Debate com o Primeiro-Ministro sobre o Debate com o Primeiro-Ministro sobre o Tratado de Lisboa (2008.01.09)
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* Jerónimo de Sousa
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Enquadro a questão para que fomos convocados numa reflexão política mais abrangente, mais funda.
Que consequências terá esta banalização do rasgar e da fuga às promessas e compromissos que deram um jeito enorme na capitalização de votos para depois serem rasgados e esquecidos? Descrédito, desencanto dos cidadãos, descrédito da própria Democracia... E não venha cá depois, Sr. Primeiro-Ministro, com esta questão da «proximidade dos eleitores», da alteração às leis eleitorais, porque é por aqui, com o rasgar das promessas, dos compromissos assumidos que muitas vezes se põe em causa a participação democrática dos cidadãos.
Sobre a não convocação do referendo: o PS prometeu, o PS desencadeou uma revisão constitucional para o consagrar e já depois da derrota em França do denominado Tratado Constitucional.
Diz o Sr. Primeiro-Ministro: «Pois, mas isso era para o Tratado Constitucional, que já não é. Este chama-se Tratado de Lisboa». Ó, Sr. Primeiro-Ministro, pode chamar-se até, se quiser, «tratado de Freixo de Espada à Cinta» ou da Arrentela!... O problema não está no nome! O problema está no seu conteúdo e nesta cópia mais contida da Constituição europeia!...
Assim sendo, a questão de fundo é a de saber, se tanto mérito tem este Tratado, tanta coisa boa, tanta loa, enfim... - e não é preciso sequer recorrer ao «porreiro, pá»! -, que foi aí cantada pelo Governo e por tanta gente, qual é a razão do medo da consulta. Qual é a razão da não realização do referendo?
Aliás, creio até que vem a propósito fazer aqui uma citação, porque o Sr. Primeiro-Ministro se esqueceu propositadamente - e fez-me lembrar aqui o conhecido poeta António Aleixo, que dizia que «Para a mentira ser segura /e atingir profundidade, / tem de trazer à mistura / algum fundo de verdade» -, de uma afirmação sua e que foi esta: «A prioridade do novo governo será assegurar a ratificação do Tratado acima referido» (ipsis verbis, foi isto que o senhor aqui afirmou!).
Mas depois disse: «O Governo entende que é necessário reforçar a legitimação democrática do processo de construção europeia, pelo que defende que a aprovação e ratificação do Tratado deve ser precedida de referendo popular, amplamente informado e participado na sequência de uma revisão constitucional que permita formular aos portugueses uma questão clara, precisa e inequívoca».
Não fui eu que disse, é o Programa do Governo que o afirma claramente.
Mas, durante o processo de revisão constitucional, alguém que está aqui na bancada ao lado afirmou - e, Sr. Deputado Vitalino Canas, permita-me que o cite - que «este processo de revisão constitucional aprovou a possibilidade de o referendo incidir (...) - e repare, Sr. Primeiro-Ministro! - «(...) não apenas sobre a versão original do Tratado que institui uma Constituição europeia mas também sobre as respectivas alterações que de futuro venham a ser introduzidas».
Não fui eu que o disse, foi o Sr. Deputado Vitalino Canas!
Neste sentido, Sr. Primeiro-Ministro, consideramos que está a tentar justificar aquilo que é injustificável!
Não se admite que haja pressões internacionais! O Sr. Primeiro-Ministro gosta de dizer que é um europeísta - respeitamos isso, mas não se esqueça é de Portugal. E o senhor falou da História, oxalá não se esteja aqui a repetir a História, porque sempre, mas sempre, as classes dominantes no nosso País traíram os interesses nacionais! Foi sempre o povo, desde 1385, que endireitou as coisas, como se verificou no dia 25 de Abril de 1974!
O senhor está a reescrever a História, mas está a repetir um erro de muitos antepassados, das classes dominantes, que não foram capazes de defender a soberania nacional, que a nossa Constituição da República - e não é o Programa do PCP! - afirma claramente: «a soberania reside no povo!» Então, era justo que se fizesse o referendo!
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Não manipule as palavras.
Constava claramente do nosso programa eleitoral a aprovação da interrupção voluntária da gravidez na Assembleia da República e a realização de referendo para o tratado da União Europeia.
Não confunda as coisas, Sr. Primeiro-Ministro!
O que estamos aqui a discutir é a importância da defesa da soberania e não de uma causa concreta, com toda a importância que ela teve e tem. E o Sr. Primeiro-Ministro, ao abdicar dessa mesma soberania nacional...
Se quiser 30 exemplos em relação ao conteúdo do tratado, eu dou-lhos! Mais à frente falaremos disso!
Quer um exemplo concreto, Sr. Deputado?
Dou-lhe o exemplo da abdicação da gestão dos recursos marinhos!
No pouco tempo que me resta, Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe que ouvi as preocupações que transmitiu na sua mensagem de Natal - por acaso, até um pouco plastificada -, designadamente a preocupação sobre o desemprego. Gostaria, pois, de saber como é que «acerta a cara com a careta» se uma das primeiras medidas que tomou no ano de 2008 foi a de decidir o despedimento de centenas de trabalhadores da Gestnave!
O Estado tem um compromisso com a Lisnave, mas os senhores decidiram avançar com o despedimento desses trabalhadores, visando um despedimento colectivo encapotado, com indemnizações curtas, o que é inaceitável!
«Acerte a cara com a careta», Sr. Primeiro-Ministro! Não faça discursos mais ou menos caritativos, mais ou menos bem intencionados quando, depois, nas suas práticas políticas, acaba por ter atitudes como teve em relação a este caso concreto da Gestnave. Explique a razão do despedimento destes 209 trabalhadores num sector que é viável, que tem encomendas e mercado!
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