4 DE JULHO DE 2008 - 14h55
Ingrid livre num gol de placa da Gestapo colombiana
Álvaro Uribe e seus generais fizeram o contrário dos apelos dos familiares dos cativos, dos governos da Europa e América Latina. Apostaram tudo num lance de alto risco: o resgate militar. Há pontos que não fecham na versão oficial da operação, mas a bola impossível entrou no gol das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Ingrid Betancourt está sã e salva, pelas mãos do Exército. A guerrilha perdeu o timming do processo: podia ter protagonizado a libertação há meses, e sair por cima. Ponto para a narcodireita uribista, e seu aliado-mór George W. Bush, que sugeriu o plano e enviou a Bogotá seu candidato à sucessão, John McCain.
Por Bernardo Joffily
A versão do governo colombiano para o resgate – uma operação de despiste, tendo como ponto de partida a ação de agentes infiltrados no alto comando das Farc – foi posta de quarentena mesmo por analistas que nada têm de anti-uribistas. Muitos suspeitam que o governo tenha, como diria Mané Garrincha, ''combinado com os russos'', no caso os guerrilheiros, como insinuou o presidente boliviano, Evo Morales, ao saudar a libertação.
Um triunfo estratégico de Uribe
Há bons motivos para se duvidar do testemunho da administração Uribe, como ficou evidente em março, no episódio da execução do porta-voz da guerrilha, Raúl Reyes. Mas é líquido e certo que ela obteve um triunfo estratégico nesta quarta-feira (2). Resgatou Ingrid, e de quebra outros 14 cativos das Farc, inclusive os três americanos (Keith Stansell, Thomas Howen e Marc Consalves, que a guerrilha diz serem agentes da CIA) que formavam o segundo escalão dos mais célebres prisioneiros das Farc.
Conseguiu-o sem disparar um só tiro. E obteve com isso um unânime aplauso internacional, inclusive dos presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia). Não há como não aplaudir o desfecho, sem derramamento de sangue, de um tamanho drama humano.
Resgate facilita manobra do terceiro mandato
O golpe de audácia e de marketing vem a calhar para o presidente. Na metade final do seu segundo mandato, Uribe enfrenta uma crise política grave. Sessenta parlamentares da sua base de apoio estão incriminados num escândalo de corrupção, conexões com o narcotráfico e os paramilitares. Tem um primo e conselheiro político, Mário Uribe, preso pelos mesmos motivos. A corte suprema contesta a legalidade de sua reeleição em 2006, obtida mediante a compra de votos (o esquema assemelha-se ao que permitiu no Brasil a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, com a diferença de que na Colômbia é confirmado pela confissão da ex-parlamentar Ydis Medina). Não possui uma base política sólida e nem um sucessor de confiança, o que o leva à tentação de mudar de novo as regras do jogo e tentar um terceiro mandato.
Tudo isso foi, momentaneamente, ofuscado pela imagem de uma sorridente e grata Ingrid Betancourt apertando as duas mãos de seu libertador, Álvaro Uribe Vélez. O resgate vitorioso facilita a manobra do terceiro mandato, que o oposicionista Pólo Democrático denuncia como um golpe. Também legitima, ao menos na superfície, a intransigência do presidente, que se recusa a negociar com as Farc.
As Farc reexaminam sua linha
O desenlace do cativeiro de Ingrid deve abrir uma temporada de reexame da política da maior organização guerrilheira da Colômbia. Depois de Raúl Reyes, as Farc sofreram o assassinato de Iván Ríos, outro membro de seu Secretariado. E perderam seu legendário comandante, Manuel Marulanda, o Tirofijo, morto de causas naturais aos 78 anos de idade e 44 de guerrilha. A perda de Ingrid culmina portanto uma série de revezes.
As Farc são uma organização revolucionária antioligárquica e antiimperialista, com raízes reais na sociedade colombiana. Pertencem à estirpe de Che Guevara e da Sierra Maestra, dos Sandinistas, de Carlos Mariguela, Lamarca, dos guerrilheiros do Araguaia e tantos outros pela América Latina. Só a má fé do governo Uribe, do governo Bush e da mídia dominante explica sua caracterização como ''terrorista'' – por sinal, o mesmo xingamento usado pelos ocupantes nazistas para designar os combatentes da Resistência durante a 2ª Guerra Mundial.
Esforços pela pacificação
Os líderes da guerrilha se percebem que a conflagração armada colombiana desaguou em um impasse. Há décadas perseguem uma negociação que pacifique o país. Tentaram em maio de 1984, com o cessar-fogo que levou à formação da União Patriótica, mas esta teve 5 mil militantes dizimados na fase seguinte. Tentaram em 1998, com uma negociação que começava a avançar quando foram rompidas unilateralmente pelo presidente Andrés Pastrana, em 2001. Tentaram em 2007, ao apoiarem o esforço mediador do presidente venezuelano Hugo Chávez e da senadora colombiana Piedade Córdoba, desautorizado bruscamente por Uribe. Tentaram ainda há poucos meses, ao promover a libertação unilateral de alguns dos seus prisioneiros.
À luz dos acontecimentos desta quarta-feira, fica claro que a guerrilha só teria lucrado caso apostasse mais alto nesta alternativa, e libertasse também Ingrid. Há quem veja no assassinato de Reyes um movimento precisamente para travar essa possibilidade.
A localização político-ideológica de Uribe
Dizer que o governo Uribe é o mais direitista da América Latina dá apenas uma pálida idéia de sua localização político-ideológica. Ele e sua base de classe, a oligarquia colombiana, sobretudo depois que esta entrou no ramo das drogas e criou os paramilitares, são com freqüência comparados aos regimes nazifascistas. A Colômbia não é apenas o único país das América que vive uma experiência guerrilheira; é também campeã do mundo em assassinatos de sindicalistas, e de jornalistas.
É Uribe que não abandona a luta armada, não aceita negociar e não promove o intercâmbio humanitário de prisioneiros entre a guerrilha e o governo. Com apoio dos EUA através do Plano Colômbia (concebido pelo democrata Bill Clinton e implantado pelo republicano Bush filho), ele busca há dois mandatos uma solução final militar, com o aniquilamento da guerrilha.
O fator Ingrid Betancourt
É duvidoso que este caminho chegue ao destino proposto, mesmo na hipótese do presidente abocanhar um terceiro mandato. A conflagração armada no país data pelo menos da fase conhecida como ''A Violência'', após 1948; a guerrilha colombiana não compreende apenas as Farc, mas também o ELN, fundado em 1966; a injustiça e truculência reinantes têm se mostrado eficazes recrutadores de guerrilheiros.
Mas claro que a linha Uribe de repressão até a morte se fortaleceu nesta quarta-feira. De uma só cajadada, vibrou um forte golpe nas Farc e triunfou também sobre as muitas vozes, dentro e fora da Colômbia, que defendem uma solução negociada do conflito.
F
Em tempo: o resgate de quarta colocou em cena um elemento novo, a própria Ingrid. A ex-deputada e senadora, fundadora do partido Oxigênio, tinha 0,2% de intenções de voto para a presidência quando foi presa pelas Farc em 2002. Hoje virou uma celebridade internacional e mais ainda colombiana: a heroína do momento.
Nas suas primeiras declarações, Ingrid cobriu Uribe de elogios pelo seu ''grande trabalho'' que ''não deu descanso à guerrilha''. Mas também se lembrou de guardar uma certa distância: ''Isto não quer dizer que comungue com tudo que ele diz''.
Ingrid declarou ser ''um soldado a mais a serviço da pátria'', combinando a metáfora com a camisa e o chapéu de look militar que usava ao se apresentar à imprensa. Com um ''só Deus sabe'', ela deixou a porta aberta para disputar de novo a presidência em 2020. Com qual conteúdo e sentido, talvez nem Deus saiba ainda (embora a meteórica carreira política de Ingrid nos anos 90, centrada no combate à corrupção, não combine com um perfil uribista). Mas todos sabem que a prisioneira resgatada terá um papel de primeiro plano na cena política de seu país.
.
4 DE JULHO DE 2008 - 12h04
Para analista, há suspeitas de acordo entre Ingrid e Uribe
“Sua declaração me põe a duvidar, pois acredito que Betancourt manteve uma conversação prévia e secreta com o presidente Álvaro Uribe, que lhe permitiu apresentar seu ponto de vista absolutamente a favor do governo colombiano”, disse, em texto publicado na Ancol.
.
“Ela está reconhecendo a reeleição de Uribe como algo positivo, reeleição que se baseia em algo absolutamente ilegal e ilegítimo como é o suborno: comprar um voto. Está dizendo que a política de Uribe tem sido positiva, salvo pequenos detalhes. Está justificando as operações militares. É dizer, chama a atenção uma declaração como esta, que não é uma declaração de amplitude, tolerância e visão política menos militarista que se esperaria dela”.
.
Previamente, no programa Dando y Dando, da Venezolana de Televisión, Acosta expressou que a libertação não teria acontecido sem a participação do presidente Hugo Chávez e da senadora colombiana, Piedad Córdoba, com o Plano de Intercâmbio Humanitário.
.
“As FARC estavam em perfeito funcionamento, era uma guerrilha estável, ninguém poderia imaginar que este grupo pudesse experimentar uma crise como a que está vivendo, mas há que se levar em conta que teve seu ponto de partida com o Intercâmbio Humanitário”, assinalou Acosta.
.
De igual forma, argumentou que Chávez assumiu o compromisso de liberar os retidos “confrontando diversos entraves do governo Uribe”.
.
Denúncia vindas da Suíça
.
Informações divulgadas nesta sexta-feira (4) pela Rádio Suíça Romanda (RSR) trazem novos elementos que tornam o cenário no qual se deu a libertação de Ingrid Betancourt ainda mais suspeito. Segundo a emissora, dirigentes das Farc teriam recebido quase US$ 20 milhões para soltar Ingrid e os outros 14 prisioneiros.
.
"Os 15 reféns foram comprados na realidade a preço forte. Depois disso toda a operação foi uma encenação", afirmou a rádio pública.
.
Quase US$ 20 milhões foram entregues aos seqüestradores, segundo a RSR, que cita uma "fonte ligada aos acontecimentos, confiável e testada em reiteradas ocasiões nos últimos anos". A emissora acrescentou que os EUA estiveram na "origem da transação".
Nos últimos anos, a Suíça atuou ao lado de Espanha e França, a pedido do presidente colombiano, Álvaro Uribe, em uma missão de mediação com as Farc.
O comandante do Exército colombiano, Mario Montoya, negou as acusações. "De maneira alguma houve qualquer tipo de colaboração", disse.
.
Da redação, com agências
in Vermelho
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário