CM
06 Maio 2008 - 00h30
Opinião
Para onde vai o director nacional da Judiciária?
.Até que ponto anunciou na entrevista que há mesmo uma “hipótese de trabalho” para concentrar as polícias? Em alguns momentos da entrevista fala como se fosse membro do Governo, o que parece pouco compatível com a inteligência que lhe é reconhecida. A menos que as suas palavras resultem de uma improvável articulação com os dois ministros para ver se a ideia faz caminho. Alberto Costa teria então de defender o contrário do que há décadas afirma. Há ainda a hipótese de Alípio estar de malas aviadas para o lugar de secretário-geral de segurança interna. Aqui, porém, duas coisas são certas: o caminho é muito pedregoso e uma parte do discurso garantístico de Alípio em matéria penal, de que a contenção nas escutas é um exemplo, é pouco compatível com a ideia de concentração de polícias, sobretudo numa altura em que existe tão grande consenso na esfera política – do PS ao CDS, passando pelo PSD – de que a independência da investigação criminal deve ser um valor meramente relativo...
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06 Abril 2008 - 00h30
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O Estado das Coisas
.Violência: retrato a preto e branco
.Chegou-se a um ponto em que a escola sem violência é comparável à possibilidade de um peixe viver fora da água
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A violência escolar, sendo um problema mundial que atinge jovens entre os 13 e os 16 anos, é o reflexo da violência social, da violência doméstica, da violência infantil, da violência familiar. O espelho desta grave realidade, que a modernidade acompanhou, reflecte, para dentro da escola, estes sinais preocupantes. Mas a escola também tem a sua própria violência, aquela que aí nasce, porque a escola, designadamente a pública, tornou-se distante e fria, um amontoado de cimento desordenado, sem valências culturais, sem alma e sem rostos de liderança, com métodos de ensino e cargas horárias desumanas, que obrigam o aluno a decorar e a esquecer no dia seguinte, não estimulando a reflexão, a compreensão, a discussão e o pensamento criativo. Esta escola cria um aluno desmotivado, sem predisposição para ouvir o professor. Os alunos são números e ninguém tem tempo para dedicar tempo aos problemas aí existentes nem para fiscalizar alunos que entram na escola, como disse o sr. procurador-geral da República, armados com pistolas de 6,35 e 9mm, entregues, muitas vezes, pelos próprios pais.
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Chegou-se a um ponto em que a escola sem violência é comparável à possibilidade de um peixe viver fora da água. Não há um factor único para explicar a violência na escola. As causas são variadas: a situação familiar, as condições sócio-económicas, o estilo pedagógico, a convivência, no mesmo espaço, entre alunos de barriga cheia e outros menos afortunados e com angústias, sem ninguém que os ajude.
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Só se consegue combater a violência escolar se este fenómeno for o alvo prioritário das políticas públicas e se forem dados passos seguros na criação de uma escola solidária, amiga e humana, mantendo, obviamente, critérios de rigor e de exigência na aprendizagem e na avaliação dos conhecimentos. Políticas facilitistas e pouco exigentes no ensino devem ser combatidas. Também se combate a violência, que na maioria das vezes é crime, com estudos científicos e medidas preventivas, do género das que foram apontadas por Pinto Monteiro, lamentavelmente mal compreendidas por muito boa gente.
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Estamos a viver o tempo da transgressão e do desrespeito pelos valores da civilização. Como diz Zygmunt Bauman, bem vistas as coisas houve sempre um selvagem aprisionado no íntimo de cada ser humano civilizado. Nem o método do ‘olho por olho e dente por dente’ nem ‘dar a outra face’ são os mais indicados. A questão está em saber se a parte civilizada – se a ordem e a disciplina, em suma, se a educação – vence e influencia, pacificando a periferia e a parte menos civilizada. Eu pagaria para ver se os nossos governantes não teriam olhado para o ensino com mais responsabilidade se não houvesse escolas privadas e muitos explicadores particulares. É que, nesta situação, os seus filhos passariam a fazer parte da solução porque tinham de conviver com a escola insegura. Por isso é que faz todo o sentido o apelo de Pinto Monteiro quando exorta os conselhos executivos das escolas e os professores a denunciarem todos os casos de agressão praticados dentro dos estabelecimentos de ensino, actos que configuram crimes, por muito que isso não agrade à sra. ministra da Educação. De facto, os pequenos ilícitos geram e potenciam os grandes ilícitos. "Hoje não temos mais a opção entre violência e não-violência. É somente a escolha entre não-violência e não-existência", Luther King.
CM
27 Abril 2008 - 00h30
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O Estado das Coisas
.Privatização da acção executiva
Agora sim, é a machada final nos direitos dos cidadãos, que ficam à mercê da privatização da execução.
A reforma da acção executiva ficará para a história do Estado de Direito como uma das piores medidas legislativas, em processo civil, nos últimos trinta e quatro anos. A desjudicialização operada na acção executiva provocou o caos nos processos executivos, com as célebres secretarias de execuçãoatulhadasde processos sem fim à vista. Esta situação provocou e continua a provocar o desprestígio da Justiça e a revolta dos cidadãos. As pessoas e as empresas ficam anos e anos para receber os seus créditos e quando existe uma luz ao fundo do túnel já não existe dinheiro ou bens para assegurar o devido pagamento. As sucessivas reformas foram irresponsáveis (mais uma vez foi-se beber, sem método e conta, ao direito estrangeiro), porque foram avançadas sem estarem criados os meios e as estruturas necessários.
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A ineficácia da acção executiva é um dos factores negativos no funcionamento da economia, agravada pela massificação e facilitação do crédito. A reforma, que passava pela figura do solicitador de execução, com funções parajurisdicionais para penhorar, vender e ‘quase matar’ o devedor, foi um completo falhanço, de má memória para os direitos das pessoas, muito pela falta de preparação e de sensibilidade do solicitador para executar estas complexas tarefas. Jogam-se na acção executiva, no campo da penhora de bens ou de depósitos bancários e na venda direitos complexos do devedor e do credor, que não podem ser realizados de qualquer maneira. O êxito da reforma da acção executiva passava, como se alertou em tempo, por a execução ser mantida na esfera dos tribunais, com a criação dos juízos com competência especializada para a acção executiva e um quadro próprio de oficiais de justiça.
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Agora chegou a vez deste Governo, que, diga-se, também tem direito, a estragar ainda mais. Como os interesses privados, que rodeiam o mundo das execuções, são enormes, os advogados passam a partilhar com os solicitadores tarefas jurisdicionais, criando-se o estatuto de agente de execução. Agora sim, é a machada final nos direitos dos cidadãos, que ficam à mercê da privatização da execução. Resolvem-se os problemas dos advogados e dos solicitadores, criando-lhes emprego, mas perde-se em transparência e em qualidade, desprotegendo-se e diminuindo as garantias dos intervenientes no processo de execução.
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Então, reparem no que aí vem: o agente de execução (advogado e solicitador) deixa de estar na dependência funcional do juiz de execução; passa a ter um estatuto idêntico ao exercício do mandato judicial; passa a ter acesso directo aos elementos constantes das bases de dados, registos ou arquivos da administração fiscal, das instituições de Segurança Social e das entidades bancárias, para efeitos de penhora, tudo sem necessidade de autorização judicial; e cria-se a arbitragem ‘obrigatória’. Assim se afasta, de vez, o juiz de execução, verdadeiro ‘empecilho’ nestas tarefas.
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Esta reforma desconhece as sábias palavras de Portalis, com dois séculos: 'As leis não são puros actos de poder, são actos de sabedoria, de justiça e de razão. O legislador não deve perder de vista que as leis são feitas para os homens e não os homens para as leis; que elas devem ser adaptadas ao carácter, aos hábitos e à situação do povo para o qual são feitas; que é necessário ser sóbrio nas novidades legislativas'.
CM
04 Maio 2008 - 09h00
Impressão Digital
.O problema da PJ
.Este fim-de-semana soubemos da diminuição drástica da capacidade operacional da Polícia Judiciária nos primeiros quatro meses do ano. Menos 20% de buscas, a taxa de prisões baixou drasticamente e, pelo andar da carruagem, o pior ainda está para vir.
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A justificação oficial é de que muito do movimento de detenções decretadas pelos tribunais passou para a tutela de outras polícias. É verdade, mas apenas meia verdade. A descida brusca da capacidade operacional da PJ está associada a outras causas que dificilmente podem ser repostas nos próximos tempos.
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Desde logo pela fuga de quadros. Desde que este Governo entrou em funções passaram à reserva ou à reforma perto de duas centenas e meia de investigadores. Numa instituição que não tem mais de 1600 investigadores criminais dispersos pelo continente e ilhas, esta perda resulta num verdadeiro desastre. Não só por baixar o número absoluto de profissionais mas sobretudo por este êxodo representar a saída dos mais experimentados, daqueles que mais conhecimento possuem da actividade criminal e as memórias de ligação entre o passado e o presente.
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Na verdade, a investigação criminal não se aprende nas escolas. Aqui estuda-se modelos teóricos, discute-se criminologia, leis penais e processuais, ensina--se fórmulas, princípios e valores, exercita-se tiro sobre alvos hipotéticos, estuda-se medicina legal sobre dois ou três cadáveres. É sem dúvida um contributo importante, mas, ao contrário do que o imperialismo penalista procura vender ao público, ou seja, ao povo, a investigação criminal não se faz na abstracção das leis. Faz-se com as mãos mergulhadas na vida, no sofrimento, na compreensão dos comportamentos, na atenção aos vestígios, nos raciocínios lógicos ou indutivos com que, a partir da cena do crime, é possível reconstituir o passado, reconstruir factos, pensar o que foi pensado por vítimas e agressores, ligar o desligado, relacionar aquilo que aparentemente parece isolado. É certo que os comportamentos policiais são obrigatoriamente controlados e condicionados pelas normas legais. Ainda bem. Mas é a única diferença entre a liberdade reconstrutora de um historiador e de um detective. E é ofício que leva anos e anos a aprender, porque a vida não se aprende de outro modo que não seja vivendo.
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Partiram os inspectores mais experimentados. Ficam os mais jovens. Seguramente mais voluntaristas e generosos. De certeza menos experientes. É um erro histórico que atinge severamente a capacidade operacional da PJ e já se sabe, pela programação dos cursos, que nem em 2011 os saldos fisiológicos agora perdidos voltam a ser recuperados. Num momento em que a violência aumenta. Por outro lado, o atraso com a Lei Orgânica da PJ contribuiu para este descalabro. A quebra das buscas está associada à falta de reacção no combate ao narcotráfico. E assim, paulatinamente, com a indiferença de quem ignora, despreza e se desinteressa da tranquilidade dos cidadãos que jurou governar com lealdade, os bandidos são cada vez mais senhores e a PJ cada vez mais empobrecida e frágil. É o que temos. De certeza não é o que merecemos.
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13 Abril 2008 - 09h00
Impressão Digital
.A PJ em disparates
.Esta banalização da distribuição das unidades de investigação é um disparate. Permite o jogo político, a conveniência partidária.
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As alterações introduzidas na Lei Orgânica da Polícia Judiciária, finalmente em discussão na Assembleia da República, tendem, nas omissões, em transformar aquela polícia numa loja dos trezentos. Basta que se diga que aquilo que é essencial foi remetido para outras leis, a de Segurança Interna e a Lei Orgânica da Investigação Criminal, ou então banalizado ao nível de decisões arbitrárias. Explicando melhor. As unidades de investigação territorial, ou seja, os departamentos de polícia, abrem e fecham, nascem ou desaparecem com uma mera portaria assinada pelo ministro da Justiça. Dizendo de outra forma, não admira que a curto prazo – em nome da poupança de meios ou da luta contra o desperdício ou de qualquer outro lugar comum – os departamentos da PJ de Leiria, de Aveiro, de Portimão desapareçam entre um bocejo e uma proposta do Director Nacional e outro bocejo e uma assinatura do ministro. Exagero? Pois é. Depois falamos.
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Esta banalização da distribuição das unidades de investigação é um disparate. Permite o jogo político, a conveniência partidária, o calculismo eleitoralista e é um disparate ver o PSD deixar que tudo isto passe, ficando de braços cruzados. O PS comporta-se neste domínio com a astúcia dos fariseus, a CDU ainda protesta, o Bloco de Esquerda desinteressa-se, o CDS apenas resmunga.
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O Governo vai argumentar que assim, através de portaria, será mais fácil gerir. Eu diria que, através de portaria, e manipulando a estatística criminal conforme as conveniências do costume, a criminalidade está a baixar, há menos crime, os números revelam que estamos a combater eficazmente a actividade criminosa, blá, blá, blá. Minimizar a dignidade legal descendo o degrau de decreto abre as portas a toda a espécie de caprichos e coloca dezenas de investigadores nas mãos caprichosas do diletantismo político de ocasião.
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Argumentarão os homens do regime que esta conclusão pressupõe a ideia de má-fé do ministro que detiver a Justiça. Argumento eu, com os olhos cansados de ver passar ministros e governos, que ainda há-de chegar o governo que olhe as polícias com a seriedade que devem ser olhadas. Sobretudo que as estude e compreenda. Não querem saber. Nem dos ministros que as tutelam, sujeitos menores, comparados com aqueles que têm mais tempo para a propaganda.
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A Oposição não pode permitir esta banalização. O próprio PS não o devia permitir e até à votação final bem podia assumir a sua dignidade democrática e alterar esta porta aberta ao abuso discricionário. Duvido que quem a aprove fique nas boas graças de quem vive, dá a vida, e por vezes morre, a defender a tranquilidade pública e a vida dos outros.
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É certo que isto não importa quando se conta votos. Não há mais de três mil investigadores da PJ pelo País. É pouco voto. Mas o País merece mais do que o mero tacticismo da conveniência política. E a história e prestígio da PJ não merecem, seguramente, ser tratados com a mediocridade e os disparates do costume.
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CM
06 Abril 2008 - 09h00
Impressão Digital
As leis e a segurança
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O Partido Socialista está a poucos passos de fazer história no domínio da aprovação das leis referentes à organização da Polícia Judiciária e da Segurança Interna. A história que pode confirmar o papel histórico do PS na consolidação do regime democrático ou, pelo contrário, cravar um punhal bem fundo naquilo que é o espólio mais rico herdado da Democracia.
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Na verdade, tudo se joga no domínio da gestão de informação criminal. Quem a controla. Quem a detém. Quem a pode utilizar e com que finalidades.
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Vulgarmente, os juristas não têm uma grande percepção daquilo que é informação policial. Rapidamente é incluída e coincidente com informação judicial, tal como registos criminais, sentenças, acórdãos, provas judiciárias. Mas não é.
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A investigação criminal pode, efectivamente, utilizar esse tipo de conhecimento, mas aquele que verdadeiramente é instrumento de trabalho, arma eficaz de combate ao crime, é um conjunto complexo de dados, por vezes desconexos, muitas vezes sem ligação aparente, isolados e que é preciso pôr em confronto, analisar, correlacionar. Para além de tudo o mais é quase sempre informação especulativa. Não provada. Que indicia, que faz suspeitar mas não é suficiente para fazer prova. Às vezes é apenas uma ‘bufadela’ que precisa de ser confirmada, outras é a repetição de uma alcunha que se atribui a determinado suspeito. Mil formas de conhecer.
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Dou um exemplo. A participação de um carro furtado em Lamego. Por si só é um crime autónomo e singular. O mesmo carro faz um assalto à mão armada em Lisboa. O produto do assalto é apreendido num receptador em Faro. Estes crimes se não forem relacionados podem morrer sem solução. Se se entrar em correlação podem levar à prisão de uma quadrilha. Outro exemplo: uma extorsão em Mourão é da competência da investigação criminal da GNR. Uma extorsão em Coimbra é da competência da PSP e vai variando, por aí fora, conforme as competências territoriais. Por si só, são investigados por estas polícias. Se forem relacionados, podemos estar perante uma situação bem mais grave que pode ser uma associação criminosa que procede a este crime pelo País inteiro, cuja competência é da Polícia Judiciária.
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Existe a séria ameaça de a PJ perder o poder de cúpula sobre este tipo de coordenação e controlo. De passar para as mãos de um burocrata ou de um servo partidário. Será o fim da investigação criminal séria e publicamente reconhecida. E um perigo para os direitos que a Constituição confere a cada indivíduo. Informação especulativa não é notícia provada. E corre o risco de o ser. Vamos ver que PS se assume nas próximas semanas. Porque foi um dos grandes responsáveis pela construção dos nossos direitos de cidadania, acredito, com toda a sinceridade, que não vai destruir tudo aquilo que ajudou a construir através de um golpe que nos mata um grande pedaço da liberdade. Logo agora que estamos em Abril.
FONTE - Correio da Manhã
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Eu gostava de ver os meninos desse colégios misturados com os denominados violentos das escolas públicas... É aqui que, apesar de tudo, os jovens são preparos para o mundo. Se todos frequentassem as escolas públicas talvez não vissem um mundo que não existe e que só existe no seu mundo irreal. Talvez os nossos gestores e empresários tivessem uma visão do país que somos.