A Internacional

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sexta-feira, março 02, 2007




Fados do Tempo da Outra Senhora (16)

CANEÇAS: uma história de água com passado, presente e futuro

A Ribeira de Caneças é uma das mais conhecidas ribeiras de Portugal. A sua história é bastante interessante, a ela estando ligadas as Lavadeiras de Caneças, os Aguadeiros e o curso de água do Aqueduto das Águas Livres.

O Aqueduto das Águas Livres aprovisionou Lisboa de água potável, tendo origem nas águas límpidas da Ribeira de Caneças. Na altura em que o Aqueduto das Águas Livres foi construído, a população nunca tinha pensado que algum dia a água fornecida a Lisboa deixaria de vir do Aqueduto das Águas Livres e que este se tornaria num local de turismo.

A Ribeira de Caneças abastece com água de qualidade, através de fontes, a população local: a Fonte das Fontaínhas e a Fonte Santa são dois exemplos entre muitos outros, ainda que as suas águas estejam a ser testadas porque a sua qualidade é duvidosa. Podemos referir, ainda, a beleza das paisagens que nos são oferecidas, como é o caso do Olho do Cuco.

A Freguesia de Caneças foi criada pela Lei N.º 413 de 10 de Setembro de 1915, tendo sido desanexada da Freguesia de Santa Maria de Loures e elevada à categoria de Vila em 16 de Agosto de 1991.

A povoação é, provavelmente, anterior a 1274/1325 (datas do reinado de D. Dinis), pois o topónimo parece provir da palavra árabe “caniça“ ou “alcaniça“ (templo de cristãos). Reza a história que, de facto, o nome da vila deriva da palavra “caneca“. Diz-se que El-Rei D. Dinis terá passado por ali e que, tendo pedido água para beber, alguém se dirigiu a uma fonte enchendo uma caneca para dar ao monarca. Por essa razão, teria decidido que a povoação se passasse a chamar Caneca, denominação que foi evoluindo até se transformar em Caneças.

Caneças é feita de histórias de ruas, fontes, aguadeiros e lavadeiras.

Não podemos dissociar esta povoação do abastecimento de água a Lisboa, quer para o consumo, quer para outros bens necessários, como nos mostra o filme “Aldeia da Roupa Branca”, com argumento e realização de Eduardo Chianca de Garcia, uma longa-metragem portuguesa, estreada em 1939. Sendo uma comédia de costumes populares, cujo final colhe de surpresa o espectador, é uma obra que consagra o realizador e também o cinema nacional. Nela se destaca a interpretação de Santos Carvalho, Beatriz Costa, Octávio de Matos, Maria Salomé e Jorge Gentil. A música é de Raul Portela, Jaime Silva e Raul Ferrão. O filme retrata perfeitamente a vida das Lavadeiras de Caneças e nele está bem patente o amor que esta gente tinha à sua água:

Água fria da ribeira
Água fria que o sol aqueceu
Ver a aldeia traz à ideia,
Roupa branca que a gente estendeu.
Ai, rio não te queixes,
Ai, o sabão não mata,
Ai, até lava os peixes,
Ai, põe-nos cor de prata.

Desde sempre que a população de Lisboa sentiu dificuldades no abastecimento de água.

Tudo indica que se tenham procurado captações fora da cidade e que a água tenha sido canalizada através de um aqueduto. Esta hipótese é credível, já que existem na zona de Carenque, entre Belas e Caneças, restos de um dique que terá pertencido a uma barragem romana. Os inúmeros sismos que assolaram a região poderão ter destruído as grandes canalizações feitas pelos Romanos ou mesmo pelos Árabes, também estes, notáveis construtores de obras hidráulicas.

Na Idade Média, as carências no abastecimento de água a Lisboa são gravíssimas, sobretudo no Séc. XV, principalmente nas épocas festivas e estivais, quando era extremamente difícil à população lisboeta, sobretudo ao povo, conseguir a água necessária para a sua alimentação. As naus e as caravelas que chegavam e partiam de Lisboa dificilmente conseguiam aguada para as suas grandes viagens.

A questão da água de Caneças tem uma longa história de anos de intenso trabalho. Para a contarmos toda, temos de começar aí por volta de 1910, antes da Primeira Guerra. Naquela altura já se vendia água em Caneças. Como, então, a aldeia não tinha estradas, só caminhos para animais, a água ia para Lisboa de burro, levada pelos Aguadeiros. De início, a água de Caneças era tirada da Fonte das Fontaínhas, situada em frente ao Tanque das Lavadeiras. O auge da sua produção situa-se entre 1928 e finais dos anos 30.

Como nessa altura havia muita gente a ir buscar água às Fontaínhas, que era uma fonte da Câmara, foi preciso ir à procura de outras nascentes, aproveitando-se assim, outros veios de água. Em 1928 foi feito um furo artesiano que abastecia tanto as pessoas da Freguesia como os clientes de Lisboa da água necessária. O problema foi que o furo captou uma água muito ferruginosa, o que lhe dava um sabor desagradável e, por isso, teve de ser abandonado.

Como os clientes se começavam a queixar, dizendo que a água já não era a mesma a que estavam habituados, foi-se, então, à procura de novas nascentes de água boa que se sabia existirem na área. Isto aconteceu em 1930, quando o Sr. António Paisana, o último aguadeiro de Caneças, construiu a Fonte de Castelo de Vide e o Sr. António Mateus edificou a Fonte das Piçarras; outros seis aguadeiros juntaram-se e fundaram a Fonte dos Castanheiros.

Até meados do Séc. XIX, Lisboa era uma cidade suja, afectada por numerosas epidemias.

Os cidadãos ricos pagavam aos Aguadeiros, entre os quais os de Caneças, para lhes levarem água a casa.

No entanto, é D. João V que, através da cobrança de impostos sobre os produtos que entravam na cidade, decreta, em 1731, o início da construção do Aqueduto das Água Livres, com origem na Fonte das Águas Livres, perto de Carenque, indo desaguar no depósito das Amoreiras, cuja Mãe d’Água foi acabada em 1834.

A Mãe d’Água nas Amoreiras, além de ser um bonito espaço, é um depósito com capacidade para 5.500.000 litros. A partir das Mães d’Água, a água seguia através de túneis subterrâneos, que a levavam até às numerosas fontes de Lisboa.

Não se sabe a data concreta da construção dos aquedutos de Caneças, mas situa-se por volta da segunda metade do Séc. XVIII. Estes são quatro: o do Olival do Santíssimo, o do Poço da Bomba, o do Vale da Moura e o do Carvalheiro. O aqueduto secundário, o maior dos quatro, é o do Olival do Santíssimo, partindo da Quinta do Macário, perto da Quinta de Castelo de Vide, terminando em Belas/Sintra. Os outros três começam em Caneças, ligando-se ao primeiro. Apenas o Aqueduto do Carvalheiro termina no do Olival do Santíssimo, já no Concelho de Sintra.

Hoje em dia, este monumento está sob a alçada da EPAL, a empresa que abastece Lisboa de água, aguardando-se a sua classificação como monumento nacional.

A fim de aumentar o caudal do aqueduto, foram introduzidas águas das zonas por onde este passava. A primeira nascente encontra-se a norte do Pinhal de Tróia, na estrada que liga Caneças ao lugar de Camarões.

As galerias, que conduziam as águas das diversas fontes de onde emergiam, iam desaguar no Aqueduto, reunindo-se em câmaras de forma circular ou poligonal regular, chamadas Mães d’Água, exemplares que ainda hoje existem, como é o caso da Mãe d’Água Nova e o da Mãe d’Água Velha, sendo junto desta que se situa a barragem romana. O comprimento das galerias é de 58,135 Km, incluindo as ramificações dentro de Lisboa.

O Aqueduto das Águas Livres nunca foi totalmente eficaz porque fornecia água impura e em pequena quantidade e, neste momento, não é mais do que um monumento histórico que resistiu ao Terramoto de 1755.

Mas não é só pelo facto de ter contribuído para aumentar o caudal do Aqueduto que a Ribeira de Caneças é conhecida. É-o, também, pelas suas águas que fizeram da região um centro de tratamentos termais, pelos seus aguadeiros e lavadeiras, para além dos produtos hortícolas e frutícolas que nasciam nas suas margens.

Ao contrário do que acontecia com a população de Lisboa, a de Caneças não tinha quaisquer problemas com o abastecimento de água, graças às suas nascentes, ribeiras e poços.

Devido à sua composição, “cloretada, sulfatada e calcária”, esta água era favorável ao tratamento de doenças do estômago e dos intestinos. Para além disso, as águas eram límpidas, incolores, inodoras, de sabor férreo e de temperatura inferior à do meio ambiente. Eram recomendadas como tónicos e reconstituintes no tratamento de anemias, cloroses e convalescenças.

Todas estas qualidades levam ao aparecimento do comércio dos Aguadeiros, comércio este intimamente ligado à abertura de fontes, das quais falaremos em pormenor mais adiante.

As bilhas de água e as trouxas das Lavadeiras eram transportadas, a princípio, em carroças de 2 rodas ou em galeras de 4 rodas.

Nos anos 30 do Séc. XX, as carroças e as galeras foram substituídas pelas camionetas, o que encareceu o custo do produto final ao consumidor e, daí em diante, o número de Aguadeiros diminuiu bastante.

As inúmeras quintas junto às quais havia fontes transformaram-se em locais de veraneio e estâncias de tratamento

Mê ofício é lavadeira
Mê amor é aguadeiro
Ele vai vender a água
Eu vou entregar a roupa

Para trazer o dinheiro

Cesário Verde, em carta datada de 16 de Julho de 1879, dirigida a Mariano de Pina, refere-se a Caneças, dizendo: “Em Caneças, as lavadeiras acompanham o bater da roupa com um ai enorme, medonho, aflitivo”.

A qualidade da água da Ribeira de Caneças está também ligada à actividade das Lavadeiras, que dividiam as tarefas domésticas com a lavagem da roupa que era, semanalmente, recolhida e entregue na casa das freguesas, sobretudo de Lisboa. É que as casas da cidade não tinham condições nem para fazer a barrela, nem para pôr a roupa a corar.

Para não confundirem nem as freguesas nem as roupas de cada uma, as Lavadeiras tinham o seu rol, onde eram registadas as peças de roupa:

“Três corpetes, um avental
Sete fronhas e um lençol
Seis camisas do enxoval
Qu’a freguesa deu ao rol,”

cantava Beatriz Costa no filme de Chianca de Garcia, “Aldeia da Roupa Branca”.

À segunda-feira, às 5 da manhã, saíam de casa na carroça puxada por machos. A roupa era metida em trouxas, o “albardar”, ou seja, era embrulhada num pano, o “riscado”, tecido de riscas de cor diferente, tendo cada freguesa o seu riscado. Se a roupa era transportada por machos, tinha de ser colocada nos “seirões” (cestos de esparto ou vimes em forma de alforges), que eram içados para o dorso dos animais.

Durante o resto da semana, excepto ao Domingo que era o dia guardado para ir à missa e descansar, as Lavadeiras lavavam a roupa na ribeira para onde levavam pedras de cor cinzenta, pedras “olho de sapo”, que serviam para esfregar a roupa.

Uma vez que “roupa que não é cantada não é lavada”, acompanhavam a sua tarefa cantando canções de amor ou modinhas.

“Ai bate, bate,
Bate a preceito!
Ai bate, bate
Ai bate, bate.
Esfrega co’a mão
Batida a eito
A roupa de feição”

Depois de lavada e separada, consoante era molhada, “cargos” (embrulhada num lençol) ou seca, “carrego” (roupa solta), era levada ao local de estender, onde secava sobre pedras, ervas, arbustos ou estendais, corando ao sol e era frequentemente borrifada até ficar bem branca. Ia outra vez a lavar sendo, finalmente, posta a secar. Depois de seca, era levada para um alpendre, onde era dobrada e embrulhada no respectivo riscado. Assim estavam feitas as trouxas que eram, por sua vez, embrulhadas em sarapilheira para que se não sujassem. Havia as trouxas pequenas e as trouxas grandes, ou trouxas de carroça, que eram revistadas à entrada de Lisboa por um guarda-fiscal, a fim de se evitar o contrabando.

Mais tarde, as Lavadeiras deixaram de lavar na ribeira e passaram a fazê-lo em tanques, os “lavadouros”. Porém, esta actividade, que passava de mães para filhas, conheceu um declínio progressivo, sobretudo nos anos 60, com o aparecimento das máquinas de lavar roupa. Os lavadouros deixaram de ser, apenas, para utilização exclusiva das Lavadeiras e passaram a sê-lo para uso de toda a população local e, devido ao desenvolvimento urbanístico, grande parte deles desapareceu.

As antigas Lavadeiras, que ainda são vivas, recordam aquela época com tristeza. Dizem que as “moças” de hoje só servem para passear os livros e gozarem com quem trabalhou. Pedem que as não deixem ir para asilos que consideram como verdadeiros cemitérios.

Na ausência de um ofício que o progresso das máquinas de lavar e a poluição acabaram por destruir, continuam a lutar para que nem elas nem o passado de Caneças morram.

Um filme de que nunca se esquecem é “Aldeia da Roupa Branca”. Ao evocar este filme, a protagonista, Beatriz Costa, afirmou que foi o melhor filme português de sempre. As cenas da lavagem e secagem das roupas foram filmadas em Caneças. O resto do filme foi todo feito em estúdio, com cenários do grande pintor Bernardo Marques.

AGUADEIROS

As bilhas em que os aguadeiros levavam a água eram de barro, tendo uma forma típica: a base era comprida e delgada, de maneira a ser introduzida nos buracos dos estrados de madeira fabricados para esse fim, evitando-se assim que as bilhas se partissem ao serem transportadas em carroças até Lisboa.

Quem lavava e enchia as bilhas eram as “enchedeiras das águas”, figuras graciosas e laboriosas de mulher, a quem cabia também a tarefa de selar as bilhas com papéis colantes.

A princípio, as bilhas tinham uma rolha de trapo, que foi mais tarde substituída por uma de cortiça, passando então a ser seladas, sendo pago o tributo, de acordo com os selos, à Junta de Freguesia. Alguns Aguadeiros possuíam selo próprio, que punham nas suas bilhas, selo que não só os identificava como também certificava a origem da água. As bilhas seladas e o verbete de captação garantiam a sua qualidade.

A distribuição diária da água pelos bairros da capital era comercializada pelos fornecedores, estando cada área de distribuição previamente definida entre os distribuidores, passando esta concessão de pais para filhos.

FONTE:

Escola Secundária de Caneças

http://www.esec-canecas.rcts.pt/

aguadeiro: foto de Fernando d'Oliveira ASCENSO

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