Correio da Manhã
Estado das Coisas
Enganar os crentes
Percebo as preocupações de toda a gente com o tipo de jornalismo que se faz em Portugal. Percebo que é preciso uma reflexão luminosa sobre os fundamentos da liberdade de expressão e seus limites. Percebo que os portugueses e a democracia mereciam outra forma de fazer jornalismo. Percebo as preocupações de Noronha do Nascimento com a Comunicação Social e as constantes violações do segredo de justiça. O que não compreendo é o caminho que nos propõe com a criação de uma entidade política, superpartes, que controle e fiscalize a acção dos média.
.É verdade que a Comunicação Social está em roda-livre, sem ninguém que a responsabilize pela má prática jornalística. O Sindicato dos Jornalistas nada faz e a Comissão da Carteira é um nado-morto, sem força ou competência, limitando-se, de quando em vez, a fazer umas ‘cócegas’ aos jornalistas que não cumprem a ‘legis artis’ – e já vão sendo, infelizmente, a maioria.
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Mais preocupante que a violação do segredo de justiça, que, só por si, não justifica a criação de uma entidade que condicione a liberdade de expressão, é o estado a que chegou o jornalismo entre nós, com jornalistas instrumentalizados pelo poder político e ao serviço das agências de comunicação social. As agências de comunicação, de que, aliás, nenhuma instituição prescinde (é o caso, por exemplo, do presidente do Supremo Tribunal de Justiça), vão enganando os puristas que ainda acreditam na liberdade de expressão e de informação. Esta temática é que merecia ampla reflexão e, talvez, a criação de uma ordem de jornalistas, com poderes disciplinares efectivos. Sei bem dos entraves jurídicos que alguns apontam à criação de uma ordem mas, com o trabalho típico de um relojoeiro, de minúcia e de filigrana jurídica, era possível o legislador ultrapassar estas dificuldades.
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A criação da falada entidade política, para além de colidir com a liberdade de expressão e com o direito a uma informação livre, faz-me lembrar o mau legislador, que, quando não sabe o que fazer, cria leis para ‘tapar o Sol com a peneira’.
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Thomas Browne, num livro proibido pela Igreja, a propósito do julgamento de Galileu, escreveu: " Tal como a razão se opõe à fé, também a paixão se opõe à razão". "Mantenha-se a razão firmemente no seu lugar e apresente-se ao seu tribunal todos os factos, todas as opiniões", disse Thomas Jefferson.
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A paixão cega. A razão, única fonte soberana de autoridade, é a luz que nos deve guiar nesta hora de apertos e dificuldades. E, já agora, porque não uma entidade política, para sindicar as violações do segredo de justiça praticadas pelos actores directos da Justiça?
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Rui Rangel, Juiz Desembargador
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