Os números de mortes
Não vamos entrar em dados estatísticos detalhados. Isso pode ser facilmente obtido nos jornais que nesta semana apresentarão farto material do significado numérico desse massacre perpetrado pelos Estados Unidos contra o povo iraquiano. Mas, há dois aspectos que não podemos nos furtar de comentar: um é sobre as mortes e outro sobre os custos da guerra.
Quanto ao número de mortos nesses cinco anos eles são controversos. A página na Internet mais respeitada que tem a única finalidade de “contar corpos” nessa guerra, chama-se Iraq Body Count e os que se interessarem por isso podem ter acesso à página no endereço http://www.iraqbodycount.org/database/
Nessa página os números mais pessimistas de mortos chegam a atingir 89.760 mortos e a avaliação mais “otimista” dá conta de até 82.249 mortos “apenas”. A Organização Mundial de Saúde menciona, até 2007, 200 mil mortos estimados na população como um todo e as mortes em combate pelos insurgentes. Por fim, uma pesquisa, das mais sérias já realizadas, pela Federação Americana de Cientistas, que pesquisou mais de 20 mil lares de famílias iraquianas, indagando se haviam perdido algum parente na guerra, por doença decorrente de falta de alimento ou remédios, apresentou a assustadora cifra de até 650 mil iraquianos mortos. Quase não havia um lar no Iraque que uma pessoa tivesse sido morta em cinco anos.
Do lado dos americanos, as mortes são, claro, bem menores, mas não tão desprezíveis assim. O endereço a seguir nos informa os números mais recentes, de 17 de março (http://icasualties.org/oif/). Foram 3.990 soldados americanos (faltam dez para romper o número dos quatro mil mortos), mais 175 ingleses e 133 soldados de outras nacionalidades, totalizando 4.298 mortos em 1.825 dias de guerra (o que perfaz uma média diária de mortos de soldados de 2,36 ao dia). Assim, se considerarmos os 650 mortos iraquianos, número mais confiável de todos, teremos o dado de que que morrem 150 vezes mais iraquianos do que soldados.
Não comento aqui o caos do país, a perda completa da infra-estrutura, as privatizações selvagens. De 28 milhões de pessoas que moravam no Iraque, pelo menos dois milhões já se deslocaram para países vizinhos e outras quatro milhões tiveram que se mudar de casa. Um deslocamento populacional de quase um quarto do total, um dos maiores da história. E isso causa um trauma populacional e humanitário irreparável.
A indagação que fica é quantos mortos mais, de ambos os lados, terão ainda que ocorrer para o término da guerra, para a libertação do Iraque e para os soldados invasores retornarem às suas casas?
Os custos da guerra
Aqui há muita controvérsia. Os grandes jornais, como a Folha e o Estadão no Brasil, que reproduzem os números oficiais de Washington, mostram números muito tímidos, acanhados, completamente fora da realidade. Os dados oficiais do Pentágono da guerra indicam despesas em cinco anos de apenas 500 bilhões de dólares, o que equivale a um ano de orçamento militar dos Estados Unidos. Esse número não bate com outros dados que possuímos. Ainda assim, isso terá significado uma média de 16 mil dólares por família americana, gastos de forma desnecessária, nessa guerra que não é do povo americano e esse nem a apóia no momento (ultrapassa a casa dos 60% os que querem a volta imediata dos soldados para casa).
Os números mais confiáveis, recentemente publicados, são do prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz (autor, entre outros de “Globalização e seus malefícios, de 2003, da Editora Futura). Seu mais recente livro, ainda não traduzido no Brasil é The Trillion Dollar War (A guerra de três trilhões de dólares). É uma obra escrita em parceria com a economista Linda Bilmes, especialista em orçamento da Universidade de Harvard. É um estudo que projeta quanto o tesouro dos Estados Unidos teria que despender se a ocupação perdurasse até o ano de 2017 (mais dez anos, o que é bem possível). Quero apresentar alguns números e compartilhá-los com nossos leitores para que avaliem quem está com a verdade. Tais números, quase nunca divulgados, ou mesmo minimizados pela mídia americana, levam em conta gastos com saúde de veteranos, indenizações pagas, aposentadorias e outras despesas mais.
• Os gastos atuais da guerra já atingem a cifra de dois trilhões de dólares, pelo menos quatro vezes mais do que o Pentágono divulga como oficial;
• Em cinco anos de guerra contra o Iraque, já foram superados todos os gastos em 12 anos de guerra contra o Vietnã, entre 1963 e 1975 e pelo menos o dobro do que foi gasto na guerra da Coréia;
• Pelo menos 52 mil veteranos de guerra que retornaram para casa, tiveram diagnostico de síndrome de tensão pós-traumática e isso causa aposentadorias precoces, indenizações e outras despesas de tratamento de saúde, por parte do tesouro americano. Uma de suas maiores despesas vai para com os Veteranos de Guerra, um dos setores mais poderosos dos Estados Unidos, que pode envolver, estima-se até 90 milhões de pessoas, familiares e descendentes de pessoas que, em algum momento de suas vidas, lutaram em alguma guerra em que os americanos participaram (e foram, no século 20, pelo menos umas cem guerras e conflitos);
• Em torno de 1,65 milhões de soldados já passaram nesses cinco anos no Iraque e pelo menos 40% desses (em torno de 660 mil), vão receber alguma indenização, pensão, aposentadoria precocemente;
• Só a conta de “saúde e atenção” desse contingente de pessoas, veteranos específicos do Iraque, já atinge, no orçamento americano, 600 bilhões de dólares;
Conclusões e perspectivas
Como diz o próprio Stiglitz em seu livro, apenas as multinacionais da indústria do petróleo e as empresas que atuam na reconstrução do país com seus contratos bilionários, ganharam com essa guerra e não os Estados Unidos e o povo americano. A empresa Halliburton, da qual o vice-presidente Dick Cheney era sócio, tiveram suas ações super valorizadas nas bolsas.
A grande indagação é até quando a guerra vai durar, a ocupação, e quando se iniciará a retirada das tropas. Já escrevi nesta coluna muitas vezes que, ganhe quem ganhar as eleições de novembro próximo nos Estados Unidos, sejam eles democratas ou republicanos, as coisas pouco mudarão no Iraque. Arrisco a dizer, sem medo de errar, que não há presidente americano que faça a retirada das tropas em curto prazo. Claro que nunca é possível prever o tempo que lá ficarão, mas de imediato não sairão. Barak Obama chegou a falar em retirada em dois meses, mas sabe que não é verdade e teve que recuar, Hillary falou em retirada ao longo de 2009, mas não vai fazê-lo também.
Há uma discussão, que foi inclusive tema da visita de dois dias relâmpagos que o vice-presidente americano fez à Bagdá, nesta semana, de ver formas de montar bases permanentes no Iraque, tais quais os americanos possuem até hoje na península coreana. Tais bases teriam um contingente permanente e razoável de soldados, prontos para entrar em combate a qualquer momento e sempre que forem chamados pelos governos de turno, serviçais de Washington.
No momento em que escrevo essa coluna, não consegui ter acesso ao discurso que o presidente Bush fará em Washington. Mas, não tenhamos dúvidas de seu conteúdo: vai dizer que a guerra valeu a pena só pelo fato de ter removido Saddam Hussein do poder, que era um “ditador” e que levar a “democracia” ao Iraque é uma tarefa que os Estados Unidos nunca poderia se furtar. Uma verdadeira balela.
A verdade é que a 10 meses do término de seu mandato, Bush se encontra em uma encruzilhada histórica. Sabe que está perdendo a guerra de forma aberta. Não tem como vencê-la. Mas, não pode recuar agora. Vai ficar até o fim, mas vai perder a guerra. Quando no primeiro ano de guerra, em 2003, o combativo escritor paquistanês, Tariq Ali escreveu num de seus livros sobre o tema, ele fez uma previsão: pelo menos dez anos é o tempo em que os americanos permanecerão no Iraque. Já se passaram cinco. Serão ainda mais cinco? Vamos conferir.
De nossa parte, continuamos gritando com todas as nossas forças: Fora americanos do Iraque. Libertemos a terra árabe!
*Lejeune Mirhan, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da
International Sociological Association
* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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