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Altamiro Borges
Por Altamiro Borges, em texto publicado na 100ª edição da revista Princípios.
A Venezuela continua fraturada, como atesta o resultado da votação – 56% para o “si”, 44% para o “no”. A oposição oligárquica, que se apresentou mais unida e decidiu participar da disputa democrática, ainda insiste nos meios golpistas e ilegais, ao desabastecer as prateleiras de mercadorias essenciais e ao desencadear uma poderosa campanha midiática. Ela mudou de tática, mas não do objetivo de derrubar Chávez.
A mídia venezuelana, que arquitetou o golpe de abril de 2002 e outros atos de sabotagem, segue sendo o principal “partido da direita”. Faz de tudo para manipular corações e mentes. Segundo pesquisa do Observatório Mundial de Mídia, a campanha contra a emenda da reeleição teve 71% da cobertura nos veículos de comunicação; o “si” ficou com 29% dos noticiários.
Outra pesquisa, da Entorno Inteligente, apontou que de cada 100 artigos publicados na mídia impressa, 77 foram a favor do ‘no’ e 23 a favor do ‘si’. Nas principais cadeias de televisão, o estudo detectou 73% das matérias favoráveis ao ‘no’ e 27% favoráveis ao ‘si’.
Apesar do bombardeio midiático e das sabotagens patronais, Hugo Chávez venceu a 14ª eleição, das 15 realizadas nestes dez anos. Como afirma o sociólogo argentino Atílio Boron, o resultado do pleito é uma “péssima notícia para o império” e a oligarquia local. “A emenda constitucional que o povo venezuelano aprovou evidencia o desespero dos adversários, de dentro e de fora, da revolução bolivariana.
Eles estão conscientes de que a consolidação da liderança de Chávez e a continuidade de seu projeto reforçam os espaços da esquerda na balança política regional”. Aos poucos, com suas limitações e erros, a revolução bolivariana avança e abre novas perspectivas.
Uma trajetória de avanços
Empossado em 2 de fevereiro de 1999, o presidente Hugo Chávez completou 10 anos à frente da “revolução bolivariana” na Venezuela. Sua inesperada eleição, em dezembro de 1989, com 56% dos votos, foi uma resposta à devastação neoliberal e representou duro golpe ao bipartidarismo oligárquico imperante neste país desde 1958 - através do pacto de “Punto Fijo”.
Ela deu início a uma experiência inédita na América Latina, com a vitória de inúmeros governantes progressistas, antineoliberais, e recolocou na agenda política o debate sobre o “socialismo do século 21”.
Nesta uma década, Hugo Chávez, que chegou ao governo sem contar com partidos estruturados e movimentos sociais consistentes, enfrentou enormes obstáculos. Além dos problemas estruturais de um país miserável, ele foi alvo da fúria das elites racistas, das conspirações do imperialismo e do cerco da mídia.
Com base no apoio popular e num núcleo nacionalista das forças armadas, ele derrotou o golpe de estado de abril de 2002, o locaute petroleiro de dezembro/janeiro de 2003 e incontáveis iniciativas de desestabilização do seu governo. Segundo pesquisa recente, atuam no país 271 organizações não-governamentais financiadas pelos EUA e com propósitos golpistas.
“A palha e o furacão revolucionário”
Num processo radicalizado, ele insistiu na via democrática, ao contrário do que alardeia a mídia. Hugo Chávez enfrentou e venceu três eleições presidenciais (1998, 2000 e 2006), três referendos constitucionais (dois em 1999 e outro em 2004), quatro pleitos executivos (2000, 2004, 2005 e 2008) e dois legislativos (1999 e 2005).
Na mais recente disputa, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) conquistou 17 dos 23 governos estaduais e 233 prefeituras (80% das existentes). Nesta trajetória, ele sofreu apenas uma derrota, no referendo de dezembro de 2007.
A cada nova vitória, Chávez foi firmando sua convicção no projeto bolivariano. “Eu sou apenas uma débil palha arrastada pelo furacão revolucionário”, explica.
Após derrotar o golpe de 2002, ele exonerou os generais golpistas e acelerou os programas sociais. Com a derrota do locaute, ele demitiu a casta de diretores e gerentes endinheirados e assumiu, de fato, o comando da poderosa empresa de petróleo da Venezuela – a PDVSA. Ele também enfrentou a ditadura midiática, não renovando a concessão pública da RCTV e incentivando rádios e TVs comunitárias.
A partir da eleição presidencial de 2006, Chávez anunciou sua ideia híbrida do “socialismo do século 21”.
Mudanças políticas radicais
Vários fatores explicam os avanços da revolução bolivariana, com seus ziguezagues e lacunas. A primeira é a radical mudança política no país, com o governo apostando na participação ativa das camadas populares – na chamada democracia protagônica.
Através dos comitês bolivarianos, das missiones (programas sociais sob controle da sociedade) e dos conselhos, há um enorme esforço pedagógico para envolver os “excluídos”. Na retaguarda deste processo movimentista aparecem as forças armadas.
“Nossa revolução é pacífica, mas não é desarmada”, enfatiza sempre Chávez.
O debate político na Venezuela é dos mais intensos e democráticos. As sucessivas eleições e as várias instâncias de participação popular procuram superar a fragilidade dos movimentos sociais e a debilidade de um processo centrado num único líder.
Nesta empreitada se dá a guerra contra a ditadura midiática. Balanço recente indica que, além dos quatro veículos estatais, hoje já existem 250 rádios comunitárias, 24 emissoras de TV sob controle popular, 300 periódicos alternativos e uma potente rede de internet – de 640 mil usuários em 2002 pulou para 4,142 milhões em 2008.
Mudanças no campo econômico
Outro fator determinante para os avanços da revolução bolivariana são as mudanças no terreno econômico. Inicialmente, o processo foi até conservador, cauteloso. Com o tempo, as mudanças ganharam ritmo – com a estatização, de fato, da PDVSA, introdução de tributos sobre ganhos das multinacionais e medidas de controle do fluxo de capitais, entre outras de cunho antineoliberal.
Procura-se diversificar a base produtiva do país, que continua muito dependente do petróleo, no que se batizou de econômica endógena. Há também o estímulo às cooperativas e às propriedades sociais. Com base nestas medidas, a economia cresceu em média 11,2% nos últimos cinco anos.
Na fase recente, a revolução bolivariana acelerou o processo de estatização de áreas estratégicas, comprando empresas privadas na telefonia (Cantv), energia (AES), siderurgia (Sidor) e bancos (Santander). A proposta do “socialismo do século 21” ainda é uma peça de propaganda.
Diante da grave crise mundial do capitalismo, que afeta duramente o preço e o volume das exportações de petróleo, o governo tenta atrair o chamado setor produtivo. Em julho passado, promoveu um encontro com 300 empresários e lançou um forte programa de subsídios às empresas. Há muita polêmica sobre o lançamento de uma nova NEP, a exemplo do ocorrido na revolução soviética.
Pujança dos programas sociais
O que dá forte impulso à revolução bolivariana, porém, são os programas sociais implantados nestes 10 anos. Três reportagens recentes – “Uma década de Chávez”, da revista Carta Capital; “Chávez, as dez vitórias e a mídia”, do jornal mexicano La Jornada; e “A nova Venezuela do presidente Chávez”, do periódico francês Le Monde Diplomatique – evidenciam o esforço do governo para melhorar a vida da sua população.
A oligarquia racista, o imperialismo e a mídia venal até hoje não entenderam estas mudança. Vale à pena listar alguns dados do período 98-07:
- Miséria extrema: baixou de 20,3% para 9,4%;
- Pobreza: de 50,4% para 33,07%;
- Diferença entre riqueza/pobreza: de 28,1% para 18%;
- Mortalidade infantil: de 21,4 para 13,9 para cada mil nascidos vivos;
- Desemprego; de 16,06% para 6,3%;
- Salário mínimo: de 154 dólares para 286 dólares, o mais alto da América Latina;
- Aumento do poder aquisitivo da população: 400%;
- Investimento na educação: de 3,38% para 5,43% do PIB;
- Educação básica: de 89,7% para 99,5% das crianças;
- Educação superior: de 21,8% para 30,2% dos estudantes;
- Investimento em saúde: de 1,36% para 2,25% do PIB;
Limites e desafios futuros
Estes sensíveis avanços, desprezados pela mídia hegemônica mundial, é que garantem o prestígio do presidente Hugo Chávez e a consolidação deste projeto revolucionário. Não negam, porém, as dificuldades e as debilidades dessa experiência marcada pela originalidade e ousadia. Há, ainda, muitos obstáculos à construção do “socialismo do século 21”, idéia-força apresentada pelo líder venezuelano como uma bandeira de propaganda.
Na prática, a revolução em curso é democrática, popular e antiimperialista. As medidas socializantes são tímidas, em decorrência da correlação de forças ainda adversas – no mundo, no continente e no próprio país – e dos limites deste processo.
O próprio Hugo Chávez já reconheceu, em várias ocasiões, as dificuldades para a construção de um instrumento político a altura das imensas tarefas revolucionárias. O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), criado em 2007, ainda é uma legenda eleitoral, sem maior organicidade e densidade ideológica. Há muita tensão com o Partido Comunista da Venezuela e outras forças e personalidades progressistas, o que prejudica a unidade do campo revolucionário.
Há também, segundo Chávez, muitos entraves no terreno econômico, que podem ser agravados agora com a crise mundial, que atinge o principal produto de exportação do país, o petróleo. E são recorrentes os problemas no campo administrativo, com críticas duras ao burocratismo e à corrupção.
Da mesma forma que as outras experiências progressistas da América Latina, mais moderadas ou radicalizadas no enfrentamento ao neoliberalismo, a venezuelana ainda é frágil. Demanda muito cuidado para evitar qualquer retrocesso. A “revolução bolivariana” está inserida num quadro de defensiva estratégica das forças socialistas.
Ela depende da sagacidade e da liderança de Chávez, do avanço das forças populares na região, das reações do “império do mal” e do desdobramento da crise capitalista. A oligarquia local e o imperialismo farão de tudo para derrotá-la. Daí a importância de comemorar os dez anos da revolução bolivariana, investindo em novos avanços.
in Vermelho - 23 DE ABRIL DE 2009 - 11h56
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