13 DE MAIO DE 2008 - 11h38
.O Brasil empreendeu uma cruzada. Na linha de frente, galvanizando suas tropas, está o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao seu lado, flutuando no vento, está a bandeira orgulhosamente levantada de uma nova grande causa nacional: a do etanol. Todos os dias, ou quase, Lula sobe até o front para travar combate. Ele defende com ardor o seu biocombustível predileto, cuja produção, que aumentou de maneira espetacular, representa há trinta anos um eixo fundamental da política energética do Brasil.
Por Jean-Pierre Langellier, do Le Monde
Esta cruzada, em primeiro lugar, constitui um contra-ataque. A crise mundial dos alimentos está conduzindo o Brasil, que é o segundo maior produtor mundial de etanol (à base de cana-de-açúcar), a ocupar o banco dos réus, ao lado dos Estados Unidos, o maior produtor de agrocombustíveis (à base de milho). A fabricação de etanol, afirmam os seus detratores, acarreta numa redução das superfícies alocadas para as culturas de gêneros alimentícios e, com isso, contribui, ao menos parcialmente, para o aumento dos preços dos produtos agrícolas.
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Dominique Strauss-Kahn, diretor geral do FMI, estima que os biocombustíveis representem um "verdadeiro problema moral". O ex-relator especial da ONU para o direito à alimentação, o suíço Jean Ziegler, que no caso parece um tanto exagerado nas suas declarações, os considera como responsáveis por um possível "crime contra a humanidade". Por sua vez, o presidente francês Nicolas Sarkozy fustiga o "dumping fiscal sem precedente" que vem sendo praticado por Brasil e Estados Unidos para estimular a expansão "de certos biocombustíveis".
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Esta avalanche de críticas pegou o Brasil de surpresa. Até ainda recentemente, o mundo, e, em primeiro lugar, a Europa, rasgava elogios para o país, por ele ter atuado como pioneiro ao optar por desenvolver maciçamente uma fonte de energia "limpa" que gera quantidades cinco vezes menores de gases de efeito-estufa do que o petróleo. Hoje, muitos colocam em dúvida a conveniência ecológica e ética desta escolha. Pior ainda, estariam prestes a condenar o Brasil por ser um "esfomeador" de populações.
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Decidido a encarar de frente aquilo que ele considera como uma campanha de desinformação, o Brasil se posiciona como uma vítima colateral das queixas, segundo ele legítimas, que têm sido dirigidas aos Estados Unidos. Ele opera uma distinção, chegando até mesmo a colocá-los em oposição, entre o "bom" etanol – o dele – e o "mau" – o americano. O primeiro é o único a ser mais barato de fabricar do que a gasolina. Um hectare de cana produz mais que o dobro de etanol de um hectare de milho. A cultura e a transformação do milho consomem sete vezes mais energia do que as da cana.
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Sobretudo, a cana-de-açúcar, diferentemente do milho, não é uma fonte de alimentação nobre. A sua transformação não desfalca a humanidade de um alimento potencial. O Brasil orgulha-se de ter feito progredir, paralelamente, as suas culturas de cereais e de cana, esta última ocupando hoje 12% das superfícies cultivadas. "Nós abastecemos sem problema tanto os estômagos quanto os reservatórios dos carros", resume Lula. A cultura da cana, em sua maior parte, ocupou espaços que até então eram de pastagens abandonadas. Conclusão do presidente brasileiro: acusar o etanol de ameaçar a segurança alimentícia é "uma mentira deslavada".
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Frente ao "bombardeio" que alveja o seu país, Lula contra-ataca questionando os argumentos que têm sido admitidos por uma grande maioria. Se os preços estão explodindo, é porque, muito além dos revertérios climáticos, e não raro por causa deles, o consumo está aumentando além do que se poderia esperar, e porque a demanda vem alcançando e até mesmo ultrapassando a oferta: "Há muito mais gente em todo o mundo que se alimenta três vezes ao dia. Os chineses comem mais, os indianos comem mais, os brasileiros comem mais, e as pessoas vivem por mais tempo".
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Os alimentos também estão mais caros porque o aumento dos preços do petróleo encarecem o transporte dos gêneros alimentícios e o custo dos adubos. Eles também estão mais caros por causa da crise imobiliária e financeira, que incita os especuladores a aplicarem seus fundos num mercado agrícola promissor.
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Mas o contra-ataque do Brasil não se limita a estes argumentos. Ele também condena o protecionismo dos países ricos, e as suas duas ferramentas privilegiadas: as subvenções agrícolas, que protegem os fazendeiros e satisfazem os consumidores locais, mas desestimulam os produtores dos países pobres; e os direitos alfandegários, que pesam sobre os produtos vindos do Sul. Estes mecanismos dizem respeito ao etanol em primeiro lugar, uma vez que a Europa lhe impõe uma taxa de 60%.
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O Brasil, que, apresar de tudo, já vende para os europeus 30% do etanol que eles consomem, denuncia "esta taxa absurda" e, desde outubro de 2007, vem negociando com a União Européia no sentido de reduzi-la. Até o momento, sem qualquer resultado. Sem se fazer de rogado para condenar o "lobby petroleiro", ele critica também os Estados Unidos por estes não comprarem o seu etanol.
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O protecionismo dos países ricos
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O interesse do Brasil pela Europa aumentou drasticamente desde que esta tomou a decisão de que os biocombustíveis, e principalmente o etanol e o biodiesel, deveriam, até 2020, entrar na composição, numa proporção de 10% – contra 2% atualmente – do líquido consumido pelos seus veículos. Isso representará um mercado anual de cerca de 20 bilhões de litros, do qual o Brasil, o maior exportador mundial, espera abocanhar uma boa fatia.
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Assim, tanto neste campo como em outros, o Brasil pensa ter um compromisso com a História. "Todo mundo sabe", observa Lula, "que o nosso país será um concorrente imbatível, porque nós temos a terra, a água, os conhecimentos, a tecnologia e trinta anos de experiência".
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Esta confiança no futuro autoriza o presidente a adotar um tom mais glorioso: "O Brasil não é mais um figurante. Ele é um artista de primeiro plano". Ou ainda, incentiva Lula a lançar mão de ironia para fustigar aqueles que criticam o etanol: "Daqui a pouco, eles vão dizer que a carne da nossa pecuária não é boa e que o café do Brasil é de má qualidade".
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Contudo, o etanol não apresenta apenas virtudes. A cana-de-açúcar precisa de bastante água para crescer. A sua cultura, rentável, conduz os camponeses a abandonarem outros tipos de cultura. Da mesma forma que toda monocultura, ela desgasta os solos. Ela intensifica a especulação e a concentração das terras nas mãos de poucos proprietários.
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Os brasileiros rebatem que a cana, uma cultura semi-permanente, coabita em parte com produtos alimentícios tais como a soja, o amendoim e o feijão. Eles lembram que o etanol enriqueceu as campanhas, criou um milhão de empregos e deteve o êxodo rural.
As companhias petroleiras européias e americanas, por sua vez, estão apostando no etanol brasileiro. A BP (British Petroleum, britânica) acaba de anunciar a sua decisão de efetuar importantes investimentos no setor. No sentido inverso, a maior companhia açucareira brasileira, a Cosan, comprou a filial local da distribuidora de combustíveis Esso. Com isso, ela passa a controlar toda a cadeia de produção do etanol, da plantação até os automóveis.
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Cerca de 90% dos carros novos comercializados no Brasil funcionam com etanol ou com gasolina, e até mesmo com os dois alternadamente, mas, pela primeira vez, em abril, o primeiro foi mais consumido do que a segunda. O Brasil está esperando que outros grandes países emergentes, tais como a China ou a Índia, imitem as suas opções energéticas.
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No dia em que isso acontecer -um dia, sem dúvida, ainda longínquo- o etanol será uma "commodity" cotada em Bolsa num mercado global, do qual o Brasil está decidido a se tornar o líder inconteste.
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