Com apenas quatro excepções, os 325 oficiais que responderam ao inquérito, afirmam-se "orgulhosos" de terem participado no 25 de Abril de 1974. Dois terços declaram que se pudessem voltar atrás, teriam feito "exactamente" a mesma coisa, ainda que um em cada cinco diga que procuraria "moderar mais o processo" que se seguiu ao golpe de estado.
Para mais de metade dos inquiridos (53 por cento), a acção do Movimento "cumpriu os objectivos iniciais", mas o processo de descolonização, "mesmo tendo em conta a conjuntura interna e externa", podia ter corrido "um pouco melhor" (51 por cento). Nesta matéria, historicamente fracturante, a percentagem dos que entendem que a descolonização correu "da pior maneira possível" surge surpreendentemente baixa, oito por cento, em contraste com os 41 por cento que defendem que ela terá decorrido "da melhor maneira possível".
Melo Antunes, o mais importante O tenente-coronel Ernesto Melo Antunes (falecido em 10.8.1999) aparece, de longe, como a figura militar mais apreciada quer durante a conspiração, quer na transição para a democracia, quer ainda como a personalidade cimeira, militar ou civil, "da nossa história recente".
O inquérito atingiu com êxito mais de três centenas de oficiais do quadro permanente que se envolveram, a partir do terceiro trimestre de 1973, no processo conspirativo que desembocou nas acções militares dos dias 16 de Março e 25 de Abril do ano seguinte. Foram inquiridos igualmente alguns milicianos que participaram na conspiração ou se comprometeram com os oficiais do quadro permanente a ela ligados, antes daquele dia.
Com base na bibliografia geral sobre o 25 de Abril e em duas listas já organizadas, uma fornecida pela Associação 25 de Abril (A25), e a outra mandada elaborar em 1980 pelo então Presidente da República e Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, general Ramalho Eanes, o PÚBLICO recorreu a um conjunto vasto de informantes privilegiados (uma dezena de oficiais dos três ramos das Forças Armadas - entre eles dois ex-milicianos - de diferentes sensibilidades político-militares), de forma a completar a sua própria lista de 550 nomes a quem foram enviados inquéritos postais acompanhados de envelopes de resposta paga, em regime de anonimato das respostas. O inquérito obteve uma taxa de resposta de 67,6 por cento e uma taxa de cobertura do universo de 60 por cento. O trabalho de análise, elaborado pela Universidade Católica, debruçou-se sobre uma amostra final composta por 325 indivíduos (ver "Como foi feito o inquérito").
Moderados e Otelo em destaque Para além de Melo Antunes, os inquiridos destacaram Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço como os militares "que tiveram o papel mais importante na acção político-militar que desembocou no 25 de Abril". Salgueiro Maia, António de Spínola, Vítor Alves, Costa Gomes e Garcia dos Santos foram outros nomes com elevada percentagem de referências.
Vasco Lourenço, presidente da A25, surge igualmente bem colocado entre os mais decisivos militares durante a transição (quarto lugar) e (quinto lugar) na apreciação feita a figuras, militares e civis, durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso).
Nesta última lista figuram também os quatro civis que dirigiram os quatro principais partidos: Mário Soares, destacado em terceiro lugar, com 80 por cento de referências positivas e 10 por cento negativas; Francisco Sá Carneiro, com 66 por cento de referências positivas e 9 por cento negativas (sexto lugar); Freitas do Amaral, com 40 porcento de referências positivas e nove por cento negativas (sétimo lugar); e, no lugar imediato, Álvaro Cunhal, com 53 por cento de referências positivas e 32 negativas.
Os dirigentes do Movimento - 21 por cento dos inquiridos que responderam - tendem a apreciar a actuação de Álvaro Cunhal de forma menos positiva que os outros.
Soares bem, partidos, Governo e televisões mal vistas Mário Soares, com 60 por cento, obtém a maior percentagem de apreciações admirativas entre as figuras públicas mais admiradas pelas respectivas actuações "desde a consolidação da democracia até hoje. Curiosa e talvez ironicamente, a figura que os militares mais admiram a seguir (36 por cento) é um militar e chama-se António Ramalho Eanes. Regista-se a presença de mais quatro civis nos seis lugares seguintes: Sá Carneiro e Álvaro Cunhal e, a considerável distância, Jorge Sampaio e Cavaco Silva.
Convidados a pronunciarem-se sobre o Portugal de hoje, os militares manifestam-se preocupados com a corrupção e o desemprego (que consideram piores do que antes do 25 de Abril de 1974), o baixo crescimento económico e o tráfico e consumo de drogas.
Ao contrário da Presidência da República, na qual depositam "muita confiança", bem como nas Forças Armadas e na Polícia Judiciária, os inquiridos declaram-se nada ou pouco confiantes nos partidos políticos, no Governo e na televisão (cerca de 60 por cento nos dois primeiros, e 51 por cento na segunda).
Em contraste com a génese claramente corporativa do Movimento, os oficiais inquiridos remeteram para o quarto lugar das suas motivações a melhoria da situação profissional. Esta percentagem foi de apenas 10 por cento entre os dirigentes, e de 21 por cento entre os restantes, contra 94 por cento e 87 por cento, respectivamente, daqueles que declaram ter pretendido a instauração de um regime democrático.
As 325 respostas provieram de oficiais dos três ramos das Forças Armadas: 75 por cento do Exército; 17 por cento da Marinha; e 7 por cento da Força Aérea (um por cento não indicaram a origem). A patente de capitão (1º tenente no caso da Marinha) é a mais representada (52 por cento), seguindo-se as de major/capitão-tenente (20 por cento) e de tenente/2º tenente (16 por cento). A larga distância, as de tenente-coronel/capitão-de-fragata (cinco por cento), de alferes/guarda-marinha (quatro por cento) e de aspirante (um por cento).
Apenas 14 por cento dos inquiridos não haviam ainda cumprido qualquer comissão no Ultramar. Vinte e oito por cento estiveram lá três ou mais vezes (com destaque para os dirigentes do Movimento); 30 por cento, duas; e 28 por cento, uma. Angola, Moçambique e Guiné, por esta ordem, foram os destinos operacionais mais frequentes destes militares.
Com idades actualmente compreendidas entre os 50 e os 75 anos ou mais, os inquiridos encontram-se na sua maioria na situação de reserva ou de reforma (85 por cento), embora 11 por cento se mantenham ainda no activo.
Como Foi Feito o Inquérito (Ficha Técnica)
Esta sondagem foi realizada pelo Centro de Sondagens e Estudos de Opinião da Universidade Católica (CESOP) para o jornal Público. O trabalho de campo, incluindo definição do universo e envio e recolha dos questionários, decorreu entre os dias 25 de Fevereiro e 16 de Abril de 2004. O universo alvo é composto pelos oficiais e milicianos das Forças Armadas que estiveram envolvidos na acção político-militar que conduziu ao derrube do regime ditatorial em 25 de Abril de 1974. Esse envolvimento foi entendido como implicando um ou mais dos seguintes seis critérios: a) Participação numa estrutura dirigente ou outra do Movimento dos Capitães b) Participação numa rede clandestina a nível de unidade ou outra; c) Participação em reuniões do Movimento antes do 25 de Abril, na Metrópole ou no Ultramar; d) Execução de missões de carácter operacional no derrube do regime ditatorial (no caso dos milicianos, apenas os envolvidos anteriormente no processo); e) Envolvimento na tentativa de golpe de 16 de Março de 1974; f) Tomada de conhecimento e compromisso de apoio prévios à acção do dia 25 de Abril de 1974. Para a determinação dos membros do universo, foram inicialmente utilizadas três fontes principais: bibliografia geral sobre o 25 de Abril; lista fornecida pela Associação 25 de Abril (A25), expurgada de civis e sócios que não cumpriam nenhum dos anteriores seis critérios, assim como de informação pessoal não relevante para o trabalho de campo; e uma lista, indispensável para atingir os membros do universo não associados da A25, mandada elaborar em 1980 pelo então Presidente da República e Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, general Ramalho Eanes, com o objectivo de distinguir os militares envolvidos no 25 de Abril. Após consolidação destas fontes numa primeira lista geral, procedeu-se a uma primeira correcção, eliminando os oficiais entretanto falecidos. O segundo passo na determinação dos membros do universo consistiu no recurso a informantes privilegiados (uma dezena de oficiais dos três ramos das Forças Armadas - entre eles dois ex-milicianos - de diferentes sensibilidades político-militares), de forma a completar esta lista pelo método de amostragem "bola de neve", através do qual cada novo contacto feito na base da informação obtida junto dos informantes privilegiados foi utilizado para recolher contactos adicionais. Os novos contactos obtidos foram adicionados à lista geral. Essa lista foi posteriormente corrigida ao longo do trabalho de campo, sendo expurgada dos oficiais ou milicianos entretanto falecidos e daqueles que nos informaram não satisfazer nenhum dos seis critérios gerais anteriormente avançados. Essa lista final continha 620 nomes. O passo seguinte consistiu em apurar moradas e números de telefone para todos os membros da lista. Em 70 casos, isso não foi possível, o que reduziu a lista a 550 nomes. Aos membros dessa lista de 550 nomes foram enviados inquéritos postais acompanhados de envelopes de resposta paga, em regime de anonimato das respostas. Todos os membros da lista dos quais se dispunha de contacto telefónico (480) foram contactados 10 dias após o envio do inquérito postal, de forma a confirmar recepção e estimular resposta. Aos restantes, dos quais se dispunha apenas de contacto postal, foi enviada 2ª carta. Foram recebidos, até ao dia 16 de Abril de 2004, 372 inquéritos devidamente preenchidos, correspondendo a uma taxa de resposta de 67,6% e uma taxa de cobertura do universo de 60%. Destes 372 inquéritos, foram finalmente excluídos para fim de análise dos dados 47 nomes de oficiais ou milicianos cujas respostas ao inquérito não satisfaziam nenhum dos seis critérios de definição do universo. Assim, a amostra final é composta por 325 indivíduos. Adelino Gomes (PÚBLICO) e Pedro Magalhães (Universidade Católica) | |
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