A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, outubro 06, 2007

Por um novo modelo de desenvolvimento - II

Anselmo Dias

A luta das mulheres pela dignificação dos seus salários




Como trabalhadora, ela (a mulher) tornou-se igual ao homem; a máquina tornou supérflua a força muscular e, em todo o lado, o trabalho das mulheres mostrou os mesmos resultados de produção que o trabalho dos homens. E como as mulheres constituem uma força de trabalho barata e acima de tudo submissa, que apenas em raras ocasiões se atreve a pontapear os espinhos da exploração capitalista, os capitalistas multiplicam as possibilidades de trabalho das mulheres na indústria.

Este trecho, retirado do livro Clara Zetkin e a luta das mulheres, página 132, editado pelas Edições Avante! faz parte do discurso daquela prestigiada revolucionária, em 16/10/1896, no Congresso do SPD, realizado em Gotha, Alemanha.

Já lá vão 111 anos e, não obstante, nesse lapso de tempo, ter havido, pela conjugação de múltiplos processos revolucionários, uma evolução positiva em alguns aspectos na vivência da mulher trabalhadora a verdade é que, na essência, na sociedade em que vivemos, pouco ou nada mudou, porque, rigorosamente, nada mudou quanto á essência do capitalismo: a exploração do homem pelo homem.


Vale a pena, contudo, salientar que, entre o discurso atrás referido e os dias que correm, houve, isso sim, profundas alterações sociológicas como consequência da luta, em vários planos, por direitos sindicais, por melhores e mais abrangentes funções sociais do Estado, a par da ampliação do conceito de cidadania na esfera politica. Tudo isto é importante. Mas tudo isto é insuficiente. E um dos elos que falta, entre a importância do que se conquistou e a insuficiência de tais conquistas, tem um nome: >democracia económica. Sem democracia económica, alicerçada, como referia o texto inicial da nossa Constituição, na «apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como nos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classes trabalhadoras», sem este conceito democrático, parafraseando Clara Zetkin, «só (nos) restam as migalhas que a produção capitalista deixa cair da mesa».
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Há, pois, nas várias lutas a travar - umas mais fáceis, outras mais difíceis, umas mais a curto, outras a médio prazo, outras, ainda, mais remotas; umas a ganhar, outras a perder... e a reganhar - há, dizíamos, em toda esta caminhada pela democracia económica, a vontade de lutar, mas também a vontade de conhecer. O texto que a seguir se desenvolve tem, unicamente, esse objectivo: o de contribuir para a caracterização do salário feminino e a sua correlação com o actual modelo de desenvolvimento económico.

A diferença salarial entre homens e mulheres

Em Portugal, de acordo com os últimos dados do INE (2.º trimestre de 2007), havia 2 373 100 mulheres a exercerem uma actividade laboral, das quais 1 841 500 eram trabalhadoras por conta de outrem.
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É sobre este universo que iremos abordar o tema em apreço, com uma pequena nuance: vamos apenas analisar a situação das mulheres trabalhadoras a exercerem a sua actividade no sector privado da economia.
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E para começar nada melhor do fazer a seguinte pergunta:
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Em termos salariais qual a diferença entre o salário médio do homem e da mulher? Esta pergunta tem várias respostas:
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- se analisarmos o total das mulheres empregadas, onde estão incluídas as trabalhadoras por conta própria, quer como isoladas, quer como empregadoras, a resposta é uma;

- se analisarmos o total das trabalhadoras por conta de outrem, incluindo a função publica, haverá uma resposta diferente;

- mas se analisarmos, apenas, as trabalhadoras por conta de outrem do sector privado da economia, onde labuta a maior parte das mulheres, então, a resposta não corresponderá a nenhuma das atrás referidas.

Os dados disponíveis, reportados aos Quadros de Pessoal relativos a Outubro de 2004 (os mais recentes) diziam que, no sector privado da economia, as mulheres ganhavam menos 20% no que se refere à remuneração média ilíquida, valor que subia aos 23% se o critério fosse o ganho médio ilíquido, no qual estão incluídos os subsídios e o trabalho extraordinário. Face a tais valores justifica-se não uma, mas várias perguntas: que factores explicam as percentagens atrás referidas?
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As respostas são múltiplas. Comecemos pela mais importante
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No nosso país abundam, pelas opções erradas da direita e das políticas de direita um excessivo tecido produtivo baseado em industrias e serviços de baixo valor acrescentado, cuja maior parte integra uma importante quota de trabalho feminino. Para se avaliar esta dimensão nada melhor do que referir a taxa de feminização do emprego, ou seja a relação do número de trabalhadoras com o número total de trabalhadores de cada sector. Assim:

Taxa de feminização do emprego

No nosso país, no sector privado da economia, há 5 sectores onde, em cada um deles, labutam mais de 100 000 mulheres por conta de outrem. Tais sectores são, por ordem decrescente: o comércio a retalho, os serviços prestados às empresas (limpeza industrial, portaria e vigilância), a industria têxtil e vestuário, a saúde e acção social e o alojamento e restauração. Tratam-se de sectores onde se praticam baixos salários, a que acresce uma outra situação: a elevada taxa de feminização, o que contribui para agregar, aos baixos salários, uma enorme concentração de trabalhadoras. É por via desta conjugação que se explica, em parte, a diferença do salário médio entre homens e mulheres. Mas o contrário, também, em certos casos, é verdadeiro, ou seja: em sectores com baixa taxa de feminização os salários médios das mulheres superam os dos homens. São exemplo disso a construção civil e os transportes e armazenagem, onde, em termos de remuneração média, as mulheres ganham mais do que os homens cerca de 9% e 15%, respectivamente. Isto não significa, por exemplo, que na construção civil uma empregada de escritório ganhe mais do que um empregado de escritório, ou que, nos transportes uma motorista ganhe mais do que um motorista. O que isto significa é que na construção civil há milhares de trabalhadores rotulados de «não qualificados» (serventes e funções similares) por parte dos patrões para, por essa via, pagarem salários de miséria, o mesmo acontecendo às mulheres dos sectores têxtil, vestuário e calçado. Daqui resulta que a análise a fazer sobre a diferença entre o salário médio dos homens e o salário médio das mulheres não pode ser aferido pela sua diferença nominal mas antes compreendido no contexto do actual modelo de desenvolvimento económico e à forma organizacional das empresas, tendo em conta, entre outros factores, a taxa de feminização, sobre a qual, referimos alguns exemplos (ver QUADRO I >>)

Estamos falar de 8 sectores que representam, no contexto do sector privado da economia, cerca de 2/3 do trabalho feminino o que comprova que o mesmo está altamente concentrado num reduzido número de actividades. Como a essa alta concentração corresponde uma sobre exploração salarial daí resulta uma outra consequência: a existência de regiões deprimidas em termos de índice de poder de compra, sobretudo nos territórios localizados no norte do país com predominância das indústrias têxtil, vestuário e calçado. Não será excessivo da nossa parte afirmar que as regiões mais pobres têm uma marca: a «guetização» do trabalho feminino.

Níveis de qualificação

À gravosa concentração do trabalho feminino atrás referida junta-se um outro gravoso problema: a forma como são definidos os níveis de qualificação. Os Quadros de Pessoal sintetiza-os em oito grandes grupos que vão desde os quadros superiores até aos praticantes e aprendizes. Pois bem, às mulheres cabem as funções mais modestas, sobretudo nos sectores com forte presença do trabalho feminino. Vejamos a este propósito a percentagem de trabalhadores referenciados como: semi qualificados, não qualificados, praticantes e aprendizes (ver QUADRO II >>):

Como se vê, na estrutura organizacional das empresas as mulheres ocupam as mais baixas funções, sobretudo nas indústrias do calçado e de material eléctrico com 85% e 72% das funções de semi-qualificados, não qualificados e aprendizes e praticantes a serem ocupados por mulheres. Eis um outro importante factor a justificar a diferença salarial entre homens e mulheres, mercê de um modelo de desenvolvimento económico baseado em sectores de mão-de-obra intensiva mas mal paga, não obstante a elevada rentabilidade das empresas.

A discriminação salarial

No inicio deste artigo referimos que, em termos globais, a diferença salarial entre homens e mulheres era de 20% na remuneração base e de 23% no ganho médio mensal.
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Trata-se de valores médios que não espelham o que se passa a nível de cada uma das profissões individualmente consideradas.
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Com efeito, tomando como referência as 30 principais profissões, verifica-se que, relativamente à remuneração base:
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- as maiores diferenças localizam-se nos licenciados, bacharéis e directores de empresa, na ordem de 31% e 26%, respectivamente;
- as diferenças mais pequenas, localizam-se nos trabalhadores não qualificados das minas, construção civil e obras públicas, da indústria transformadora e dos transportes e nos aprendizes e praticantes, na ordem de, 4% e 2%, respectivamente;
- as diferenças intermédias entre as atrás referidas, na ordem dos 9% a 10%, diziam respeito, respectivamente, a empregados de escritório e a especialistas das ciências da vida e profissionais da saúde.

É possível concluir que as maiores diferenças contemplam as carreiras de topo das empresas e as menores diferenças localizam-se nas profissões que ocupam a base da pirâmide hierárquica das mesmas. Esta última situação compreende-se: os salários são tão baixos que, pela sua modéstia, não permitem grandes diferenças.
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Em termos regionais verifica-se o mesmo fenómeno, ou seja: as diferenças são tanto maiores quanto mais elevados forem os salários e mais baixas quanto mais baixos forem os salários. Tomemos como exemplo os distritos de Setúbal e de Lisboa onde a diferença entre o salário médio das mulheres é inferior ao dos homens em cerca de 28% e 24%, respectivamente. Em Bragança e Vila Real essas diferenças são, respectivamente de 17% e 19%. Mas atenção: o facto de nestes distritos a diferença ser menor isso não significa, de forma alguma, que os salários das mulheres sejam elevados, antes pelo contrário. Em termos absolutos os salários mais baixos estão perfeitamente localizados no norte do país. Tomemos como ponto de referência, a nível concelhio, o salário médio mais baixo dos homens. Esse valor, 534 euros, reportado a Outubro de 2003 (últimos dados desagregados por concelhos) dizia respeito a Freixo de Espada à Cinta. Abaixo desse valor existiam 80 concelhos onde as mulheres ganhavam menos e onde residiam cerca de 1.400.000 habitantes. Que concelhos são esses? São, sobretudo, concelhos a norte do rio Tejo, com especial destaque para: Trás-os-Montes (11 concelhos); Minho (14 concelhos); Beira Litoral (11 concelhos); Beira Interior (24 concelhos); Porto (7 concelhos). Nos distritos de Beja e Setúbal não havia nenhum concelho nestas circunstâncias e em Évora havia apenas um.
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Para se perceber tais diferenças temos de perceber a natureza e a dimensão do tecido produtivo de cada região, sem as quais nunca chegaremos a perceber as variáveis que traduzem a discriminação salarial das mulheres, ou seja: se a nível profissional, de norte a sul e de este a oeste, os salários das mulheres são, sistematicamente, inferiores aos dos homens, essas diferenças ainda são mais acentuadas em função da natureza, dimensão e localização do tecido produtivo. É, pois, por esta razão que as regiões com menores diferenças salariais entre homens e mulheres serem, por outro lado, as regiões com os mais baixos salários femininos.

Concluindo: há muito a fazer no domínio sindical, designadamente na sindicalização e organização das mulheres trabalhadoras e na contratação colectiva, quer por via da grelha salarial, quer por via da definição de funções, em ordem à dignificação laboral das mulheres. Mas há, também, não menos difícil, uma batalha travar, a qual não seria necessária se o presidente da republica e o governo respeitassem o juramento aquando das respectivas tomadas de posse. Essa batalha, dizíamos, passa pelo cumprimento rigoroso da Constituição que, não obstante ter sido mutilada, continua a impor ao Estado a promoção da «coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior». A parte sublinhada não é da autoria de quem assina este artigo. A parte sublinhada corresponde à alínea d) do Artigo 81.º da nossa Constituição a tal que o general Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva juraram cumprir e fazer cumprir. E tudo isto, dizem eles, num Estado de Direito....
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in Avante 2007.10.04

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