22/01/11
Apontamentos sobre o desfecho
Uma eleição encerrada
e uma luta que continua
Com a humildade de quem aprendeu há muito que não há explicações científicas sobre resultados eleitorais (felizmente ninguém tem nenhuma ligação directa, via chips implantados, ao pensamento de milhões de eleitores), aqui ficam alguns modestos e precários apontamentos sobre o negativo desfecho desta eleição presidencial que incluem uma ou outra observação que, por razões tácticas, não podia ser escrita antes da votação.
Uma delas refere-se à óbvia dificuldade de impedir a reeleição de um candidato que durante os cinco anos anteriores exerceu as funções de Presidente da República. No caso em presença, até ao longo desse período podem ter ocorrido conflitos entre este e o governo (ocorreram mais convergências) e até pode o PCP ter sido o único partido que, como nunca tinha feito com outro Presidente, sempre associou Cavaco Silva às opções e políticas mais estruturantes do Governo PS mas nada disso chega para fazer desaparecer a realidade de que o PR compreensivelmente não é para nenhum partido o adversário principal e, por isso, acaba por ser poupado ao desgaste do quotidiano e frontal combate político. E não é em três meses de pré-campanha e campanha que, perante o eleitorado, se muda a percepção sobre o PR-candidato que, durante cinco anos, gozou da capa protectora do respeito e das relações institucionais. Acresce ainda que, com a sua proverbial falta de escrúpulos, desta vez o candidato Cavaco Silva até se deu ao luxo de explorar o descontentamento (designadamente da função pública) com o governo do PS causado por orientações e medidas de que ele próprio tinha sido cúmplice e padrinho. É ainda de referir que um crescimento de cerca de 2,5 pontos de Cavaco Silva entre 2006 e hoje não é sequer nada de especial.
Um segundo factor determinante do desfecho eleitoral desta noite, e que aliás marcava à nascença o quadro político desta eleição, é a circunstância de ela decorrer com o PS há seis anos consecutivos no governo e de aparecer aos olhos de grande parte do eleitorado como o principal responsável pela gravíssima situação a que o país chegou e como o principal fautor de um largo descontentamento, irritação e hostilidade populares. Era esta situação concreta de 2010/2011 que, ao contrário de votos pios ou ingénuos de não poucos, não só impedia e desaconselhava qualquer unidade em torno de uma única candidatura contra Cavaco na 1ª volta como acarretaria sempre baixas perspectivas de vitória para um candidato apoiado pelo PS, fosse ele quem fosse, mesmo que também apoiado pelo Bloco de Esquerda. Goste-se ou não, a denúncia por Alegre, pelo PS e pelo BE das coisas terríveis que futuramente aconteceriam com a eleição de Cavaco dificilmente poderia passar à frente da consciência de grande parte do eleitorado das coisas terríveis que já lhe tinham acontecido e estavam a acontecer pela mão e às ordens de Sócrates, do PS e do seu Governo (claro, em aliança com Cavaco e o PSD mas estes, esfregam as mãos por outros fazerem o «trabalho sujo» mas sabem sempre tirar o cavalinho da chuva). Não sendo explicação totalizante (um erro crasso de campanha também não deve ter ajudado), isto tem tudo que ver com o facto de Alegre ter obtido cerca de menos 20 pontos percentuais do que a soma de Alegre, Soares, Louçã e Garcia Pereira há cinco anos.
O bom resultado, ainda que abaixo do que naturalmente mereceria, obtido por Francisco Lopes consagra a correcção política da orientação do PCP nestas presidenciais e a combativa determinação, as capacidades, a genuína convicção e a concentração política do candidato. Sem esta campanha de Francisco Lopes, Cavaco Silva em nada teria sido responsabilizado pelos nefastos rumos impostos ao país, o governo do PS teria tido uma trégua política absolutamente imerecida e propostas de ruptura real e assumida com a política que tem conduzido o país ao desastre teriam ficado no limbo e na sombra. O largo descontentamento social terá querido exprimir-se também através do voto noutros candidatos mas quem verdadeiramente o levou à boca de cena da campanha foi a candidatura de Francisco Lopes. Por mim, admito que no resultado de Francisco Lopes possa ter pesado a eventual circunstância de segmentos do eleitorado comunista não se terem sentido mobilizados para esta eleição por não verem nela uma incidência directa sobre os problemas que mais causticam e amarguram a sua vida. E, na avaliação dos 7,1 % obtidos por Francisco Lopes, não se pode deixar de levar em linha de conta quão acrescidamente difíceis são em regra as presidenciais para um partido com a dimensão eleitoral do PCP pelo que, por mim, tenho a convicção de que, em eventuais legislativas próximas, o PCP obterá um resultado superior. E que o PCP sai desta campanha com uma forte e marcante afirmação da sua autonomia política e programática, o que constitui um importante estímulo para a luta de resistência contra o vendaval de agressões e retrocessos que aí está e por um novo rumo para o país.
[é bom não esquecer: foi isto (constante das capas do Expresso e do Sol) que ontem e hoje esteve à vista de toda a gente nas tabacarias e quiosques]
Em ironia autocrítica, há muito que costumo dizer que, também na política, havenda lata ou imaginação, é muito fácil explicar o que aconteceu depois de ter acontecido. Vem isto a propósito da afirmação que desejo fazer de que, bem vistas as coisas, não me causa excepcional surpresa o significativo resultado obtido por Fernando Nobre ( e de J. Coelho a outra escala), embora não admitisse uma marca tão elevada. Na verdade, para além do talvez não despiciendo apoio intuído e propalado de Mário Soares (a vingança serve-se fria, como se sabe), sempre tive presente que, num quadro mediático e de opinião que todos os dias insufla uma cultura «antipolíticos», «antipartidos» e do «são todos iguais», um candidato «independente» que viesse jogar essa carta, ainda por cima juntando-lhe um perfil de dedicação a causas humanitárias, poderia ter um resultado de alguma forma vistoso. Em eleições podem acontecer coisas só aparentemente misteriosas. Longe de qualquer comparação estrita com Fernando Nobre, talvez valha a pena lembrar que, e os tempos eram outros, acamado por doença séria em hospital, Pinheiro de Azevedo teve 14,3% em 1976 e que, aqui já há uns 20 anos, afogado até ao pescoço em processos por corrupção, Bernard Tapie obteve 15% numas eleições para o Parlamento Europeu em França. O resultado de Fernando Nobre (tal como o crescimento dos votos brancos e sobretudo da abstenção, mas sobre esta há que ter em conta o que se diz aqui)) é um indicador sociológico e político que não pode nem deve ser desprezado mas, politicamente e com todo o respeito pelos seus eleitores, a sua boa votação a esta hora já se dissolveu e não semeia nem constrói nada para diante.
Por fim, já se sabe que aí estão e continuarão as intermináveis conjecturas sobre as consequências da reeleição de Cavaco Silva no seu próximo relacionamento com o governo, enfim sobre as características do seu segundo mandato. Não dou quase nada para esse peditório, a não ser isto: não vejo nenhuma contradição em, como prevejo, Cavaco Silva continuar apadrinhar a desgraçada política de Sócrates e do PS e, ao mesmo tempo, se estiver para aí virado, em determinado momento fazer-lhes a cama. Como deveria estar bom de ser ver, a obrigação dos homens e mulheres de esquerda e das forças do trabalho e da cultura não é de comprarem camarote para assistir a esse «vaudeville», é antes a de tudo fazerem, pela luta unida, audaciosa e combativa, para conquistar outra esperança, outro rumo e outro futuro para Portugal e para os portugueses.
a situação aqui justamente denunciada e que vivi pessoalmente - milhares e milhares de cidadãos obrigados a ir às Juntas de Freguesia saber o seu número de eleitor (quantos não terão desistido de ir votar ?) -, simplexmente um símbolo da gritante incompetência e ligeireza deste pessoal que nos desgoverna !
.
Sem comentários:
Enviar um comentário