do novo Tratado Europeu, a que chamam de Lisboa, mais um significativo salto, empobrece a democracia, fragiliza direitos e põe em causa aspectos fundamentais da soberania dos povos, afectando de um modo particular as camadas mais frágeis da população, como as mulheres, designadamente as mulheres trabalhadoras, as jovens e as reformadas. . A nossa Constituição, aprovada em 2 de Abril de 1976, consagra «a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno». . Em sentido inverso, as elites nacionais do poder económico e político vêem no projecto de Tratado de Lisboa um escudo protector para prosseguirem e, até, se possível, aprofundarem os ataques às conquistas de Abril, aos direitos sociais e laborais, aos direitos das mulheres. Mas querem escamotear o seu real alcance e objectivo, querem esconder que este Tratado Europeu retoma a dita constituição europeia, que tinha sido rejeitada pelos povos da França e da Holanda. Por isso, PS, PSD e CDS/PP já o ratificaram na Assembleia da República, tendo recusado a realização do referendo que tinham prometido na campanha eleitoral, por terem medo das consequências de um voto esclarecido. . Na verdade, neste projecto de tratado europeu continuam todos os princípios que servem de base às políticas neoliberais, como o Pacto de Estabilidade e a dita Estratégia de Lisboa, tão usados em Portugal para justificar políticas restritivas de congelamento de salários, baixas pensões de reformas, privatizações de serviços públicos e a «flexigurança» à portuguesa de que as recentes propostas de alteração ao Código Laboral são exemplo. Lá continua o primado da concorrência, agora reforçado com um protocolo onde afirmam que «a concorrência não pode ser falseada», para facilitar ainda mais o ataque aos serviços públicos e aos direitos laborais, para proteger os direitos dos grupos económicos e financeiros e dar cobertura às recentes decisões escandalosas do Tribunal de Justiça Europeu contra os direitos dos trabalhadores, contra a negociação colectiva e contra os sindicatos, como aconteceu nos casos Laval, Viking Line e Ruffert, retomando, afinal, aquilo que parecia ter sido arredado, por pressão das lutas dos trabalhadores, da famigerada directiva Bolkestein sobre o «princípio do país de origem», mas que continua no artigo 47.º do Tratado Europeu. . Direitos esvaziados . Um dos exemplos mais gritantes desta campanha ideológica é o que se passa com a chamada Carta dos direitos Fundamentais que o Tratado de Lisboa incorpora, e que, ao contrário do nome, é uma carta sem direitos fundamentais. É que tal carta limita-se a inscrever princípios vagos e muito gerais, esquecendo ganhos civilizacionais, como os direitos sexuais e reprodutivos, o princípio de «salário igual para trabalho igual» ou mesmo o «direito ao trabalho» e a proibição de despedimentos sem justa causa. . Muitos direitos fundamentais que a Constituição da República Portuguesa consagra não constam desta referida Carta dos Direitos Fundamentais, e outros são referidos de uma forma tão vaga que, na prática, significa um empobrecimento da democracia política, económica, social e cultural. Por exemplo, enquanto os artigos 63.º e 72.º da Constituição da República Portuguesa determinam, de forma clara, as incumbências do Estado quanto à segurança social, à solidariedade e aos direitos dos idosos, o artigo 34.º da referida Carta dos Direitos Fundamentais limita-se a reconhecer o direito de acesso às prestações de segurança social e aos serviços sociais, embora, depois, remeta para as legislações e práticas nacionais. Ou seja, se nas legislações e nas práticas nacionais os trabalhadores, as mulheres e os reformados não conseguirem defender os direitos conquistados com Abril, não é através do Tratado Europeu e da sua Carta dos direitos Fundamentais que essa defesa é possível. . Por isso, vão ser determinantes para a defesa dos direitos das mulheres, dos trabalhadores e dos reformados as lutas pela defesa dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa, que continua a dar corpo ao projecto libertador e transformador da sociedade portuguesa que a revolução de Abril criou, que continua a alimentar a vida e a luta de todos os que querem construir uma sociedade mais justa e solidária, a sociedade socialista.
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