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Lodo no cais
Entre uma bica e uma espreitadela rápida aos jornais, chega-me o som da conversa de dois reformados que, na outra ponta do balcão, mastigam o tempo que a vida ainda lhes reserva.
- 30 Abril 2011
A tónica é o queixume e a tecla da crise ecoa com força. As críticas aos políticos rolam com facilidade e as setas ao Governo, e a Sócrates, em particular, revelam pontaria certeira. A tristeza maior concentra-se no desbaste que as suas pensões sofrem, ao ritmo e à medida das crises cíclicas que empobrecem o País.
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O lamento cola-se ao que consideram o desrespeito pelos sacrifícios que marcaram anos e anos de trabalho. Interrogam-se sobre o direito que ao Estado assiste para alterar unilateralmente contratos e não se calam quanto ao facto de lhes ter sido arrancado muito dinheiro em descontos para a Segurança Social, com a promessa de reformas dignas e tranquilas, mas que, agora, sofrem reduções brutais. Esta cena do quotidiano, surpreendida numa pastelaria de esquina, traduz o desânimo, a descrença e a revolta que florescem num ambiente depressivo. A percepção de que Portugal é cada vez menos soberano e que, na prática, vai ser governado a partir do exterior, está a ser progressivamente interiorizada, não se estranhando a angústia que cresce na população e que não se restringe aos velhos, dada a falta de perspectivas que se abrem para as gerações mais novas.
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A única coisa que, neste contexto, pode impressionar é o perene alheamento do primeiro-ministro, que cavou activamente a sepultura em que o País se enterra, e do PS. Ambos actuam como se não tivessem sido governo. O programa eleitoral apresentado esta semana é um mimo em matéria de desresponsabilização. Não há objectivamente soluções para dar a volta à situação, na vacuidade de ideias que o documento expressa. A culpa de tudo restringe-se aos outros que deitaram o Governo abaixo. É um disco rachado, a que não falta a estratégia de vitimização que José Sócrates tanto aprecia. A sua ida à TSF, num fórum instrumentalizado pela máquina socialista, só serviu para tentar acentuar esse papel. Os outros, todos os outros, em especial Passos Coelho, são uns malandros que desencadearam uma campanha contra a sua pessoa. É um discurso cansado e gasto que obriga o próprio PS a piruetas. No papel de bombeiro, Francisco Assis surgiu já a valorizar o PSD, por se mostrar disponível para "formular com o Governo uma linha de negociação para a ajuda financeira".
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A expressão foi utilizada por Eduardo Catroga na carta enviada ao ministro Silva Pereira em que exige informação real sobre as contas públicas e em que ameaça falar directamente com UE, FMI e BCE. Sem transparência nos números e nas atitudes não se vai, de facto, a lado nenhum. A necessidade de consenso, tão apregoada ultimamente, pode converter-se numa armadilha, se servir apenas para impedir que o lodo se afaste do cais. O reconhecimento e a afirmação das diferenças são sempre preferíveis à paz podre do unanimismo. A hora é de verdade e não de fingimento. Ouçam a voz da rua e perceberão.
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