* Moita Flores
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Os medos que nos habitam não têm a actividade criminosa como primeira preocupação
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Ao contrário daquilo que aparenta a discussão pública, o problema da insegurança vai muito para além da relação entre a notícia/visibilidade de um conjunto de crimes violentos e não se resolve com as medidas que caem nos restritos campos das polícias e dos tribunais.
Dos vários estudos sobre insegurança que se conhecem nas últimas duas décadas, entre eles sublinho um dos mais importantes realizado pela equipa do prof. Boaventura Sousa Santos nos meados da década de 90, aquilo que nos é revelado indicia que os medos que nos habitam não têm a actividade criminosa como primeira preocupação dos portugueses.
O problema do desemprego, as preocupações com a saúde, com a educação dos filhos surgem, em ordens diferentes, à frente do medo face à criminalidade.
Estudos realizados na mesma época para o centro de Paris, e nos quais directamente intervi, revelam, ainda, que os sentimentos de insegurança variam conforme aumenta a idade, são maiores de noite do que durante o dia, aumenta conforme a solidão e o avanço da velhice, com a iluminação pública, ou pela falta dela.
E sabe-se, por vários ensaios publicados, que os níveis de insegurança nos campos é sempre menor do que aquele que se sente nas cidades e bem menor dos valores do medo com que se vive nas grandes metrópoles.
Portanto, o sentimento de insegurança tem uma dimensão subjectiva que vai muito para além dos comportamentos criminais mais relevantes. E até, no quadro da violência criminal, nem todos os homicídios, por exemplo, são objecto do mesmo susto ou angústia perante a possibilidade de sentir a vida ameaçada.
Historicamente nós convivemos com a violência e com o homicídio, por vezes, reconhecendo-lhe legitimidade moral e social.
Remonta ao tempo das justiças privadas, bem anteriores à constituição do Estado, como hoje o conhecemos, a evidência de que matar para repor a ordem socialmente tida como boa, numa determinada comunidade, era um acto não censurável. A reposição da honra enxovalhada, a defesa da propriedade, a defesa da família estiveram na base de muitos homicídios que a memória histórica preservou como uma herança de que matar nem sempre é mau.
A título de exemplo do que afirmamos, deve dizer-se que só nos inícios dos anos 90, é que do Código Penal desapareceu um pressuposto que considerava uma circunstância atenuante, o marido matar a mulher em caso de flagrante delito de prática de adultério. Um resquício da velha ordem que só há quinze anos teve um ponto final.
Da leitura linear das estatísticas criminais não se retiram, portanto, todas as evidências que potenciam a explosão momentânea de maior turbulência securitária. Tem várias origens, como se fosse uma raiz fasciculada que conduz a seiva para o tronco comum deste debate. Mesmo que agora pare por um momento a onda de homicídios, pode ter menor visibilidade a discussão sobre a insegurança, mas não é por deixar de se discutir, ou noticiar, que ela abranda enquanto estivermos perante ameaças de várias origens. E como é sabido, ninguém quer morrer. Seja por qual for o motivo.
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Francisco Moita Flores
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Dos vários estudos sobre insegurança que se conhecem nas últimas duas décadas, entre eles sublinho um dos mais importantes realizado pela equipa do prof. Boaventura Sousa Santos nos meados da década de 90, aquilo que nos é revelado indicia que os medos que nos habitam não têm a actividade criminosa como primeira preocupação dos portugueses.
O problema do desemprego, as preocupações com a saúde, com a educação dos filhos surgem, em ordens diferentes, à frente do medo face à criminalidade.
Estudos realizados na mesma época para o centro de Paris, e nos quais directamente intervi, revelam, ainda, que os sentimentos de insegurança variam conforme aumenta a idade, são maiores de noite do que durante o dia, aumenta conforme a solidão e o avanço da velhice, com a iluminação pública, ou pela falta dela.
E sabe-se, por vários ensaios publicados, que os níveis de insegurança nos campos é sempre menor do que aquele que se sente nas cidades e bem menor dos valores do medo com que se vive nas grandes metrópoles.
Portanto, o sentimento de insegurança tem uma dimensão subjectiva que vai muito para além dos comportamentos criminais mais relevantes. E até, no quadro da violência criminal, nem todos os homicídios, por exemplo, são objecto do mesmo susto ou angústia perante a possibilidade de sentir a vida ameaçada.
Historicamente nós convivemos com a violência e com o homicídio, por vezes, reconhecendo-lhe legitimidade moral e social.
Remonta ao tempo das justiças privadas, bem anteriores à constituição do Estado, como hoje o conhecemos, a evidência de que matar para repor a ordem socialmente tida como boa, numa determinada comunidade, era um acto não censurável. A reposição da honra enxovalhada, a defesa da propriedade, a defesa da família estiveram na base de muitos homicídios que a memória histórica preservou como uma herança de que matar nem sempre é mau.
A título de exemplo do que afirmamos, deve dizer-se que só nos inícios dos anos 90, é que do Código Penal desapareceu um pressuposto que considerava uma circunstância atenuante, o marido matar a mulher em caso de flagrante delito de prática de adultério. Um resquício da velha ordem que só há quinze anos teve um ponto final.
Da leitura linear das estatísticas criminais não se retiram, portanto, todas as evidências que potenciam a explosão momentânea de maior turbulência securitária. Tem várias origens, como se fosse uma raiz fasciculada que conduz a seiva para o tronco comum deste debate. Mesmo que agora pare por um momento a onda de homicídios, pode ter menor visibilidade a discussão sobre a insegurança, mas não é por deixar de se discutir, ou noticiar, que ela abranda enquanto estivermos perante ameaças de várias origens. E como é sabido, ninguém quer morrer. Seja por qual for o motivo.
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Francisco Moita Flores
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» Comentários |
Domingo, 9 Março
- Mario Moita
Sempre,na minha opiniao,muito objectivo e,com grande sentido democratico. Quando terei o prazer de ter estes artigos de opiniao em livro?
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in Correio da Manhã 2008.04.09
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