A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Tiago Moreira de Sá - Angela Merkel e o realismo neoclássico

 

Angela Merkel e o realismo neoclássico
07 | Fevereiro | 2012 
Tiago Moreira de Sá

Jornal Público, 6|Fevereiro|2012

Os líderes europeus reuniram-se em mais um conselho europeu. Como sempre tem acontecido foi chamado de histórico, mas acabou por ser apenas mais uma desilusão. Por que será?
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Durante várias décadas, a tese dominante na teoria das relações internacionais defendeu a existência de uma separação entre a política interna e a política externa, o que implicou que por muito tempo se estudasse a segunda sem levar em consideração a primeira. Mais recentemente, surgiu uma nova escola teórica das relações internacional, chamada de realismo neoclássico, que cortou com esta tradição ao relacionar as estruturas internacionais com as estruturas domésticas, fazendo-o por observar que muitas decisões de política externa eram determinadas, ou influenciadas, por circunstâncias interna dos Estados. Dito de forma mais simples, várias vezes os governantes são obrigados a decidir em função dos equilíbrios políticos existentes no seu país num determinado momento.
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Esta breve incursão pela teoria das relações internacionais justifica-se porque o realismo neoclássico fornece as premissas mais adequadas à compreensão dos problemas de fundo da actual crise do projecto de integração europeia, não residindo estes em questões simples e superficiais – como a suposta estupidez de Merkel ou Sarkozy, ou mesmo a menor qualidade dos líderes políticos de hoje quando comparados com os do passado -, mas sim nas estruturas internas dos países membros da União Europeia (UE), que tornam muito lenta a tomada de decisão e ainda mais a sua posterior implementação.
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Indo directo ao que verdadeiramente conta, importa olhar para o caso da Alemanha. Como defendeu Patrícia Daehnhardt existem vários factores domésticos alemães que condicionam a sua política europeia. Em primeiro lugar, o sistema pouco coordenado e muito descentralizado de decisão política em matérias europeias, envolvendo vários centros do poder executivo, como a Chancelaria, os ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Defesa, das Finanças, da Economia e Tecnologia e do Desenvolvimento, entre outros. Em segundo lugar, o federalismo alemão, com destaque para a necessidade de conciliar os vários interesses dos Lander, sem esquecer as eleições frequentes para os governos dos Estados federados. Em terceiro lugar, o papel do Tribunal Constitucional Federal (TCF), que tem na prática um poder de veto sobre a política europeia do país, uma vez que qualquer tratado europeu só pode ser ratificado após o veredicto do TCF sobre a sua constitucionalidade. Em quarto lugar, o papel do Bundestag e do Bundesrat que têm de aprovar muitos do compromissos assumidos pelo governo alemão nos conselhos europeus. Em quinto lugar, a existência de um governo de coligação, com a necessária negociação permanente entre os dois partidos que estão no executivo, acrescendo que o parceiro de coligação do partido de Merkel, os liberais, tem posições mais reticentes em relação a Europa. Em sexto lugar, a crescente polarização do cenário político alemão, com pequenos partidos como o FDP, Verdes e Linke a conseguirem mais de 30 por cento dos votos nas eleições legislativa de 2009, o que veio fragmentar ainda mais o processo de decisão em política europeia. Finalmente, compete não esquecer a existência de eleições legislativas em 2013.
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A toda esta estrutura político-institucional, devem acrescentar-se mais dois factores da maior importância. O primeiro consiste na pressão dos grupos económicos e financeiros alemães que, embora interessados em manter a zona euro – a sua principal área de exportação -, resistem fortemente à mutualização da dívida dos países do euro, pois tal significará que passarão a pagar juros mais altos pelo dinheiro que pedem emprestado (de facto, a mutualização da dívida baixa os juros dos países em dificuldades, mas aumenta os juros de países com a Alemanha, a Holanda e a Finlândia). O segundo factor reside no crescimento exponencial do eurocepticismo na Alemanha, que começou com a criação do Euro mas agravou-se muito a partir do início da actual crise, e isto quer na opinião pública, quer nos meios de comunicação social, quer mesmo em certos grupos elite política.
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Como escreveram autores como William Wohlforth ou Christopher Layne, muitas vezes para se compreender a política externa de um país é preciso analisar as suas estruturas internas. Esta deslocação do nível de análise introduzida pelos realistas neoclássicos é fundamental para se elevar a um novo patamar a discussão sobre a política europeia de Angela Merkel, ou, dito de forma mais correcta, da Alemanha, e logo para se conseguir prever como vai evoluir a União Europeia.
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E ela permite-nos desde logo uma conclusão fundamental: a de que a solução para a actual crise europeia vai demorar vários anos. Mas será que a Europa aguenta tanto tempo?

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