A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, maio 23, 2009

África made in USA





Na passada segunda-feira, «faltei» à meia hora inicial do programa da setôra Fátima Campos Ferreira para ir ouvir o depoimento de Roger Morris no canal História. Não é que o História seja canal que sempre se recomende, digamos que tem dias ou mais adequadamente que tem noites, e também não é que não aprecie a notável capacidade de exposição do Prof. Adriano Moreira, prova viva de que se pode ser de direita sem exibir o estilo de vendedor de feira do dr. Paulo Portas nem o ar de mediocridade permanentemente embatucada do dr. Paulo Rangel. Mas Roger Morris, que fez parte do staff de duas consecutivas presidências norte-americanas, iria falar sobre décadas de crimes praticados pelos Estados Unidos em África ao longo de cerca de meio século, e sempre me interesso muito por depoimentos insuspeitos que revelem a verdadeira face do país que, líder da Civilização dita Atlântica que em desafio à Geografia se alonga de São Francisco a Cabul, é de facto o patrão de cada um de nós, seus súbditos. E, como seria de esperar, a minha expectativa não ficou frustrada, antes pelo contrário: na verdade, apercebi-me de que sempre tenho andado distraído relativamente à acção dos sucessivos governos de Washington nos anos que quase imediatamente se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial. Tenho alguma desculpa: houve a chegada do terror nuclear, a Guerra da Coreia, as guerras coloniais francesas na então Indochina e na Argélia, um homem distrai-se. Mas veio agora Roger Morris e contou-me coisas que eu nunca soubera ou sobre as quais a minha atenção sempre insuficiente passara sem se deter.

Um Holocausto silenciado

De tudo quanto o documentário mostrou, o que mais me agrediu não foram as imagens de crianças africanas cobertas de moscas e de fome: a TV já nos habituou um pouco a esse espectáculo terrível, e na verdade só faltou sempre que sobre tais imagens surgisse uma legenda a explicar que aquele horror havia sido de facto fabricado nos Estados Unidos da América, por si só e também na qualidade de chefe de fila do civilizador Ocidente. Na verdade, o que mais me chocou foram as imagens das sevícias infligidas a Patrice Lumumba, líder do Congo libertado do colonialismo belga, e a descrição sumária das torturas a que o submeteram antes de o assassinarem: das imagens guardava uma recordação um pouco remota, pois creio nunca terem sido transmitidas em Portugal tão longamente, e quanto às torturas ignorava-as de todo. E, contudo, não havia formuladas contra Lumumba acusações que explicassem, ao menos explicassem, tamanha crueldade, excepto a de ser um homem que desejava para a sua terra uma libertação factual que ultrapassasse as meras aparências, de ser um homem progressista, de ser amado pelo seu povo e respeitado por toda a África. Mas muito antes desse crime, patrocinado à distância pelo poder norte-americano em associação com o neocolonialismo europeu, já a intervenção dos Estados Unidos através de fantoches por eles mandatados fizera derramar rios de sangue por todo continente africano, acima do Equador numa primeira fase, em Angola e Moçambique numa fase posterior. A técnica, tipicamente norte-americana, foi a da injecção maciça em África de dinheiro e armas, isto em dose tal que a longa operação foi caracterizada por Roger Morris e não apenas por ele como um «genocídio assistido»: o continente era habitado por uma população jovem e era rico em matérias-primas intensamente cobiçáveis (80% do urânio utilizado nas bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki já havia sido de proveniência africana), e isso justificava todas as infâmias. A locução do documentário lançou o aviso decorrente da experiência histórica: «Quando os Estados Unidos querem prestar-vos atenção, fujam. E depressa.» A África dos anos subsequentes ao segundo conflito mundial não soube ou não pôde fugir, e dessa impossibilidade resultaram anos de fome, peste e guerra, as três grandes pragas bíblicas que Washington tornou realidade ainda hoje efectiva. Tem vindo a ser um outro Holocausto que à data do documentário já somava mais de vinte milhões de cadáveres numa contagem que ainda não se estancou e que prossegue por vários caminhos. Tudo em nome dos «interesses estratégicos dos Estados Unidos» e sempre alegadamente consubstanciado em «ajudas» sob a forma de armas, de intrigas políticas, de corrupções bem remuneradas. Como também no documentário foi dito: «Deus nos ajude se os Estados Unidos decidem ajudar-nos». É, recorde-se, a acção política a que também o nosso País continua atrelado.
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. in Avante 2009.05.21
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Foto: escolha da responsabilidade de VN - fotógrafo não identificado
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