O terramoto de 1969
* Victor Nogueira
Enviei‑vos há dias um telegrama, horas depois do violento abalo sísmico que se fez sentir em Évora e em todo o país. Muita gente, especialmente as miúdas, anda desde então com os nervos em frangalhos. O eles terem‑se repetido nestes últimos dias, embora com uma intensidade muito menor - nem sequer os sinto pois durmo beatificamente a essa hora - muito deve contribuir para isso.
Estava eu muito bem a dormir, quando dei por mim num estado de semi‑sonolência. Pensei: "Isto é um camião". Não sei porquê senti que não podia ser, acendi o candeeiro da mesa de cabeceira e levantei‑me! A luz apagou‑se, o chão vibrava assustadoramente e eu pensei "Esta merda (do chão) vai abaixo e eu atrás". Pensei em pôr‑me junto da parede, para o caso do tecto ruir, mas o problema do chão persistia. Assim optei por pôr‑me junto à janela - talvez influências subconscientes dos quadros existentes no Castelo de S. Jorge, em Lisboa, mostrando aspectos daquela cidade após o terramoto de 1755. Tudo isto foi feito instantaneamente. Foram 60 segundos intermináveis, angustiosos (tive a nítida sensação de impotência perante algo contra o qual nada poderia fazer senão aguardar, aguardar). Como se sentirão os condenados à morte quando na câmara de gás, ouvindo o PLOFF das cápsulas?! Bem, calcei as pantufas, enfiei o roupão e desci ao piso inferior. Todos se encontravam bem. Lá estivemos todos na sala de jantar. Os ressuscitados. Bem, liguei o rádio, nesse momento o Rádio Clube Português retomava as emissões - eram 4 h 30 m - e às cinco, num segundo noticiário, tivemos conhecimento da extensão do sinistro. Partindo do princípio que a coisa se não repetiria, enfiei‑me debaixo dos lençóis e acordei às 6 horas com o estridente tocar da campainha do telefone. Desci as escadas a correr: era o maninho duma das miúdas a saber notícias. (NSF - 1969.03.05)
Victor Nogueira
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