O maior português de todos os Tempos (5) - uma opinião: Salazar
B.O.S. in PortugalClub
«Antes de mais, louvo a coragem de Jaime Nogueira Pinto em dispensar patrocínio ao fundador do Estado Novo. Neste país canhestro, a simples menção de Salazar costuma provocar alergias democráticas e outras maleitas físicas. Sobretudo, é impossível falar dele nos órgãos oficiais sem recurso aos lugares-comuns da propaganda marxista ainda dominante.
Nasci no ano em que Salazar foi obrigado a abandonar a presidência do Conselho de Ministros, mais precisamente na semana em que foi substituído por Marcello Caetano. Não guardo memórias, nem boas nem más, desse tempo político. Rejeito o salazarismo como doutrina e praxis, mas tenho Salazar na conta de um grande estadista, inteligente, honesto, hábil, com sentido de Estado — e que em dois ou três momentos históricos prestou serviços inigualáveis ao país, de que o maior deles terá sido garantir a independência nacional. Foi, além disso, um notável prosador, de feição barroca, à Manuel Bernardes, e escreveu a única prosa política legível do século XX português. (Comparar os seus «Discursos e Notas Políticas» com os artigos desta pandilha croniqueira é um exercício esclarecedor.) Isto tudo foi ontem lembrado, e bem, pelo apresentador do documentário.
Duas notas sobre a caracterização política do regime. Sem ser um espírito altamente especulativo ou um teorizador profundo, Salazar foi um pensador coerente e lúcido. Como caracterizar então o Estado Novo? Certo que o regime não foi fascista nem corporizou uma «democracia orgânica».
O fascismo existiu de 1919 até à II Guerra Mundial. Surgiu em Itália como antipartido, transformou-se em partido em 1921, alcançou o poder com a Marcha sobre Roma em 1922, e influenciou diversos regimes de cariz autoritário, da Bélgica à Roménia, do Brasil à Noruega. Os regimes de tipo fascista desapareceram, porém, com a vitória das democracias em 1945. Em muitos casos, desapareceram os próprios fascistas — uns convertidos, outros no paredão de fuzilamento e na forca, que constituem meios de democratização ainda agora vigentes.
A expressão «democracia orgânica» só foi pronunciada por Salazar em Outubro de 1945, quando chispavam já no horizonte os relâmpagos das democracias vitoriosas e todos os regimes antidemocráticos passaram a ser considerados como construções políticas anacrónicas. Antes de 1945, ninguém lhe ouviu o elogio da democracia. (E valha a verdade que depois dessa data também não.) Porque a democracia, orgânica ou inorgânica, é democracia. E Salazar mostrou sempre o maior desdém por tal sistema. Era um contra-revolucionário clássico e edificou o Estado Novo à sua imagem e semelhança: autoritário, antiliberal, antidemocrático e antipartidário. E é por isso um fartote ver por aí em acção os doutrinadores do «salazarismo democrático», ou lá o que vem a ser a mixórdia que resulta da aliança.
Enquanto Salazar governou, o regime aguentou-se por obra do seu génio político. Logo que saiu de cena, esfarelou-se nas mãos do primeiro reformador. É justamente para isso que servem os reformadores. Sobretudo quando são juristas consagrados.
Foi dito na peça que Salazar opôs o seu «viver habitualmente» ao famoso «viver perigosamente» do filósofo alemão. Mas convém tornar claro que no Portugal dos anos 20 e 30, a ressacar da I República, com tiros, bombas e «levas da morte», o «viver habitualmente» é que era a forma heróica de existir. A questão é de saber se, logo após, depois de saneadas as finanças e garantida a soberania, não teria valido a pena ir mais além e viver intensamente os dias sobrantes: empreender a verdadeira revolução, revoltear as estruturas económicas do país, fundar uma política cultural assente no bom-gosto e na beleza, salvar de vez o povo do atraso e do obscurantismo provocados por 100 anos de democracia parlamentar, e perseguir incansavelmente o fito de reaportuguesar Portugal, tornando-O europeu.
Acho que ficou pouco clara a forma como Salazar ascendeu do ministério das Finanças à presidência do Conselho de Ministros. E tal passo é fundamental para se entender o perfil político do estadista. A ideia de que Salazar não deseja o poder e que somente o aceita como um pesado encargo, remeto-a para o foro da propaganda. Salazar quis e perseguiu o poder. Como a perpetuar a ideia errónea, Jaime Nogueira Pinto afirma que Salazar é eleito deputado em 1921 pelo Centro Católico, mas que — segundo a lenda — fica em Lisboa só um dia porque a vida parlamentar não o seduz. Na verdade, ficou ele e os outros todos, porque a câmara foi dissolvida. Em 1919 já fora candidato do Centro Católico pelo círculo de Viana do Castelo. Finalmente, nesse ano de 1921, conseguiu eleger-se pelo círculo de Guimarães; e se estava tão desagradado da vida parlamentar não se percebe que haja tentado regressar à função nas eleições de 8 de Novembro de 1925, ainda apoiado pelo Centro Católico, mas desta feita candidatando-se pelo círculo de Arganil.
A linha seguida no documentário transmitiu a ideia certíssima de que Salazar governou o país numa época de grande agitação europeia e mundial. Faltou talvez precisar que, em 36 anos de governo, dispôs de poucos anos de paz. Entre a guerra de Espanha e a guerra de África, entre a II Guerra Mundial e a tensão na Índia, viveu quase sempre em pé-de-guerra.
Permito-me ainda outras objecções ao trabalho. Em termos cénicos, não apreciei nos momentos iniciais do documentário a nevoeirada que envolvia o Forte da Graça, tornando-o acinzentado e lúgubre. E também me fez (má) impressão o mau gosto das frases projectadas a azul nas paredes. A espaços, parecia que o documentário estava a ser gravado numa discoteca.
Pareceu-me bem a referência à obra económico-financeira do Estado Novo e à política de obras públicas por este empreendida, mas tenho de condenar as omissões à obra social (FNAT, Previdência, etc.) e sobretudo à política cultural. Um parágrafo que fosse, era obrigatório falar desta. Sobretudo nos anos 30 e 40. Era indispensável referir o espírito cintilante e vanguardista de António Ferro, à sombra de quem nasceram, ou se criaram, ou se fizeram grandes, diversos nomes da cultura portuguesa: das letras ao cinema, do teatro à pintura e ao bailado. O casarão dos Restauradores albergou, em dias de Ferro, o verdadeiro Ministério da Imaginação do regime.
Sobre o início da guerra de África, não se deu a exacta dimensão da tragédia: os ataques pavorosos dos terroristas, as catanas e os canhangulos, o chão juncado de mortos — brancos e pretos, homens, mulheres e crianças esventrados e degolados pelos facínoras da UPA, a quem os governantes portugueses de hoje apertam a mão sem vergonha.
O documentário findou no Vimieiro, junto à campa rasa do velho estadista. Escreveu um dia Antoine Blondin: «Quem hoje quiser saber por onde param os nossos mestres, dê uma volta pelos cemitérios». Não será esse o caso de Salazar. Pelo menos para mim não o é. Mas não deixo sem reparo o estado em que se encontra o local que ele escolheu para descansar dos trabalhos e dos dias. Abastardaram-lhe a sepultura com uns mármores pirosos. Ao primeiro lanço, parece que anda ali mãozinha do Comité Central. Não anda. O horrendo empreendimento, que de mais a mais viola as últimas vontades do falecido, fica a dever-se à trupe do «salazarismo democrático».
Uma nota final. Desconheço os termos do trato celebrado entre o apresentador e a RTP. Mas pareceu-me despropositada e metida à pressão a referência ao Tarrafal e a certas "arbitrariedades". Obrigações contratuais?»
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Desenhos e Cartoon de Álvaro Cunhal e João Abel Manta
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