A Internacional

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quarta-feira, fevereiro 21, 2007


O desenvolvimento económico e o fim da Guerra Colonial - a opinião de António Champalimaud, grande empresário e capitalista português

António Champalimaud tinha chegado a Lisboa em finais de 1973, com passagem prévia por Moçambique, após quatro anos de exílio no México, para onde foi residir em princípios de 1969, devido a um mandato de captura emitido pela Polícia Judiciária durante o Caso da Herança Sommer. Em desacordo com a política seguida por Marcelo Caetano, que considerava «um homem sem coerência e sem confiança nele próprio», apresentou à Assembleia Geral do Banco Pinto & Sotto Mayor, de que era o maior accionista, e que possuía mais de cem agências em Angola e Moçambique, sendo o maior banco privado nesses mercados, propostas de desenvolvimento dos territórios ultramarinos portugueses tendo como base o fim da guerra.

«A Nação sofre todos os dias, nas presentes circunstâncias, perdas irreparáveis de vidas e uma sangria exaustiva de recursos materiais. Isso exige que o encargo com a defesa militar tenha de dar decisivamente o passo à cooperação económica.»(extracto)

Discurso de António Champalimaud, na Assembleia Geral do Banco Pinto & Sotto Mayor em 22 de Março de 1974.

(…)

Por isso, os cinco anos de exílio a que fui forçado nenhum dano pessoal me causaram. (...)

Alheado andava o meu espírito do desfecho de um julgamento sui generis que pude trabalhar activamente onde países estrangeiros me acolheram. Não reneguei a Pátria e tão pronto regressei a Ela logo procurei restabelecer as condições para de novo engrenar a potência disponível das nossas empresas ao corpo exigente da Nação.

A ideia central que enforma o Relatório que o Conselho de Administração deste Banco dirigiu aos seus Accionistas, indica um propósito de desenvolvimento em direcções que se afiguram basilares e estão de acordo com os pontos de vista que de há muito defendo da expansão simultânea do activo da Nação em África, no Brasil e na Europa, sem prejuízo, evidentemente, dos interesses do pequeno espaço que foi o nosso berço. A distância e o tempo que me separaram de Lisboa e a integração que fiz na realidade internacional, incluindo o contacto com grandes massas de portugueses radicados no estrangeiro, permitiram-me ter a perspectiva suficiente para ver que tendo faltado a Portugal capacidade para albergar mais de um milhão de homens que procuraram o destino de países europeus a que pouco mais os ligava do que a servidão do trabalho, não dispunha igualmente de arcabouço para assimilar sem graves perturbações as suas remessas de divisas, acrescidas das oriundas do turismo. E essas remessas teriam necessariamente que ser maciças uma vez que enquanto o imigrante do Novo Mundo investe o da Europa transfere. É que a sua condição de elemento assimilável pelas sociedades de além-mar contrasta singularmente com aquela que tem na Europa em que não passa de um corpo estranho.

Por isso, a solução conveniente teria sido a de dotar Portugal com instituições adequadas ao funcionamento de uma praça financeira de tipo internacional.

Mas a falta de suficiente liberdade que tolhe o andamento dos Bancos Comerciais não lhes permitiu dispor da necessária agilidade criadora.

E foi pena porque perdemos ocasiões excelentes de levar organizações nacionais para além-Pirinéus, de reforçarmos através da valorização da nossa presença económica a expressão política das massas que no Brasil ainda respondem ao nosso apelo e, finalmente, de desenvolvermos os territórios do Ultramar como devíamos e tínhamos podido.

Aliás, teria bastado a circunstância de estes últimos fazerem parte integrante da área do escudo para que não tivesse havido falta de espaço nem de oportunidade para investirmos intensivamente dentro da própria Nação as divisas da emigração.

Na realidade, os efeitos inflacionistas por elas provocados devem-se à pressão anormal que exerceram sobre os preços na medida em que tendo permanecido durante demasiado tempo como reservas do Banco Central não geraram oportuno investimento reprodutivo.

Por isso é que antes de termos começado este ano, e só este ano, a sentir as consequências da alta do preço dos produtos petrolíferos foram o acréscimo das despesas com a defesa, a emigração e o turismo, a par de dois outros factores, um relacionado com o capital e o outro com o trabalho, que nos empurraram para a cabeça das taxas inflacionistas da Europa com intensos reflexos na descapitalização das empresas produtoras, minando de modo concomitante os alicerces do verdadeiro progresso e consequentemente da estabilidade social.

Portanto, a utilização das nossas reservas em grandes planos de investimento onde a Nação os exija e consinta para responder às exigências de exportação que se lhe põe é solução bem mais completa do que a do seu habitual emprego directo na colmatação dos saldos negativos das nossas trocas com o estrangeiro.

Mais do que nunca impõe-se abalançarmo-nos sem tergiversações no caminho do grande investimento.

E a compreensível liberalização da actividade bancária no sentido de se lhe proporcionar uma estrutura e uma acção adequadas aos fins do investimento, consoante se deixa perceber no Relatório do Conselho de Administração, é condição essencial.

Por outro lado, no que respeita particularmente ao Ultramar é fundamental que se passem a situar no topo das listas de prioridade de transferências para a Metrópole as remessas dos rendimentos do trabalho como condição do necessário equilíbrio étnico e produtivo.

Sobre este problema os Governos não terão forma de agir diferentemente porque as massas trabalhadoras nunca compreenderão outra linguagem e outro sistema que não seja o da garantia pura e simples da livre transferibilidade dos seus pecúlios.

Já porém com respeito aos empresários que de futuro se queiram atrair a questão é outra porque a Administração poderá sempre dialogar e contratar com eles com base no manejo da alavanca fazendária quando pretenda com uma redução maior ou menor do imposto obter um acordo para a não saída das Províncias durante determinado período dos dividendos a distribuir pelas sociedades.

Mesmo durante os períodos em que se debateram com as maiores dificuldades cambiais relativamente à Metrópole, sempre as balanças de pagamentos dos grandes territórios de África mantiveram saldos positivos nas suas relações com o estrangeiro. E a situação apresenta tendência para se firmar dada a valorização que ultimamente tiveram no mundo os produtos primários, com repercussões negativas acentuadas nas economias dos Estados Unidos da América e, principalmente, da Europa.

Daí que, ao contrário do que por vezes se declara e também do que se supõe, eu veja na situação que se seguiu às hostilidades iniciadas em Outubro entre árabes e judeus uma nova oportunidade para a Nação dar um passo decisivo na senda do desenvolvimento. Sendo europeia e africana, sem distinção de raças nem preconceitos de supremacia de uma das partes sobre as demais e com a zona do escudo comum ao conjunto, está Portugal numa situação ímpar no que respeita à possibilidade de compensar os prejuízos que sofrerá na Europa com os lucros que auferirá em África, desde que se tomem precauções para que daí não advenham benefícios que se possam confundir com neocolonialismo.

Isto exige que os recursos africanos de assinalado valor estratégico na cena económica internacional sofram localmente o processo da sua transformação tão elaborada quanto possível e que se faculte a empresas locais o transporte dos produtos, a fim de que se residenciem sem ambiguidades nas Províncias Ultramarinas os lucros de transformação e os lucros de transporte, a adicionarem-se aos da produção ou extracção.

E na faixa dos transportes deve-se considerar não só o das mercadorias, mas também o de passageiros.

Todavia, enquanto nos transportes de mercadorias se torna imperioso que Lisboa autorize a concretização das iniciativas que levem à constituição de companhias de navegação africanas, já o mesmo talvez não tenha que acontecer com tanta urgência no que se refere aos transportes aéreos de passageiros. Neste caso é indispensável, porém, que os territórios do Sul passem a ter participação equitativa nos lucros e nos impostos resultantes do tráfego que geram e que a Metrópole lhes credite o saldo das cambiais que arrecadariam na hipótese de disporem de companhias de longo curso e core direitos de tráfego equilibrados, não só com Portugal mas também com outros países.

Trata-se de aspectos fundamentais para o estabelecimento de uma política clara e realista de cooperação.

Tem se liquidar o tradicional clima de queixa e desconfiança que advém dos privilégios que os parceiros africanos consideram injustos continuarem a ser usufruídos pelos da Metrópole.

A situação a que se chegou já não permite sequer jogar-se com a invocação do balanço de vantagens que derivaram como sendo a riqueza mineral de mais fácil extracção e venda.

Os mercados que lhes abrem a siderurgia de Angola, de que adiante nos ocuparemos, e a do Seixal serão da ordem dos dois e meio milhões de toneladas, havendo que ter em conta outros que certamente estão surgindo em consequência da chamada crise da energia

A comprovarem-se boas características de navegabilidade do rio após a conclusão da barragem é de crer na economicidade do transporte fluvial do carvão o que se espera não venha a ser contrariado .pelos resultados dos estudos em curso sobre o porto marítimo a construir ou sobre solução alternativa para este.

Terminámos brevíssima exposição acerca de uma área fascinante que encerra potenciais energéticos fabulosos e que virá a ser atravessada um dia por enorme tráfego fluvial proveniente das entranhas da África.

No que respeita ao sul de Angola, foi a Companhia Mineira do Lobito que iniciou uma exploração que, a prosseguir e a ser valorizada, se transformará em importante núcleo do maior centro de progresso da região e que interesses de ordem política e social que se estendem até às fronteiras e aos Cuanhamas tanto reclamam.

(…)

A Nação sofre todos os dias, nas presentes circunstâncias, perdas irreparáveis de vidas e uma sangria exaustiva de recursos materiais.

O Sotto-Mayor e as Empresas de índole industrial e financeira que lhe estão ligadas por laços de parentesco accionista encontram-se amplamente disseminados em Angola e Moçambique.

Nada do que ali sucede pode por isso ser-nos indiferente. Mas acima de tudo é a rápida construção do futuro promissor das populações e dos territórios que nos interessa sobremaneira.

Isso exige, e todos estaremos de acordo com o ponto de vista, que o encargo com a defesa militar tenha de dar decisivamente o passo à cooperação económica. E, embora a presença de forças armadas continue a ser imprescindível por período indeterminado para manter a ordem e a segurança, sem as quais não pode haver progresso, o essencial das forças de ataque tem de ser constituído por uma participação consentida de brancos e pretos, por mais gente que saibamos atrair, por crédito adequado e por investimento pertinaz, porque o inimigo mais sagaz em que os demais procuram apoiar-se será a falta de desenvolvimento.

A cooperação dá lugar a interesses compartilhados de territórios diferentes e populações distintas com respeito pela individualidade e direitos básicos de cada uma das partes. Só o regime de cooperação entre parceiros com direitos idênticos é que pode oferecer à vida comum fundamentos claros de permanência e estabilidade.

Fonte :

Notícias de Lourenço Marques, de 23 de Março de 1974.

«António Champalimaud - Projecto Neocolonial (22-III-1974») in João Medina (ed. lit.), História Contemporânea de Portugal, 4.º vol.: Ditadura - O Estado Novo: do 28 de Maio ao Movimento dos Capitães, [s.l.], Multilar, 1988, págs. 249-251;

http://www.arqnet.pt/portal/discursos/marco05.html

Sublinhados da responsabilidade de Victor Nogueira



NOTA - Publicação recusada pelo PortugalClub, apesar do seu Presidente o apresentar como espaço plural, aberto a todas as opiniões, e acrescentar:


"IMPORTANTE: Qualquer opinião expressa nesta mensagem pertence unicamente ao autor ou remetente, e não representa necessariamente a opinião do Presidente do P.Club" e finalizando com a citação «A liberdade de dizer o que se pensa, numa sociedade em que poucos dizem e onde quase todos evitam pensar.»

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