|
|
|
A extravagante arquitectura que se estava a construir no Dubai extravasando do deserto para exóticas ilhas artificiais em forma de palmeira, para dar um ar regional, era o espelho em que o capitalismo financeiro se revia, refulgindo em todo o seu esplendor.
Andava o mundo extasiado com essa arquitectura de alta-costura que se imprimia no aveludado papel couché das revistas da moda, passeava pelas imagens internéticas que atravessavam blogs deslumbrados, ilustrava colunas de um jornalismo louvaminheiro, sustentava teses de economistas clonados. Exibiam-se torres e torres a crescer na orla da areia, incendiando de luz todos os que a queriam descobrir no fim do túnel da crise económica.
O admirável novo mundo arrotava triunfante!
Quando FMI, OCDE, institutos vários, governadores de bancos centrais, economistas domésticos e além-fronteiras, laureados ou não com o Nobel, afirmavam, com as certezas que os caracterizam, que a recessão começava a ser ultrapassada e o crescimento já andava a trotar no horizonte, o estrondo da falência de um projecto emblemático, apesar de navegar num mar de petróleo, deixa o mundo atónito. Segue-se o silêncio de chumbo que começa a invadir as obras faraónicas que se construíam no Dubai.
Uma cidade, que pretendia ser a capital financeira do mundo, fica em ruína. As maiores torres do mundo, as torres rotativas, os casinos loucos, os hotéis de mil e uma noites tornam-se no maior parque arqueológico do futuro. Aquela arquitectura publicitária implantada num projecto urbanístico sem norte nem significado mostra-se «uma utopia regressiva, no nonsense da sua própria alienação» (Adorno). O que se torna ainda mais evidente quando os maneirismos medíocres em que se enrodilhava ficam inacabados.
A montra do capitalismo atulha-se de ruínas. Foi a Islândia, seguiu-se a Irlanda, agora a derrocada do bacoco gigantismo do Dubai, o fantasma da bancarrota ronda esfaimando a Grécia, Itália, Espanha, Portugal. Fogos surgem a cada passo queimando exemplos de sucesso que o deixaram de ser ao virar da esquina e incineram toneladas de ciência económica inútil produzida por gente que, com ar sério e sobrolho franzido, fazem previsões mais falíveis que as dos mais incapazes astrólogos, enquanto enchem os bolsos com o seu ofício de gurus de feira. Ratazanas a roer o já muito ratado queijo dos direitos dos trabalhadores que são o único remédio que sabem receitar para garantir sustentabilidade à economia que a travagem do Dubai vem desmentir em toda a linha.
Para essa gente, o crescimento do desemprego é negligenciável. Os milhares de trabalhadores que agora são atirados para as areias do deserto e que se juntam às muitas centenas de milhares que em todo o mundo são todos os dias empurrados para o desemprego, pouco lhes interessam. O que importa é que governos, bancos centrais, dinheiro dos contribuintes sejam postos ao serviço da banca privada, que milhares de milhões de euros, dólares, yens, libras sejam atirados para os cofres da banca privada ao serviço de gente que dizem vocacionada para promover o crescimento económico, não se sabe por que dom especial. Gente que vive à conta de actividades parasitárias fundadas na concessão de créditos a juros especulativos sobre tudo o que mexe. Gente habituada a malabarismos com futuros e derivados das matérias-primas, para sacar lucros sem trabalho. Gente que mostra muito clara e evidentemente a sua inutilidade quando os bancos e instituições similares que dirigem são, com o desencadear da crise mundial do crédito, por todo o lado substituídos pelos estados que os sustentam fabricando a todo o vapor moeda sem contravalor sustentável e usando despudoradamente o dinheiro dos contribuintes. Gente que perde a face mas não perde a vergonha. É o capitalismo no seu melhor: milhões de pessoas ficam sem trabalho enquanto o sistema bancário refocila no dinheiro público para continuar a sua actividade predadora atribuindo grandes benefícios aos seus gestores (1).
Para memória futura, quando o mundo entrar nos eixos liberto da vampiragem, as ruínas do Dubai serão um destino turístico exemplar. Será pedagógico visitar uma cidade inacabada, destruída pelo vesúvio da especulação capitalista, em que a arquitectura mostra como perde todo o sentido quando serve para ilustrar a desmesura da irracionalidade de um sistema, onde se venderão como lembranças as acções das sociedades de desenvolvimento das construções a preços inferiores aos do papel higiénico e o vento do deserto transportará as canções idiotas que entonteciam as bolsas.
É ir ver ao vivo a estupidez capitalista no seu apogeu.
___________________
(1) A recente entrevista de Vara na televisão – a justiça não é igual para todos, são raros os arguidos com direito a tempo de antena – é bem ilustrativa de como o trabalho pode ser uma vacuidade. Seria exemplar ter um roteiro detalhado de como esse senhor, desde que foi nomeado administrador bancário, à semelhança de outros, preenche o seu dia de trabalho. Pelo que se ouviu, a sua actividade mais significativa deve ser o trabalho mandibular em almoços e jantares, dar indicações de itinerários a empreendedores perdidos nas ruas, coscuvilhar influências.
|
|
Sem comentários:
Enviar um comentário