Lei do financiamento dos partidos é 'um passo atrás'
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18 de Dezembro, 2010
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A procuradora-geral adjunta Maria José Morgado disse hoje, no Porto, que vê «com preocupação» a lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais que esta semana foi promulgada pelo Presidente da República, considerando-a «um passo atrás».
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Maria José Morgado falava pouco antes de dar uma conferência sobre crime económico-financeiro/corrupção, no âmbito do seminário Política e Justiça organizado pelo Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade Lusófona.
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A magistrada explicou que vê a nova legislação «com preocupação», porque ela «é um passo atrás em relação às exigências de transparência e de rastreio do financiamento dos partidos».
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A procuradora sustentou que esta lei «vai dificultar o rastreio da origem dos dinheiros e dos financiamentos, com tudo o que isso possa significar em termos de transparência, legalidade de funcionamento dos partidos e vulnerabilidade em relação às más práticas que conduzem para o plano inclinado da corrupção, tráfico de influências, etc.».
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Maria José Morgado disse ainda que «não» havia ficado surpreendida por os partidos terem aprovado esta lei, que o Presidente da República promulgou dia 13, porque «é sempre matéria muito apetecível para os partidos». Conduz, insistiu, a um «financiamento sem regras ou com regras tão complicadas que se torna praticamente impossível exigir o seu cumprimento».
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Quanto ao facto de a lei ter sido promulgada pelo Presidente da República, a magistrada respondeu: «Não tenho comentários fazer».
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Cavaco Silva promulgou a lei considerando que, apesar de incluir opções normativas «indubitavelmente questionáveis», «é imperativo» reduzir as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais.
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O Presidente da República referiu ainda que, visto que as alterações introduzidas à lei do financiamento dos partidos serão aplicadas de imediato, «tal implicará uma redução dos montantes das subvenções e despesas de campanha relativas ao próximo ato eleitoral», que será as Presidenciais de Janeiro de 2011.
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A alteração à lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais foi aprovada em votação final global com os votos favoráveis do PS e do PSD, com nove deputados socialistas a optarem pela abstenção.
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Maria José Morgado comentou ainda o apelo da Associação Sindical dos Juízes para que fossem conhecidos os gastos dos gabinetes ministeriais. «O que está na Constituição é que a administração pública tem que ser transparente», porque «isso é uma regra sagrada num estado Direito».
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«A Associação Sindical dos Juízes tem os seus valores e concordo com eles», completou.
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A propósito do crime económico-financeiro, tema que abordou na sua conferência, hoje, na Universidade Lusófona, a magistrada disse que a sua investigação «parece um luxo, mas não é, é uma necessidade de um estado de Direito, mas por enquanto continua a ser um luxo».
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«Temos que trabalhar sem recursos nenhuns, como se tivéssemos», reforçou.
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Na conferência, Maria José Morgado falou, nomeadamente, do «sistema de justiça penal» e da sua resposta ao crime económico-financeiro e à corrupção, considerando-a «desajustada» devido a uma «quase demência legislativa», em que existem «alçapões para o infractor e dificuldades para o juiz» realizar o seu trabalho.
. Lusa / SOL
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Dia a dia
Luxo português
A procuradora-geral-adjunta Maria José Morgado disse ontem o que todos os dias devia ser repetido pela generalidade dos seus pares: a investigação da corrupção e do crime económico em Portugal é encarada como um luxo extravagante pelo poder político – o tal bloco central dos interesses feito por sectores do PS e do PSD. O que Maria José Morgado disse até já nem tem grande novidade.
- 19 Dezembro 2010 - Correio da Manhã
A Justiça não tem os meios necessários para investigar operações financeiras ilegais de grande sofisticação técnica. A novidade que todos os dias se constrói na sociedade portuguesa é o silêncio que pesa cada vez que alguém diz este tipo de coisas. É um silêncio particularmente ruidoso na área da Justiça, onde cada um se encolhe na concha dos seus interesses. Há uns poucos que vêm logo dizer que não senhor, não é assim, mas esses ou mostram serviço a quem os nomeia para comissões fora das magistraturas ou vergam perante aquilo que consideram ser o seu dever institucional.
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Depois, há a imensa maioria calada, egoísta, enfiada na vidinha. A Justiça está cheia de ilhas dominadas por pequenas vaidades e pela pura gestão de interesses de carreira e influência junto de alguns sectores dos partidos de poder. A Justiça está cada vez mais permeável e ‘sensível’ às pretensões de grupo e grupinho oriundas da política. Por isso, permanecerá por muitos anos a mão invisível que faz dela uma espada punitiva para as classes baixas mas também uma amante devota: a primeira garantia de impunidade para os senhores do crime português.
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Justiça: Queixa ao Conselho da Europa
Juízes vão protestar
Os juízes portugueses decidiram ontem endurecer as formas de luta para dar um sinal claro ao Governo de que não aceitam a proposta de lei de alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais.- 19 Dezembro 2010 - Correio da Manhã
Vão apresentar uma queixa ao Conselho da Europa e prometem concentrar-se à porta do Supremo Tribunal de Justiça na próxima cerimónia de abertura do ano judicial. "O que se pretende é demonstrar, de forma digna e respeitosa, a preocupação com as consequências negativas que resultam para os cidadãos das intervenções do Governo na área da Justiça", explicou António Martins no final da assembleia geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), realizada em Coimbra.
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Segundo o presidente da ASJP, na reunião foi aprovado um apelo a todos os juízes para que passem a usar os transportes públicos nas deslocações e "recusem suportar o ónus do transporte dos processos judiciais", entre casa e os tribunais. Caso as reivindicações não sejam atendidas, a direcção da ASJP ficou mandatada para avançar com outras medidas, como a greve.
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Correio da Justiça
Uma greve que custa
De todas as formas de luta possíveis de desencadear por um sindicato, aquela que agora foi encetada pela ASFIC/PJ – greve a todo o trabalho fora do horário normal de serviço e não enquadrado nos regimes legais (piquete, prevenção e trabalho determinado como extraordinário) – é a que mais custa aos funcionários de investigação criminal.- 19 Dezembro 2010 - Correio da Manhã
A abnegação, o brio profissional e o sentido de missão do pessoal da PJ faz com que esta greve se transforme, além do mais, num momento extremamente doloroso. Estão redondamente enganados aqueles que por desinformação ou má-fé pensam que a opção por esta forma de luta foi decidida de ânimo leve. Contudo, somos humanos e, como qualquer ser humano, reagimos às injustiças. No nosso caso, suportámos até onde foi possível suportar, em nome da coesão institucional e do combate ao crime.
Mas fizemo-lo na vã esperança de que mais tarde ou mais cedo alguém olharia por nós, como nós olhamos diariamente pelos outros. A paciência tem limites e é por isso que mais de 95% dos investigadores aderiram a esta forma de luta, dure o tempo que durar. O que queremos é ver a nossa carreira dignificada e as leis existentes a ela aplicadas, por forma que possamos cada vez mais desempenhar um trabalho de excelência.
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