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A Associação de Juízes pela Cidadania (AJpC), presidida por Rui Rangel, vai obrigar o Parlamento a reabrir a discussão sobre as alterações às leis penais através de uma petição pública.
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Eliminar a norma que permite que a figura do crime continuado seja aplicada em crimes contra as pessoas, designadamente abusos sexuais, e revogar o artigo que impede a publicação de escutas que não estejam em segredo de justiça sem autorização do visado são dois dos principais objectivos dos magistrados, que necessitam de quatro mil assinaturas para reabrir o debate no plenário da Assembleia da República.
A petição será lançada a 14 de Novembro e as assinaturas recolhidas através do site da associação: http://www.juizespelacidadania.eu/
Além de relançar o debate sobre os dois artigos que mais polémica têm suscitado, cuja paternidade ainda não foi assumida, a AJpC quer que o Governo se comprometa também a reforçar os meios da Polícia Judiciária e do Ministério Público para fazer face ao encurtamento dos prazos previstos no novo Código de Processo Penal. “Não é compatível fazer investigações complexas, de criminalidade económica, com estes prazos”, explica ao CM o desembargador Rui Rangel, alertando para a possibilidade de a nova lei apenas se poder aplicar à “criminalidade de bagatelas”.
A associação de juízes defende ainda a clarificação do regime de responsabilidade de pessoas colectivas, da norma que permite a repetição de julgamentos de condenados e ainda a clarificação da figura do agente encoberto e infiltrado.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que já admitiu avançar com propostas de alterações, apoia a iniciativa da AJpC. “A reforma do processo penal mostra-se de tal maneira desastrosa e com consequências tão negativas que qualquer iniciativa no sentido de introduzir correcções é positiva”, disse ao CM o secretário-geral do Sindicato, João Palma. Já o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), António Martins, referiu não comentar “iniciativas de outras associações”.
"FORMA INDIRECTA DE CRIAR AMNISTIAS"
Uma reforma pouco transparente, falhada e com artigos ridículos e até cómicos. Esta é a opinião do advogado José António Barreiros e do penalista Costa Andrade que, num debate promovido em Lisboa pela Associação de Juízes pela Cidadania (AJpC) na noite de quinta-feira, criticaram duramente as alterações ao Código Penal e Código de Processo Penal, em vigor desde 15 de Setembro.
“Uma reforma que se deita com um caso mediático, acaba rapidamente solteira”, começou por dizer Costa Andrade. “Não me parece que seja uma reforma inocente”, acrescentou. Sem nunca se referirem a qualquer processo concreto, designadamente ao caso da Casa Pia, os penalistas debruçaram-se, entre outros temas, sobre as alterações ao segredo de justiça, escutas telefónicas e responsabilidade penal das pessoas colectivas. Neste último caso, foi consensual a crítica ao catálogo de crimes. “Como é que se pode imputar a uma sociedade um crime de violação?”, questionou Costa Andrade, que chamou a atenção para o artigo do homicídio qualificado, classificando-o como um “dos mais cómicos”: “Por que é que não pomos também o padeiro, que tem uma função tão importante”, na alínea onde se define em que casos, consoante a vítima, se considera haver homicídio qualificado. Barreiros sublinhou estar convicto que a reforma foi levada a cabo numa lógica de “ofensiva do legislativo sobre o judiciário”, com a “intenção de gerar problemas”, e deixou uma pergunta: “Quantas amnistias indirectas se vão conseguir com esta reforma? Um processo que devia ser claro está sob suspeita de ser uma forma indirecta de criar amnistias.”
"DEFENDO QUE VÁ A PLENÁRIO
O socialista Osvaldo Castro, que preside à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, disse ontem ao CM que defenderá a reabertura do debate na Assembleia da República.
“Mesmo que não haja quatro mil assinaturas, defenderei que vá a plenário”, afirmou o deputado, lembrando que tem uma “boa relação com os dirigentes da AJpC”. Osvaldo Castro considera, porém, que “as leis têm de ter alguma estabilidade” e não se pode “andar a alterar códigos de 15 em 15 dias”. O deputado explicou que, após a entrada da petição, será nomeado um relator e serão ouvidos os representantes dos peticionários, que poderão ainda reunir com o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
REABERTURA DE JULGAMENTOS PODE SER INCONSTITUCIONAL
Há juízes a recusar reabrir os processos de condenados com sentenças transitadas em julgado, como prevê agora o Código de Processo Penal nos casos em que a nova lei é mais favorável, por considerarem o artigo 371.º A inconstitucional – por violação do caso julgado.
Segundo os magistrados, esta situação, que tem origem na falta de clarificação da norma, está a gerar diferentes interpretações e de injustiças entre condenados.
“Dentro da própria vara ainda não conseguimos encontrar um critério”, explicou ao CM o juiz Renato Barroso, do Tribunal da Boa-Hora. Esta situação é confirmada pela juíza Rosa Brandão, da 4.ª Vara do mesmo tribunal, que explica haver posições distintas nesta matéria: há juízes que marcam simplesmente a audiência, apesar de terem dúvidas sobre qual o colectivo que deve realizar o julgamento; e outros há que recusam reabrir os processos, obrigando o Ministério Público a recorrer para o Tribunal Constitucional.
Outra das dúvidas dos juízes, que na quinta-feira à noite aproveitaram a presença de José António Barreiros e de Costa Andrade para encontrarem respostas para as suas dúvidas, prende-se com o que devem discutir no novo julgamento: apenas matéria de direito – ou seja, apenas alegações – ou matéria de facto, voltando a ouvir testemunhas? Todos os dias chegam novos pedidos de reabertura de casos e os juízes continuam sem saber o que fazer.
SIS PODE ESCUTAR
O ministro da Justiça, Alberto Costa, defende a possibilidade de os Serviços de Informações fazerem escutas telefónicas para “garantir a segurança nacional”, prevenindo, por exemplo, atentados terroristas.
“Se é possível interceptar comunicações para investigar crimes já ocorridos, será também de contemplar a mesma possibilidade para garantir a segurança nacional”, referiu Alberto Costa.
O governante admite também devolver ao Ministério Público (MP) o poder de realizar inspecções sobre as polícias. Isto depois do procurador-geral da República, Pinto Monteiro, ter sugerido no Parlamento a realização de inspecções externas, incluindo à Polícia Judiciária.
NOTAS
RECLUSOS EM LIBERDADE
Só no dia 15 de Setembro, dia em que o novo Código de Processo Penal entrou em vigor, foram soltos 115 reclusos. Prevê-se que saiam 246.
MENTOR JÁ É MINISTRO
Coube à Unidade de Missão para a Reforma Penal, criada em 2005 e dirigida por Rui Pereira, hoje ministro da Administração Interna, rever a lei.
DESTRUIÇÃO DE GRAVAÇÕES
O Tribunal Constitucional proferiu o 3.º acórdão declarando inconstitucional a destruição de escutas irrelevantes sem o conhecimento do arguido.
A petição será lançada a 14 de Novembro e as assinaturas recolhidas através do site da associação: http://www.juizespelacidadania.eu/
Além de relançar o debate sobre os dois artigos que mais polémica têm suscitado, cuja paternidade ainda não foi assumida, a AJpC quer que o Governo se comprometa também a reforçar os meios da Polícia Judiciária e do Ministério Público para fazer face ao encurtamento dos prazos previstos no novo Código de Processo Penal. “Não é compatível fazer investigações complexas, de criminalidade económica, com estes prazos”, explica ao CM o desembargador Rui Rangel, alertando para a possibilidade de a nova lei apenas se poder aplicar à “criminalidade de bagatelas”.
A associação de juízes defende ainda a clarificação do regime de responsabilidade de pessoas colectivas, da norma que permite a repetição de julgamentos de condenados e ainda a clarificação da figura do agente encoberto e infiltrado.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que já admitiu avançar com propostas de alterações, apoia a iniciativa da AJpC. “A reforma do processo penal mostra-se de tal maneira desastrosa e com consequências tão negativas que qualquer iniciativa no sentido de introduzir correcções é positiva”, disse ao CM o secretário-geral do Sindicato, João Palma. Já o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), António Martins, referiu não comentar “iniciativas de outras associações”.
"FORMA INDIRECTA DE CRIAR AMNISTIAS"
Uma reforma pouco transparente, falhada e com artigos ridículos e até cómicos. Esta é a opinião do advogado José António Barreiros e do penalista Costa Andrade que, num debate promovido em Lisboa pela Associação de Juízes pela Cidadania (AJpC) na noite de quinta-feira, criticaram duramente as alterações ao Código Penal e Código de Processo Penal, em vigor desde 15 de Setembro.
“Uma reforma que se deita com um caso mediático, acaba rapidamente solteira”, começou por dizer Costa Andrade. “Não me parece que seja uma reforma inocente”, acrescentou. Sem nunca se referirem a qualquer processo concreto, designadamente ao caso da Casa Pia, os penalistas debruçaram-se, entre outros temas, sobre as alterações ao segredo de justiça, escutas telefónicas e responsabilidade penal das pessoas colectivas. Neste último caso, foi consensual a crítica ao catálogo de crimes. “Como é que se pode imputar a uma sociedade um crime de violação?”, questionou Costa Andrade, que chamou a atenção para o artigo do homicídio qualificado, classificando-o como um “dos mais cómicos”: “Por que é que não pomos também o padeiro, que tem uma função tão importante”, na alínea onde se define em que casos, consoante a vítima, se considera haver homicídio qualificado. Barreiros sublinhou estar convicto que a reforma foi levada a cabo numa lógica de “ofensiva do legislativo sobre o judiciário”, com a “intenção de gerar problemas”, e deixou uma pergunta: “Quantas amnistias indirectas se vão conseguir com esta reforma? Um processo que devia ser claro está sob suspeita de ser uma forma indirecta de criar amnistias.”
"DEFENDO QUE VÁ A PLENÁRIO
O socialista Osvaldo Castro, que preside à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, disse ontem ao CM que defenderá a reabertura do debate na Assembleia da República.
“Mesmo que não haja quatro mil assinaturas, defenderei que vá a plenário”, afirmou o deputado, lembrando que tem uma “boa relação com os dirigentes da AJpC”. Osvaldo Castro considera, porém, que “as leis têm de ter alguma estabilidade” e não se pode “andar a alterar códigos de 15 em 15 dias”. O deputado explicou que, após a entrada da petição, será nomeado um relator e serão ouvidos os representantes dos peticionários, que poderão ainda reunir com o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
REABERTURA DE JULGAMENTOS PODE SER INCONSTITUCIONAL
Há juízes a recusar reabrir os processos de condenados com sentenças transitadas em julgado, como prevê agora o Código de Processo Penal nos casos em que a nova lei é mais favorável, por considerarem o artigo 371.º A inconstitucional – por violação do caso julgado.
Segundo os magistrados, esta situação, que tem origem na falta de clarificação da norma, está a gerar diferentes interpretações e de injustiças entre condenados.
“Dentro da própria vara ainda não conseguimos encontrar um critério”, explicou ao CM o juiz Renato Barroso, do Tribunal da Boa-Hora. Esta situação é confirmada pela juíza Rosa Brandão, da 4.ª Vara do mesmo tribunal, que explica haver posições distintas nesta matéria: há juízes que marcam simplesmente a audiência, apesar de terem dúvidas sobre qual o colectivo que deve realizar o julgamento; e outros há que recusam reabrir os processos, obrigando o Ministério Público a recorrer para o Tribunal Constitucional.
Outra das dúvidas dos juízes, que na quinta-feira à noite aproveitaram a presença de José António Barreiros e de Costa Andrade para encontrarem respostas para as suas dúvidas, prende-se com o que devem discutir no novo julgamento: apenas matéria de direito – ou seja, apenas alegações – ou matéria de facto, voltando a ouvir testemunhas? Todos os dias chegam novos pedidos de reabertura de casos e os juízes continuam sem saber o que fazer.
SIS PODE ESCUTAR
O ministro da Justiça, Alberto Costa, defende a possibilidade de os Serviços de Informações fazerem escutas telefónicas para “garantir a segurança nacional”, prevenindo, por exemplo, atentados terroristas.
“Se é possível interceptar comunicações para investigar crimes já ocorridos, será também de contemplar a mesma possibilidade para garantir a segurança nacional”, referiu Alberto Costa.
O governante admite também devolver ao Ministério Público (MP) o poder de realizar inspecções sobre as polícias. Isto depois do procurador-geral da República, Pinto Monteiro, ter sugerido no Parlamento a realização de inspecções externas, incluindo à Polícia Judiciária.
NOTAS
RECLUSOS EM LIBERDADE
Só no dia 15 de Setembro, dia em que o novo Código de Processo Penal entrou em vigor, foram soltos 115 reclusos. Prevê-se que saiam 246.
MENTOR JÁ É MINISTRO
Coube à Unidade de Missão para a Reforma Penal, criada em 2005 e dirigida por Rui Pereira, hoje ministro da Administração Interna, rever a lei.
DESTRUIÇÃO DE GRAVAÇÕES
O Tribunal Constitucional proferiu o 3.º acórdão declarando inconstitucional a destruição de escutas irrelevantes sem o conhecimento do arguido.
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in Correio da Manhã 2007.10.27
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Foto - Jorge Godinho (O ministro da Justiça, Alberto Costa, poderá voltar a ser ouvido no Parlamento sobre as alterações penais.jpg)
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