A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

domingo, fevereiro 12, 2012

Baltasar Garzón, de pretor ao banco dos réus




Aos 54 anos, o "super juíz" anti-corrupção espanhol é acusado de ter abusado do seu poder nos inquéritos sobre os crimes do franquismo.

EUROPEU DA SEMANA
9 abril 2010
EL PAÍS MADRID

Herói incorruptível para alguns; megalómano politizado para outros, depois de ter sido o “derrubador” de Augusto Pinochet e dos ditadores argentinos, entre outros, Baltasar Garzón foi acusado, a 7 de Março, pelo Supremo Tribunal espanhol, de ter faltado aos seus deveres. O juiz mais célebre de Espanha – talvez, mesmo, do mundo – terá abusado do seu poder para investigar a ditadura de Franco, um assunto ainda tabu, coisa que a direita espanhola não lhe perdoa, e arrisca-se a não poder exercer nunca mais.
No decurso dos seus 22 anos de carreira judicial, Baltasar Garzón teve muitas oportunidades para incomodar as pessoas. Conta evidentemente entre os seus principais inimigos homens políticos dos dois principais partidos que, num dia o elogiam e, no dia seguinte, sofrem as suas perseguições. Esta passagem brusca do quente ao frio – e vice-versa – tem, muitas vezes, consequências negativas.
Garzón nunca foi um homem discreto. Nunca tentou fugir e sempre arranjou maneira (ou outros o fizeram por ele) de os dossiês escaldantes irem parar a cima da sua secretária. São raros os casos de grande envergadura que não lhe passaram pelas mãos. Foi um dos primeiros a ocupar-se da luta contra o narcotráfico que, na época, estava em vias de transformar algumas regiões de Espanha numa nova Sicília.
Interessou-se, também, pelo terrorismo puro e duro, passando pelo terrorismo do Estado e seus derivados: a utilização de fundos reservados. E, evidentemente, não pode deixar de lado a corrupção urbanística em todas as suas formas. Garzón conseguiu exportar o seu prestígio para o estrangeiro ao ocupar-se de assuntos também eles apaixonantes: a instrução do processo contra Silvio Berlusconi [por supostos abusos da sua filial espanhola Telecinco] e a emissão de mandatos de prisão contra o ditador chileno, Augusto Pinochet, e Osama Bin Laden.
Amigo dos patrões
Apesar de alguns o criticarem por não ter entre as suas vítimas nenhum grande administrador de empresas, Garzón tornou-se uma espécie de justiceiro à escala internacional. Se não conseguiu ser ele a ocupar-se da falência do banco espanhol Banesto há quem afirme que a sua agressividade diminuiu em certos assuntos complicados ligados aos grandes bancos do país, como o BBVA e o Santander. O facto de o banco Santander ter patrocinado os seus cursos nos Estados Unidos (coisa que a instituição nega) podia ter-lhe custado a carreira. 
A sua trajectória continuava em frente e Garzón, infatigável, continuou a ocupar-se de grandes casos. Mas parecia destinado a ser, apenas, o mesmo magistrado célebre por muitos e muitos séculos porque as suas tentativas para obter um lugar mais importante na Audiência Nacional, no Supremo Tribunal ou no Tribunal Internacional de Haia se saldavam sempre por fracassos. Garzón parecia não ter apoio suficiente por parte dos seus colegas. Havia sempre qualquer coisa a trabalhar contra ele: à direita ou à esquerda formava-se, fatalmente, uma maioria que não o apoiava.
Franco, a investigação a mais?
Vendo tudo o que conseguiu, poder-se-ia pensar que a única coisa que faltava a Garzón era a menção no seu curriculum de uma personagem histórica, um cromo para completar a sua colecção. Depois de ter passado pelo crivo a democracia e as suas falhas faltava-lhe examinar o passado. E tirar partido de uma personagem como Franco. Garzón já tinha acertado contas com muita gente, mas nunca se tinha aventurado no território do ditador. Apoiando-se na Lei da Memória Histórica, nas suas imperfeições e nas demandas negligenciadas das famílias de milhares de vítimas de fuzilamentos, Garzón quis instaurar um processo ao franquismo. E como a sua insónia e o seu carácter lhe permitem ter uma capacidade de trabalho notável, lançou-se nesta aventura ao mesmo tempo que punha de pernas para o ar o Partido Popular, por causa do caso Gürtel [um caso de corrupção, fraude e branqueamento que implicava dirigentes do PP].
Garzón viveu sempre acossado pelos aliados da parte afectada pelas suas investigações. Conhece o guião. Está preparado para sofrer pressões, tal como o manifestou num livro em que expõe os seus pensamentos e as suas inquietações (El Mundo sin Miedo, Plaza y Janés, 2005). Soube sempre sair das piores situações com a eficácia de um equilibrista. A outra parte vinha sempre em sua defesa.
Mas não é essa a impressão que têm tido, nestes últimos tempos, os membros dessa sociedade muito fechada que é a magistratura. Desta vez, são muitos os que estão convencidos de que o seu fim está próximo. São muitos os que pensam que Garzón já teve a sua época, que já não é necessário, sobretudo para os políticos. Todos eles foram vítimas da sua inclemência. As suas memórias dão-nos a imagens de um homem convencido de que veio ao mundo com uma missão e que aceita o sacrifício que essa missão lhe exige. O problema é saber se está pronto para viver um final que não tinha previsto.

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