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No passado sábado, dezenas de milhares de pessoas desfilaram pelas ruas de Copenhaga, percorrendo os pouco mais de quatro quilómetros que separam o parlamento dinamarquês do Bella Center, local onde decorre a 15.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, também conhecida como COP15.
O frio intenso – cerca de 0ºC, contrastando com o «aquecimento global» inscrito em muitos dos cartazes que se erguiam, não tolheu o ânimo dos manifestantes que, de forma pacífica, exigiram que da COP15 saíam compromissos «justos» e «vinculativos».
Gente de diversas idades, proveniências e, seguramente, com convicções e graus de consciência política muito diversos também. Ali estavam, todavia, unidos no sobressalto causado pelos problemas e ameaças com que se confronta o planeta que partilhamos.
É no terreno da intensa luta ideológica que hoje se trava em torno das questões ambientais que se impõe como uma tarefa inadiável o estabelecimento, aos olhos de cada vez mais e mais pessoas, de um vínculo estreito entre estes problemas e ameaças e um sistema económico e social fundado na exploração irrestrita da natureza e dos seus recursos, como do trabalho humano – o capitalismo.
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«Justiça climática»?
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Esta foi uma das palavras de ordem mais ouvidas nas ruas de Copenhaga. A expressão, à primeira vista algo enigmática, refere-se ao facto de serem os países mais pobres aqueles que de forma mais directa e intensa, previsivelmente, sofrerão os efeitos das alterações no clima, não obstante ser muito diminuta (para não dizer nula) a sua contribuição para essas alterações. Daqui decorre que os países industrializados, que têm uma responsabilidade histórica na elevação da concentração atmosférica de gases de efeito de estufa (GEE), deverão financiar – antes de mais, por uma questão de «justiça» – os custos das medidas de mitigação e os esforços de adaptação às alterações climáticas nos países em desenvolvimento.
Com esta finalidade, o Conselho Europeu, reunido na semana passada em Bruxelas, decidiu que a UE e os seus estados-membros estão dispostos a contribuir anualmente com um financiamento, chamado de «arranque rápido», de 2,4 mil milhões de euros por ano, para o período de 2010 a 2012. Para se ter uma ideia da dimensão da «generosidade» europeia, refira-se que o montante proposto é menos de metade do que o próprio Parlamento Europeu considerou ser o mínimo imprescindível para este período (5 a 7 mil milhões). É cerca de 2% do que a própria UE estima virem a ser os custos anuais da mitigação e adaptação, entre 2012 e 2020. E, já agora, para ajudar a uma noção de escala, refira-se que representa menos de 1% do valor da dívida externa do conjunto dos países africanos, em 2006.
Mas não se trata apenas de uma questão do volume financeiro a canalizar para os países em desenvolvimento. Trata-se também da utilização a dar a esses recursos.
Em muitos casos, esta «ajuda» destina-se a financiar «investimentos» com os quais os países «doadores» obtêm créditos de emissões de CO2. É este o princípio do chamado «Mecanismo de Desenvolvimento Limpo», previsto no Protocolo de Quioto. Ou seja, para efeitos de compromissos internacionais de redução de GEE, estes investimentos contam como se de reduções nos países de origem se tratasse.
Ademais, prossegue a pressão para o cultivo de extensas áreas de agrocombustíveis, que satisfaçam as necessidades energéticas «verdes» dos países industrializados. Opção que ameaça a segurança e soberania alimentar dos países mais pobres, agrava a sua dependência e o flagelo da fome.
Com a chamada «transferência de tecnologia», de que tanto se tem falado, a pretexto das alterações climáticas, pretende-se avançar para novas formas de dominação e de neocolonialismo. Exporta-se tecnologia dos países ricos para os países pobres, criando-se novos mercados para as multinacionais e acentuando relações de dependência, aumentando a dívida e amputando crescentemente a soberania aos países em desenvolvimento. No processo, ignora-se a necessidade de incorporação do conhecimento local nas estratégias de adaptação, dificultando assim a sua assimilação e apropriação pelas comunidades locais e não se potenciando a sua capacidade de resposta própria.
A «injustiça climática», tão criticada em Copeganha, não é senão uma das faces do desenvolvimento desigual do capitalismo, na sua fase imperialista. É, antes de mais, uma injustiça económica e social, que urge combater. Rejeitando e denunciando as tentativas de reabilitação do capitalismo, na sua versão «verde»...
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