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sexta-feira, outubro 22, 2010

Ignacio Ramonet: A Espanha vai mal

Mundo

Vermelho - 20 de Outubro de 2010 - 18h15

Acabou-se a paz social. A greve geral do último 29 de setembro contra a reforma trabalhista decidida pelo governo de José Luis Rodríguez Zapatero constitui a abertura de um período social provavelmente agitado.

Por Ignacio Ramonet, no Informação Alternativa

O governo prometeu apresentar ao congresso, antes do final do ano, um novo projeto de lei que pretende elevar de 65 para 67 anos a idade legal de aposentadoria e aumentar o período de cálculo, para fixar a quantia da pensão, dos últimos 15 anos de vida ativa para os últimos 20… Somado à reforma trabalhista e ao decretaço de maio passado que baixou o salário dos funcionários públicos, congelou as aposentadorias e cortou os gastos em obras públicas, este projeto faz crescer a ira das organizações sindicais e de boa parte dos assalariados.

De antemão, o primieiro-ministro apresentou as suas decisões como irrevogáveis: "No dia a seguir à greve geral – alardeou em Tóquio a 1 de setembro – continuaremos com a mesma atitude". O que incita os sindicatos a prever já novas jornadas de protesto.

Na sua intransigência, o Executivo espanhol segue o modelo de outros governos europeus. Em França, apesar de três recentes mobilizações massivas contra a reforma das aposentadorias, o presidente Nicolas Sarkozy reiterou que não modificará a lei. Na Grécia, seis greves gerais em seis meses foram ignoradas pelo primeiro-ministro Yorgos Papandreu.

Amparando-se no princípio de que, em democracia, a política se decide no Parlamento e não na rua, estes dirigentes eliminam o descontentamento de amplas categorias sociais obrigadas a recorrer à greve ou à manifestação de rua – expressões da democracia social – para refletir o seu mal-estar específico [1]. Atuando desse modo, tais governos erram. Comportam-se como se a legitimidade eleitoral se impusesse sobre as demais formas de legitimidade e de representação, e em particular sobre a legitimidade da democracia social [2]. Em qualquer caso, essa atitude inflexível pode alentar as massas descontentes a recusar, numa segunda etapa, o diálogo social e a procurar um confronto frontal.

Sobretudo já que, desde maio passado com o anúncio do brutal plano de ajuste, o fastio de uma parte importante da sociedade espanhola não parou de se exacerbar [3]. Entre os quase cinco milhões de desempregados, os trabalhadores precários, os jovens sem emprego, as mulheres assalariadas, os pequenos funcionários e as famílias de todos eles estende-se a convicção de que o Executivo os sacrificou.

Ao mesmo tempo, através do fundo de resgate bancário, o governo transferia para as instituições bancárias e de poupanças (responsáveis pela bolha imobiliária) até 90 bilhões de euros… Não contemplava aumentar significativamente a tributação dos rendimentos mais altos, nem criar um imposto sobre as grandes fortunas, nem reduzir os orçamentos de defesa (uns 8 bilhões de euros anuais), nem o financiamento da Igreja Católica (uns 6 bilhões de euros), nem tão pouco a parte orçamental da Casa Real (quase 9 milhões de euros)…

O que inquieta muitos cidadãos é a certeza de que o Executivo adotou essas medidas regressivas contra os assalariados, mais que por convicção, por ditado da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional. E por pressão dos mercados financeiros que, sob ameaça de não investir, exigem uma queda dos salários e uma redução do nível de vida. De fato, assim o reconheceu perante um grupo de investidores japoneses o próprio primeiro-ministro Zapatero: "Estamos a abordar – confessou – as reformas que mais preocupam os investidores internacionais" [4]. E perante os máximos diretores dos principais bancos de negócios e fundos de investimento dos Estados Unidos, repetiu que essas medidas as adotava "para que os investidores e os mercados valorizem a firme determinação que tenho de fazer com que a economia espanhola seja competitiva" [5].

A reforma trabalhista não tem nenhuma relação com o corte do déficit público nem com a redução dos orçamentos do Estado, principais exigências dos mercados financeiros. Mas como o governo não pode desvalorizar a moeda para estimular as exportações, decidiu favorecer a queda dos salários para ganhar em competitividade.

O pior é que tão desacertadas medidas têm poucas garantias de sucesso. Os dados do desemprego registados em agosto passado, com a reforma já em vigor, demonstram que 93,4% dos contratos realizados foram temporários… Ou seja, a precariedade continua a dominar o mercado trabalhista. A única diferença é que agora, aos empresários, o despedimento resulta-lhes mais barato.

Depois da crise dos anos 1990, o desemprego demorou treze anos a reduzir-se para o nível médio europeu; numa época em que a taxa de crescimento era muito forte e Espanha recebia massivos fundos estruturais europeus. Hoje, com esta reforma trabalhista e com uma previsão de crescimento raquítico de longa duração, "o emprego em Espanha – segundo a economista estadunidense Carmen Reinhart – não recuperará os níveis de 2007 até… 2017" [6].

Entretanto, rejeitado pelos seus próprios eleitores, este governo terá provavelmente perdido o poder e cedido a direcção do país à oposição conservadora e populista. Geralmente é o que ocorre – vimo-lo na Alemanha, no Reino Unido e, mais recentemente, na Suécia – quando os partidos de esquerda se renegam a si mesmos e optam por políticas vergonhosamente de direita.

[1] O voto democrático, precisamente por ser geral e universal, nem sempre permite a expressão de sensibilidades particulares.
[2] Leia-se Pierre Rosenvallon, “Le pouvoir contre l'intérêt général”, Le Monde, Paris, 21 de Setembro de 2010.
[3] Segundo uma sondagem recente do Centro de Investigações Sociológicas (CIS), o PSOE perde 3,1 pontos. Só 2,5% dos inquiridos diz que a situação económica é boa ou muito boa, face a 22,6% que a considera assim-assim e 74,4% que a define como má ou muito má.
[4] El País, Madrid, 1 de Setembro de 2010.
[5] Ibid, 21 de Setembro de 2010.
[6] Ibid, 12 de Setembro de 2010.


Fonte: Informação Alternativa
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