| | Ao sabor dos interesses do capital As remessas de emigrantes
| As remessas dos emigrantes, em termos de fluxos financeiros, não seguem, naturalmente, uma linha evolutiva, na medida em que estão sujeitas a múltiplos factores, como sejam: o movimento migratório, o seu destino, as dificuldades que os emigrantes encontram nos países de acolhimento, condicionando ou não o nível de poupança bem como a pressão que o sistema financeiro exerce quanto à forma de aplicação das referidas poupanças.
Por outras palavras: a circunstância de haver, a partir de 2002, menos transferências para Portugal, sob a forma de depósitos à ordem e a prazo não significa que os emigrantes não tenham optado (por si, ou pressionados) por outras formas de rentabilizar o seu dinheiro, sabido como se sabe como os bancos estão a inventar, todos os dias, novas (e por vezes duvidosas) formas de investimento, de que o «subprime» dos EUA são um mero exemplo, a que acresce a deslocalização dos depósitos dos emigrantes para regiões onde se praticam impostos mais reduzidos sobre os rendimentos, como sejam, de acordo com notícias veiculadas, em 10/4/2006, pelo Diário de Notícias, para Macau, Singapura, Hong Kong e vários países da América, incluindo os próprios Estados Unidos. Uma análise detalhada, por exemplo, aos depósitos acumulados dos emigrantes nos últimos 17 anos diz-nos que há dois movimentos antagónicos. Há um crescimento progressivo passando dos 8943 milhões de euros em 1990 para um máximo de 14 393 milhões de euros em 1997, período em que tais depósitos representavam cerca de 14,7% de toda a riqueza criada em Portugal. A partir do ano seguinte há uma regressão, ano em que os depósitos acumulados totalizavam 13 773 milhões de euros regredindo, progressivamente, até aos 7276, em 2006, valor que sendo inferior ao passado constitui, apesar de tudo, uma verba vultuosa, qualquer coisa como cerca de 4,7% do PIB. (Fonte: Banco de Portugal – Estatísticas Monetárias e Financeiras). A par deste movimento há um outro de contornos muito complicados que tem a ver com o crescimento exponencial dos depósitos no offshore da Região Autónoma da Madeira. Começando, em 1990, com uns modestos 33 milhões de euros, as transferências para esse paraíso fiscal foi subindo até atingir, em valores depositados acumulados, em cerca de quatro mil milhões de euros no ano de 2000. Em 2006 os depósitos constituídos para fugir aos impostos vigentes no continente representam cerca de 82% do total dos depósitos de emigrantes na referida região. Numa escala menor o mesmo se passa nos Açores, embora aqui o paraíso fiscal seja bem mais benigno. Os milhões de euros depositados nos paraísos fiscais constituem, formalmente, uma operação «legalíssima» de engenharia financeira destinada a retirar impostos ao Estado e potenciar quer a possibilidade de a banca baixar a taxa de juro (com o argumento que os depositantes não pagam impostos), quer, mafiosamente, negócios secretos de operações sinuosas, muitas delas ligadas ao branqueamento de capitais, aos negócios de droga e de armas e de coisas afins, feitas em estabelecimentos que não foram criados pela ordem divina mas, antes, uma criação dos próprios governos por razões alheias ao povo e no supremo interesse da oligarquia instalada. É pois no interesse desta oligarquia que, em 2006, o valor acumulado no offshore da Madeira supera, de longe, os depósitos acumulados dos emigrantes nos distritos de Aveiro, Lisboa, Setúbal, Portalegre, Évora, Beja e Faro. Em termos concelhios os dados disponíveis reportam-se, apenas, ao continente. As conclusões são as seguintes: – em termos de valores absolutos: os principais distritos que detêm o maior volume acumulado de depósitos são, por ordem decrescente: Região Autónoma da Madeira, Lisboa, Viseu, Braga, Viana do Castelo, Aveiro, Porto, Leiria, Vila Real, Guarda, Coimbra, Faro, Açores e Santarém, todos eles com valores acumulados superiores aos 200 milhões de euros. Ao Alentejo cabe o valor residual de cerca de 2% do total. – em termos de valor per capita, tendo em atenção a população residente (em 2001) em cada distrito os resultados, são os seguintes: Região Autónoma da Madeira (7828 euros); Guarda (1906 euros); Viana do Castelo (1826 euros); Vila Real (1573 euros); Bragança (1182 euros); Viseu (1175 euros). Estes dados não constituem nenhuma surpresa. Os depósitos acumulados mais vultuosos, tendo em consideração a dimensão da população, correspondem a Trás-os-Montes, Beira Interior e ao Minho, regiões que, no contexto nacional, detêm os salários mais baixos. Acresce, naturalmente, a tais casos, o caso especial da Região Autónoma da Madeira, explicado pela engenharia financeira associada ao offshore. Se desagregarmos os dados por concelhos (excluindo as Regiões Autónomas para as quais não dispomos de dados oficiais) verificaremos que, salvo o concelho de Lisboa, os concelhos que detém os depósitos bancários acumulados mais elevados estão a Norte do rio Tejo, designadamente: Pombal, Viana do Castelo, Viseu, Leiria, Arcos de Valdevez, Porto, Braga, Chaves, Guarda, Sabugal, Fafe, Melgaço, Cantanhede, Monção, Aveiro, Castelo Branco, Vila Real Póvoa de Varzim, Guimarães, Ourém, Bragança, Montalegre, Barcelos, todos eles com valores superiores a 48 milhões de euros. Surpreendentemente na listagem atrás referida aparece Loulé, que não obstante estar situada numa região com um PIB per capita superior à média nacional também, pelos baixos salários aí praticados, obrigou muitos dos seus naturais a ter de emigrar. Na lista com os valores maios baixos de depósitos dos emigrantes estão os distritos do Alentejo.
Assimetrias
Para se ter uma ideia das assimetrias em termos de depósitos acumulados dos emigrantes basta dizer que o distrito de Bragança tem muito mais do que o conjunto dos distritos de Beja, Évora e Portalegre. O Norte do país é, pois, o destino preferencial das remessas de dinheiro enviadas pelos emigrantes, tendo em atenção a sua correlação com o valor dos depósitos, cabendo às regiões mais pobres do Minho, Trás-os-Montes e Beira Interior qualquer coisa como cerca de 48% do total dos valores do continente reportados a 2006. E o que é que foi feito desse dinheiro? – Rentabilizou-se a agricultura no sentido de tornar o país auto-suficiente na área alimentar? – Garantiu-se a todos os habitantes, em pleno século XXI, o acesso à água fornecida pela rede pública? – Desenvolveu-se a indústria transformadora com alto valor acrescentado no sentido da produtividade e da melhoria da relação de trocas com os restantes países? Os dados acima divulgados referem-se, como repetidamente salientámos, aos depósitos bancários. Falemos, agora, daquilo que lhe dá origem: as remessas. Os dados disponíveis desde 1996 até 2006 expressam que, nesse lapso de tempo, os emigrantes enviaram para Portugal qualquer coisa como 31 394 milhões de euros, cabendo a três países (França, Suíça e EUA) uma quota que oscilou entre 69%, em 2002 e 76% em 1998. Quanto ao valor das remessas também há a registar uma significativa alteração dos fluxos. Por exemplo, a França e a Suíça atingiram o máximo no envio das remessas no ano de 2001, ano a partir do qual o seu valor tem vindo a diminuir. Quanto aos EUA, o valor máximo foi atingido em 1998 com 459 milhões de euros, valor que desceu para metade em 2006 (apenas 223 milhões de euros). Estas subidas e descidas não são de natureza humoral. Elas têm explicações para além do empenhamento do sistema bancário canalizar muito dinheiro para os paraísos fiscais e, com isso, ganharem simultaneamente em dois tabuleiros: reduzem as taxas de juros a pagar aos depositantes com o já referido argumento que estes deixam de pagar impostos e, com esse capital alheio, ficarem com as «mãos livres» para todo o tipo de negócios. A este propósito aguardemos pelo resultado do processo «Furacão» porque talvez ele nos explique para que servem os offshores. Mas atenção: as quebras no envio das remessas também podem ter uma outra explicação resultante das alterações cambiais. É preciso não esquecer que o franco suíço e o dólar estão a perder face ao euro, pelo que as poupanças desses nossos emigrantes são cada vez menores, ou seja: a depreciação das poupanças em nome do funcionamento das chamadas «leis de mercado». No que diz respeito, por exemplo, à Suíça, essa depreciação, entre 2001 e os dias que correm, cifrou-se, já, em cerca de 15%, razão pela qual os pensionistas e reformados desse país têm vindo a perder poder de compra. É neste contexto que muitos pensionistas e reformados, depois de se terem instalado em Portugal, estão, de novo, de regresso à Suíça no sentido de poderem, pelo trabalho, amealhar algum pecúlio que a oscilação cambial lhes roubou. Eis, entre muitas, uma outra contradição do sistema capitalista. Mas se a contradição é deles, o prejuízo, esse, é nosso. . in Avante 2007.12.13
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