Luuanda
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* Victor Nogueira
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Sempre foi de família haver bibliotecas mais ou menos extensas: a dos meus pais era essencialmente constituída por livros científico/filosóficos, técnicos, de engenharia, civil, física ou química e hobbies estilo Popular Mechanics, embora houvesse outros pequenos nichos, onde cabiam os livrinhos da Colecção Imbondeiro, do Lubango (então Sá da Bandeira), recebidos por assinatura, para além de poesia inédita da minha mãe e do meu tio Joaquim, para não falar de Guerra Junqueiro que li às escondidas da minha mãe, descoberto o esconderijo (A Velhice do Padre Eterno), de Soares de Passos, de Alda Lara e Geraldo Bessa Victor ou da «Antologia de Poetas Angolanos», mimeografada, publicada em Lisboa pela Casa dos Estudantes do Império, em 1962. É claro que não posso deixar de referir os livros etnográficos de Óscar Ribas e também os dum defensor da gesta imperial lusitana que era Reis Ventura, previamente publicados em folhetim, para além de Cochat Osório.
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Lembro-me então da enorme celeuma que foi a atribuição a Luandino Vieira do Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1965, que levou à sua extinção pela «provocação» de premiar um livro de três contos intitulado Luuanda, baseados na oralidade dos musseques e no entrosamento do português com o quimbundo. Li nessa altura o livro, do qual gostei, apesar do ineditismo da linguagem escrita a que não estava habituado, embora na altura se desencadeasse uma grande ofensiva contra a obra, logo proibida pela PIDE, afirmando-se alto e em bom som que o autor nem português sabia escrever.
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Outra fonte de leituras em Luanda era a biblioteca do meu tio José João, arquitecto, onde predominavam a prosa, incluindo a neo-realista, bem como livros de arte e arquitectura, em português ou inglês, sem esquecer os policiais das colecções Vampiro e Xis. A minha biblioteca pessoal de então baseava-se em literatura (prosa), história e divulgação científica, para além da BD (O Senhor Doutor, O Mosquito, Mundo de Aventuras, Titã, Cavaleiro Andante ou Zorro, o Gibi e outras revistas de BD brasileiras, como a Histórias em Quadrinhos ou a Ciência em Quadrinhos ou uma colecção em BD de granes obras da literatura universal, para além duma revista da MP (Mocidade Portuguesa - chamada salvo erro «Camarada»). O meu gosto pela poesia e pelo teatro surgiram muito depois, já em Lisboa e Évora. E porque não referir uma colecção de divulgação científica de Rómulo de Carvalho, o poeta António Gedeão ?
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O meu tio José João oferecia-me regularmente livros de divulgação científica, história e enciclopédicos - em francês ou inglês, que os não havia em português na altura - livros que me levaram a relativizar a epopeia dos "descobrimentos", pois neles esta ficava reduzida a uma ou duas linhas e aos nomes de Henrique, o Navegador, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães, muito longe da lista enorme de "heróis" que o salazarismo nos obrigava a "encornar".
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O meu tio José João oferecia-me regularmente livros de divulgação científica, história e enciclopédicos - em francês ou inglês, que os não havia em português na altura - livros que me levaram a relativizar a epopeia dos "descobrimentos", pois neles esta ficava reduzida a uma ou duas linhas e aos nomes de Henrique, o Navegador, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães, muito longe da lista enorme de "heróis" que o salazarismo nos obrigava a "encornar".
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Já as dos meus avós, em Portugal, eram mais pequenas: a do meu avô Luís por livros de química - pois ele era químico analista - livros do Victor Hugo e uma colecção completa dos livros do Júlio Verne, do século XIX, ilustrada e encadernada a pele, herdada do meu bisavô, e a do meu avô Barroso - guarda-livros no BNU - era mais religiosa, enquanto na do meu tio materno, ex-seminarista, predominavam os dos inúmeros cursos superiores que ele começava mas não terminava, desde a medicina à literatura e filosofia ou direito. Livros em francês, inglês, alemão ou espanhol. Quanto a jornais, o meu avô paterno lia o 1º de Janeiro e o Jornal de Notícias, e o meu avô materno o Comércio do Porto e o jornal da Diocese do Porto, cujo nome me não ocorre, um pouco progressista para a época!
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Claro que em Luanda também havia a leitura regular de jornais como a Província de Angola, o ABC, por vezes O Comércio de Luanda, cujo director era amigo da faamília, para além dos suplementos infantis do Jornal de Notícias (PimPamPum, enviados regularmente de Portugal pelo meu avô paterno, tal como o Cavaleiro Andante), da Província de Angola (O Bambi) e creio que da Eva (a Joaninha). Para além das revistas como a Revista de Angola, O Notícias de Angola, O Cruzeiro e o Grande Hotel, (fotonovelas) estes do Brasil, ou o Paris-Match e o Le Courrier de l'UNESCO. Sem esquecer a revista Time, assinada pelo meu tio José João.
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Enquanto criança e adolescente eu lia tudo, da Colecção Céu Azul (da Minerva) até a uma colecção infantil da Romano Torres passando por uns livros em pano, ilustrados, desde a Condessa de Ségur à Biblioteca dos Rapazes (versões adaptadas), que incluía o Mark Twain passando pelo Ballantyne e outros, como o Robinson Crusoe ou o Swift, do Guliver no País das Maravilhas ou o D. Quixote, de Cervantes, a Colecção Livros para Rapazes, da Civilização Editora (biografias e divulgação Científica), uma colecção brasileira juvenil de divulgação científica ou a Colecção TerraMar (aventuras - da Minerva) ou westerns, capa e espada, do Paul Féval ao Alexandre Dumas, e livros para «adultos», do Hans Helmut Kirst ao Sven Hassel, do Walter Scott ao Chaeles Dickens e do Jorge Amado ao Júlio Dinis, Trindade Coelho e Eça de Queirós, do Júlio Verne ao Emílio Salgari (e Sandokan, o Tigre da Malásia), da Colecção Século XXI (Europa-América) aos Livros do Brasil (colecção Dois Mundos), passando pelas Obras Escolhidas de Autores Escolhidos (Ed. Romano Torres) ou pela Colecção Miniatura (tb da Livros do Brasil) até aos policiais das Colecções Xis e Vampiro. para além das obras de Charles Dickens e Walter Scott.
Quatro livros "marcaram-me": O Diário de Anne Frank, Coração, de Edmundo de Amicis, Que faz Correr Sammy, de Bud Schulberg e A Cabana do Pai Tomás, de H.B.Stowe,
Quatro livros "marcaram-me": O Diário de Anne Frank, Coração, de Edmundo de Amicis, Que faz Correr Sammy, de Bud Schulberg e A Cabana do Pai Tomás, de H.B.Stowe,
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E não esquecer a Colecção das 3 Abelhas, cujo editor não me ocorre de momento ou, dirigida por Simões Muller, a Colecção Gente Grande para Gente Pequena. Dum livro anti-comunista cujo autor esqueci até à Ascensão e Queda do III Reich. Numa semana «devorei» a Guerra e Paz de Tolstoi (um livro imenso em letra minúscula). O Exodus, de Leon Uris, foi lido num domingo. Para não falar numa Colecção de capa amarela, duma editora que não recordo, mas lembro-me do romance Corpos e Almas, de Maxence Van Der Meersch ou de Axel Munthe e Selma Lagerlöf. Aquela editora tinha também uma colecção de capa branca, que a minha tia Lili tem na sua pequena biblioteca. Da colecção Miniatura ficaram-me na memória de então as obras de Georges Simenon e de Pierre MacOrlan.
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Outros livros que me «marcaram» foram «Por Favor Não Matem a Cotovia», de Harper Lee e «Tom Brown na escola», de Thomas Hughes, tal como os do referido Charles Dickens. Livros religiosos, esses não havia nas bibliotecas familiares em Luanda, salvo os grossos missais meu e da minha mãe, em papel bíblia. Que o meu pai era nessa altura ateu e agora agnóstico, mas nunca proibiu a educação católica dos filhos. Do lado paterno eram todos ateus, salvo a minha tia avó e católica Esperança, e do lado da minha mãe todos católicos - até tinham um familiar que fora missionário em Angola e mais tarde Bispo do Porto, D. António Barroso, exilado duas vezes pela 1ª República,
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Outros livros que me «marcaram» foram «Por Favor Não Matem a Cotovia», de Harper Lee e «Tom Brown na escola», de Thomas Hughes, tal como os do referido Charles Dickens. Livros religiosos, esses não havia nas bibliotecas familiares em Luanda, salvo os grossos missais meu e da minha mãe, em papel bíblia. Que o meu pai era nessa altura ateu e agora agnóstico, mas nunca proibiu a educação católica dos filhos. Do lado paterno eram todos ateus, salvo a minha tia avó e católica Esperança, e do lado da minha mãe todos católicos - até tinham um familiar que fora missionário em Angola e mais tarde Bispo do Porto, D. António Barroso, exilado duas vezes pela 1ª República,
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A Celeste, mãe dos meus filhos também tinha em solteira uma pequena biblioteca, onde pontificava o Urbano Tavares Rodrigues, para além dos livros profissionais de pedagogia escolar ou infantil e dos livros enciclopédicos. Quanto ao Rui e à Susana seguiram as pegadas familiares e apanharam o vírus e já têm avantajadinhas e diversificadas bibliotecas, tal como filmotecas ou discotecas. A fotografia, essa ficou pelo meu pai e tio José João, para além de mim. O Rui ficou-se pela escrita e pela poesia, sobretudo em inglês. E pela composição musical, guitarrista e vocalista em duas bandas que abandonou, como tudo aquilo em que se mete, desperdiçando as suas qualidades, que também incluem o desenho, que não explora. Quanto à Susana, depois do divórcio dos pais, deixou a dança rítmica, a escrita e o canto. A Celeste tinha uma linda voz para cantar e era uma dançarina, qualidades que não tenho. Mas quer a mãe quer a filha sempre tiveram uma enorme timidez para cantarem em público, tal como a minha mãe que, para além disso e com o meu pai, formavam um par de dançarinos de respeito.
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E as filmagens não passaram do meu pai e do meu tio José João, que não se converteram às câmaras de vídeo.
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Depois havia o cinema: éramos todos frequentadores habituais das salas de cinema, de ópera quando lá aparecia de vez em quando no cine-teatro Restauração (hoje sede do Parlamento), e sócios do Cine-Clube de Luanda (de que tenho uma colecção quase completa dos programas), com passagem prévia minha e do meu irmão pelo Cine-Clube Infantil de Luanda. E não esquecer as matinées infantis, com documentários e desenhos animados, salvo erro às quintas-feiras no Cine Bar Dancing Tropical, onde não havia filas de poltronas mas mesas quadradas com cadeiras em volta. No gosto pelo bom cinema o Rui e a Susana seguiram também as pegadas dos pais. Mas já não da ópera ou do teatro.(1)
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O meu irmão Zé Luís teria também uma biblioteca, muito mais pequena, pois na altura era pouco dado a leituras e mais à escultura e à lito-gravura. Mas cá em Portugal a biblioteca engrandeceu-se, predominando os livros de Arte, de Usos e Costumes de todo o mundo, de Viagens, de Psicologia, de História ou Política, para além de Medicina cujo curso frequentava quando se suicidou em 26 de Fevereiro de 1987 ( Ecce Homo).
Mas, voltando ao início, para quem quiser saber mais sobre a história da literatura angolana, designadamente a de expressão portuguesa, deixo alguns links
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Re-escrito e aumentado para Ao Sabor do Olhar - Convívio do Tempo, Estação, Mudança e Memória ou Registo , em 2008.02.04 - dia do 47º aniversário do início pelo MPLA da luta armada para a independência de Angola
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Já em Portugal, enquanto estudante universitário, não perdia as peças de tearo em salas de que me não lembro - uma seria o Teatro Estúdio de Lisboa e outros, como o Garcia de Resende, em Évora - para além das temporadas de ópera organizadas pela FNAT no Teatro da Trindade., à boleia das assinaturas da minha tia-avó Esperança. Quanto ao teatro de revista, vi apenas uma peça, após o 25 de Abril, no extinto Ádoque: Pidse na grelha!
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Os cinemas de Lisboa e Porto corri-os quase todos, fossem de estreia, fossem de reprise. E o cineclubismo continuou, com o Cine Clube Universitário de Lisboa e o Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, extensão do Centro de Estudos e Animação Cinematográfica, da Figueira da Foz. Bem como o amor aos livros, em parte adquiridos nas livrarias, em parte nas cooperativas livreiras universitárias de que era sócio, como a Livrelco em Lisboa e a Unicepe, no Porto.
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Enquanto estudante o meu tempo repartia-se entre Évora, onde estudava, e Luanda, Lisboa e Porto, onde residiam a família.
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2 comentários:
Obrigada pelos links.
Estou interessada a consultar, muitas dos nomes que aí constam eram conhecidos na minha casa.
Bj
A Luz a Sombra
Curioso saber as influencias culturais de alguém que esteve na luta estudantil associativa e comparar com as minhas.Da mesma geração, li "os condenados da Terra" de F.Fanon, o "Processo Histórico" de Juan Clemente Zamora para além de literatura de cariz ideológico, desde F.Engels, K.Marx, H. Marcuse, J.P.Sartre,etc. Hoje parece-me que li pouco na juventude. Na luta estudantil fui mais operativo que especulativo... Devo no entanto, a minha formação política e culural aos amigos e companheiros associativos, fora dos curricula académicos.
Júlio Pêgo
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