Correio da Manhã
Estado das Coisas
Poder público e ordem jurídica
É ponto assente que o interesse principal que deve mover o Estado é a formação de uma sociedade justa, livre e solidária, tendo como aspiração o interesse público. Todo o poder público e todas as pessoas devem estar vinculadas à ordem jurídica constituída. Por isso é que o Estado de Direito, na expressão feliz de Norberto Bobbio, não é mais do que o Estado dos Cidadãos.
.O Ministério Público tem, como sabemos, a função institucional de promover o restabelecimento da ordem jurídica violada, fazendo uso dos poderes que a lei lhe confere. Só não é assim se o Mº Pº não tiver os poderes necessários nem os meios adequados. Em regra, na investigação criminal, tem poderes legais suficientes, faltando, por vezes, os meios certos para os fins visados.
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Mas não é por falta de poderes legais nem por falta de adequados meios que a actuação do Mº Pº tem falhado, como sucede, nos processos mais mediáticos.
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E é nestes que o grau de resultados e de eficácia é negativo, quando tal não devia acontecer, porque têm um efeito multiplicador e devastador para a boa imagem da justiça.
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A organização e a coordenação do Mº Pº deixa muito a desejar, quer no DIAP quer no DCIAP, acusando uma incompreensível falta de eficácia. É hora de ser revista toda a composição e coordenação destes departamentos.
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O respeito que o Mº Pº merece obriga a que, em nome da manutenção do seu prestígio e da sua dignidade, se denuncie esta realidade.
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A saúde pública destes departamentos, que são os verdadeiros responsáveis pela quase globalidade das investigações criminais feitas em Portugal, não é boa. Aí passam-se coisas difíceis de explicar ao cidadão. Processos que são arquivados e que ninguém compreende. Processos que quase nunca chegam ao fim. Processos que têm ritmos de investigação muito mastigados e outros não, com a mesma complexidade. Processos que parecem ter uma vida, consoante os acontecimentos sociais e políticos. Aparecem publicamente num dia e desaparecem no dia seguinte. Constantes violações do segredo de justiça que se passam nas barbas do Mº Pº e uma actividade com um défice de transparência acentuado que muitas vezes só serve para ocultar as incapacidades do sistema.
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Respira-se um ar muito pesado e contaminado. Só não se sabe qual o grau e a qualidade da contaminação. E é nos casos mediáticos que o Mº Pº deve uma explicação aos portugueses.
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O Mº Pº deve dizer, de uma vez por todas, se consegue cumprir com as suas obrigações constitucionais ou não.
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O que temos tido é uma "face oculta" da actividade do Mº Pº, muito por culpa de alguns dos seus servidores, impedindo-o de restabelecer a ordem jurídica violada.
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Continuar nesta paz podre levará à agonia do sistema e à liquidação da autonomia do Mº Pº.
Rui Rangel, Juiz Desembargador
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