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Sentir o Direito
.* Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Comunicação Social e Crime
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Quando as notícias se desligam de qualquer análise explícita, acabam por favorecer as distorções da realidade. Nos assaltos ocorridos em Portugal, no Verão passado, houve uma mediatização da violência que colocou o crime no centro da discussão política e social. Ora, apesar de tudo, os fenómenos criminais não ultrapassaram os níveis comuns europeus e não desregularam a nossa vida social.
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Com efeito, na maioria das metrópoles europeias há mais ocorrências graves do que nas nossas cidades e, no entanto, é popular dizer que, entre nós, existe insegurança. Nas televisões de vários países europeus, o crime passa pouco e não é tema central do debate político. Mas, em época de férias políticas, o crime tornou-se tema obsessivo: trate-se do tradicional crime passional, trate-se do assalto mais moderno.
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O problema do crime nas sociedades contemporâneas deve constituir uma preocupação efectiva das políticas públicas. O objectivo é controlar e reduzir o mais possível a criminalidade. Mas, por muito que custe ouvir, não é legítimo manipular o problema criminal como argumento partidário ou atracção mediática. Essas vias contribuem apenas para desregular o funcionamento das instituições.
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O exemplo mais repugnante de uma lógica de utilização do crime como isco mediático é o caso de um apresentador de programas no Brasil, que terá instigado à prática de crimes graves para obter notícias espectaculares. Se isto for verdade – e não só mais uma 'notícia' de Verão – as relações entre a comunicação social e o crime atingiram o ponto máximo de reprodução autopoiética.
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Na verdade, estaremos perante um sistema que se reproduz a si mesmo, sem apresentar nenhuma funcionalidade útil ou contribuir para qualquer objectivo externo. Ocorre-nos a comparação com o filme de Kubrick ‘2001 Odisseia no Espaço’, em que o computador, que deveria servir os seres humanos que o criaram, começou a funcionar em benefício próprio, para garantir a sua subsistência.
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A comunicação social tem um papel essencial a desempenhar: descrever a criminalidade na sua exacta dimensão, dando voz às vítimas, analisar as causas dos crimes e avaliar as políticas de segurança com dados objectivos e respeito pelo contraditório. A imprensa livre, nesta matéria, é sempre a que ajuda a pensar e não a que manipula sentimentos de medo ou até promove o aumento da criminalidade.
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NOTA VN - Pois ... mas o Correio da Manhã cada vez dá mais notícias de crimes, violações, assaltos, pedofilia, como se Portugal fosse um País onde não se pode andar na rua, atemorizando as pessoas para mais facilmente levá-las a aceitar restrições aos seus direitos e a instauração dum verdadeiro regime repressivo, em nome da segurança, não das populações e dos trabalhadores, mas sim ... do patronato.
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