A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, março 19, 2007


Dois anos da "nova política"

São José Almeida
A semana política


A "nova política" levada a cabo pelo PS tem como fio condutor comum a tentativa de desprestígio do papel do Estado

Há dois anos, José Sócrates tomou posse como primeiro-ministro do primeiro Governo do PS com maioria absoluta. O feito eleitoral, que a posteriori tem sido lido como um resultado da imagem impositiva e determinada transmitida pelo agora primeiro-ministro, deve-se, em grande parte, ao facto de José Sócrates ter estado no lugar certo no momento certo. Se é exagerado dizer-se que o poder lhe caiu no colo, a realidade é que a maioria absoluta do PS deveu-se mais ao desastre da governação de Barroso-Portas. Lembre-se o colapso eleitoral da coligação governativa de direita nas europeias de 2004. Santana Lopes não passou de um epifenómeno, vítima tão-só da sua vaidade e da sua ânsia de poder, que o levaram a aceitar ser primeiro-ministro sob tutela. Importa também recordar que o PS ascendeu à maioria absoluta em Fevereiro de 2005, mas o PCP e o BE também subiram eleitoralmente. A erosão eleitoral atingiu, então, o PSD e o CDS.

Ao tomar posse em condições de poder inéditas à esquerda, José Sócrates inicia a concretização de um programa político de influência ideológica neoliberal que tem como objectivo desestruturar o papel social do Estado tal como foi construído no pós-guerra (em Portugal, após o 25 de Abril), não só na vertente de garante de direitos democráticos, mas também na da redistribuição de riqueza, numa pressão inédita, numa luta de classes invertida, por forma a retirar poder de compra e qualidade de vida a quem trabalha, a favor do mercado, do capital e da classe dominante que o representa, as elites de gestores e empresários. O resultado tem sido o dumping social dos últimos dois anos.

Esta "contra-revolução neoliberal", como a designou Milton Friedman, que leva à precarização das relações de trabalho, à desregularização social, à informalização da política, está em marcha desde os anos 70 e domina, entretanto, os critérios de orientação da União Europeia. Chega agora a Portugal e é concretizada com um conjunto de medidas políticas, que têm como fio condutor comum a tentativa de desprestígio do papel do Estado e de criação de um novo modelo social em que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres aumentam, em relação aos níveis de vida de há algumas décadas. Isto porque, apesar do bolo da riqueza aumentar, as fatias de uns aumentaram de tal forma que as que sobram para os outros são forçosamente mais pequenas.

Passando ao concreto, esta orientação está patente na reforma da função pública, mas também no agravamento geral das condições e do poder de compra da população que, aliás, não têm deixado de engrossar, de manifestação para manifestação, a corrente dos protestos sociais. É, aliás, a percepção dos índices de descontentamento, a noção do risco da "revolta" social, do "motim" - um risco que a história ensina -, que podem ser originados pela radicalidade das mudanças sociais, que estão também na origem do novo espírito securitário, que de repente assolou as políticas de administração interna. Políticas que denotam uma preocupação de controlo de informação (cartão único) e de centralidade policial de admoestação e domesticação da sociedade (desejo do "cidadão transparente"), que podem pôr em causa os fundamentos da liberdade individual, como ela é entendida nas sociedades democráticas, e que não é explicável apenas pelo risco do terrorismo.

A "nova política" está a ser levada a cabo por um partido socialista, membro da Internacional Socialista, que é herdeiro do património da social-democracia, mas que não hesita em medidas que põem em causa a dimensão humana do modelo social europeu e o seu objectivo de preocupação com o bem-estar e a dignidade das pessoas. A começar pela Saúde, onde as reformas em curso não são uma mera optimização, mas que tem como pressuposto - quer o fecho de serviços de urgência, quer de maternidades - não o princípio do interesse do cidadão, mas o da comercialização e da orientação da saúde por critérios economicistas: os que podem tratam-se no privado, os que não podem morrem.Mas também na Educação essa lógica e diminuição do papel social do Estado está presente. Mais: o feroz ataque que tem sido desferido pelo Ministério da Educação contra a dignidade profissional dos professores tem como resultado, acima de tudo, o desprestígio do ensino público. Fecham-se largas centenas de escolas no Interior, ignorando conscientemente a sua função social e cultural insubstituível nas regiões mais deprimidas, e degradam-se as universidades, reduzindo-as ao papel de prestadores de serviços às empresas.

Já na Segurança Social, José Sócrates assumiu a herança social-democrata e recusou-se a aceitar o sistema misto que abriria a porta à privatização de parte das reformas, mas, no que toca ao financiamento do sistema, colocou a responsabilidade deste nos ombros de quem trabalha que passa a pagar mais, receber menos e mais tarde.

Isto para não falar da Cultura, onde o grande investimento destes dois anos feito pelo Governo socialista é o patrocínio estatal garantido, durante pelo menos dez anos, à colecção artística privada de um conhecido empresário.

Com o ponto de viragem do mandato a celebrar-se agora e depois do que já foi feito por José Sócrates, não é de excluir que aumentem os apelos para o incremento das reformas por parte dos porta-vozes das elites políticas e sócio-económicas dominantes, até porque, a entrada em plano descendente do ciclo político para período eleitoral poderá levar as cassandras da "nova política" a temer que o seu Governo não seja suficientemente frio e racional para ir com o programa até ao fim e venha a cair em temores eleitoralistas de perda de votos. Daí que seja natural que se passe a viver com uma intensidade maior a histeria da inevitabilidade da receita única.

São José Almeida
Jornalista
17.03.2007, Público

ilustração - autor não identificado

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