A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, outubro 06, 2007

A fuga para a frente

* Jorge Messias
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Na área das religiões, a semana que passou revelou-se fértil em notícias que parecem ter pouca importância mas que, vistas de perto, são elucidativas quanto às estratégias da igreja no e das religiões no espaço político-económico.
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Veja-se, por exemplo, exemplo a Birmânia, rica em jazidas de gás natural, porta de entrada para o petróleo que a China importa e onde o Budismo mais conservador tem grande influência no povo birmanês. Governam o país, desde 1962, repressivas juntas militares. Galopa a inflação resultante dos gastos públicos sumptuários. Mas os budistas só de tempos a tempos se lembram de reclamar. Sempre de forma cordata, pois são pacifistas. Mas agora, China, Índia e Tailândia disputam o gás natural birmanês. Os EUA e a União Europeia agravam as sanções. O povo agita-se. É altura dos monges e dos estudantes de teologia avançarem, antes que seja tarde e o povo tome a iniciativa da revolta.
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É uma «fuga para a frente». Mais uma vez se prova que as religiões são reflexo das impotências sociais e económicas sentidas pelos homens.
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Quanto ao mais, no mundo satélite do capitalismo clerical tudo parece caminhar a velocidade de cruzeiro. O movimento financeiro do Vaticano intensificou o processo de fusões de capitais próprios e comprou grandes bancos em Espanha, na Itália e nos Estados Unidos. É já uma enorme potência financeira. O poder do dinheiro eclesiástico impera nos quatro cantos da terra.
Agora, parece fazer caminho a imposição aos católicos do pagamento compulsivo do «dízimo», como já acontece em Moçambique e nalgumas paróquias dispersas em Portugal. Se a moda pegar, não é brinquedo nenhum o que o Vaticano irá receber. Serão 800 milhões a doar ao papa 10% daquilo que recebem ...
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Por enquanto, esta doutrina não é oficial. Mas são balões de ensaio, jogadas de antecipação. A igreja instala o «facto consumado» antes dele ter espaço legal. São «fugas para a frente» que estão na base de grandes êxitos futuros.

Os acontecimentos em Portugal

Também o nosso país foi palco de uma movimentação católica digna de registo. Por razões de espaço, citam-se apenas dois acontecimentos, ambos com principal incidência na área da Saúde.
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As «listas de espera» para actos cirúrgicos continuam incontroláveis. Nomeadamente em Oftalmologia, com prejuízo dos doentes, sobretudo dos idosos que, como é óbvio, pouco tempo têm para esperar. Então, os autarcas de Vila Real de Santo António reflectiram e decidiram agir. Geminaram a sua cidade com um município dos subúrbios de Havana e promoveram a ida a Cuba de grupos de doentes que esperavam, há quatro ou cinco anos, por uma operação. Conhece-se a excelência da cirurgia cubana. Mas Cuba é socialista. Tanto bastou para irritar os bispos portugueses. No presidente da União das Misericórdias acordou o nacionalismo: «Não há necessidade de recorrer aos médicos estrangeiros quando temos médicos e equipamentos disponíveis em Portugal.» Logo ali foi redigida uma proposta com vistas a criar uma parceria entre o Estado e as Misericórdias que acabe de vez com as listas de espera em oftalmologia. Basta, afinal, a assinatura de um protocolo de cooperação entre as duas partes. São 30 mil os portugueses que aguardam uma operação aos olhos. Mas às Misericórdias, o que interessa é a consolidação das bases daquela ideia, já avançada por M. J. Nogueira Pinto, da partilha com a Igreja dos poderes do Estado em toda a área social.
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É novamente a «fuga para a frente». Atrás de uma ideia secundária, está a «outra» ideia.
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Caso digno de reparo é o da «questão das capelanias». Se o estatuto dos capelães no enquadramento de um Estado laico é sempre problemático, os pontos de atrito agravam-se com a existência de concordatas, sempre incompatíveis com o princípio constitucional da separação de poderes. A Constituição estabelece a autonomia das confissões quanto à sua própria organização e à obrigação do Estado respeitar a liberdade do exercício das religiões e dos cultos. Mas o Estado não pode privilegiar qualquer confissão. A função das capelanias deve ser garantida àqueles que delas declararem necessitar. Mas os encargos inerentes não devem ser suportados pelo Estado laico. A Constituição proíbe-o.
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Vem depois a Concordata que atribui ao Estado o encargo de pagar aos capelães dos hospitais, prisões, asilos, lares, universidades públicas, etc., vencimentos compatíveis com as suas funções. Constituição laica e Concordata são incompatíveis. Para o Estado de Direito, a Constituição é soberana. Mas para a Igreja, a Concordata sobrepõe-se à Constituição. Ou uma, ou outra, é isto que está em causa. A «guerra dos capelães» oculta um novo salto da igreja no sentido do poder.
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A fórmula é: construir o «facto político» e «fugir para a frente».
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in Avante 2007.10.04

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